OS PRIMOS DE REBORDOSA
Primeiro domingo de Outubro. De manhã, ouvi foguetes e logo me lembrei que hoje se celebra a festa de Nossa Senhora do Rosário em Gondomar. Grande romaria que marca o fim das festas religiosas do Verão. Popularmente, é conhecida como a “festa das nozes”. Logo que me levantei fui buscar uma garrafa de “alvarinho” que pus no frigorífico. A Nitas foi ver se ainda havia nozes em casa e telefonou à mãe, que costuma comprar o pão ao domingo, para trazer um regueifa. É que, por uma tradição que mantenho há muitos anos, neste dia, à tarde, sempre comemos nozes com regueifa, acompanhadas com vinho verde branco.
Poder-se-á perguntar - o que é que isso tem a ver com os primos de Rebordosa?
Quem eram os primos de Rebordosa?
Vamos por partes. O meu bisavô, pai do meu avô paterno, que tinha precisamente o nome de meu pai, José Moreira Dias, era da casa de Azevido em Rebordosa e casou com Ermelinda Ferreira, minha bisavó que era da casa da Quintã, onde meu pai nasceu e cresceu. É este bisavô, tanoeiro, que está na origem da nossa alcunha de “tanoeiros”.
Com a idade aproximada de meu pai, vivia na dita Casa de Azevido um primo, de nome Manuel, de quem meu pai era muito amigo e a quem chamava o “primo de Azevido”. Para além da amizade partilhavam interesses comuns. Recordo que o primeiro romance que li, teria uns 12 anos, chamava-se “Os horrores da Sibéria” e tinha sido oferecido a meu pai pelo primo de Rebordosa. Morreu novo este primo. Casado com uma senhora de Bustelo, chamada Ana, deixou 9 filhos, ou seja, por ordem decrescente de idade, Teresinha, Zélia, Judite, António, Luísa, Neca, Zeca, Zezinha e Valdemar. Na mesma casa, viviam ainda o criado, o senhor Joaquim, e duas primas de meu pai. Dada a proximidade/amizade dos meus pais, sempre chamei madrinhas a estas e à viúva do primo Manuel.
Em data que já não consigo precisar, comecei a ir passar quinze dias das férias grandes à Casa de Azevido. Era uma festa: éramos 10 jovens com idades muito aproximadas: só a Zezinha e o Valdemar é que eram mais novitos. Ao todo, éramos 14 pessoas naquela casa. Eu era tratado como se fosse um príncipe. Tinha um quarto, junto da sala melhor, só para mim. Os meus primos já trabalhavam no campo. Como eu gostava daquele caldo que era servido a meio da manhã! Como os campos eram perto, todos vinham comer a casa: era o nosso primeiro contacto do dia. A Teresinha era a líder do grupo e foi a primeira a trabalhar fora de casa mas muito perto, quando se instalou ali uma estação dos telefones. A Zélia costurava muito bem: ainda me lembro de um vestido branco que ela fez para ela com tecido utilizado para os forros. Que bem lhe ficava! O Neca era o “engenhocas” da casa, o habilidoso que consertava tudo o que fosse preciso. Era o meu companheiro nos passeios de bicicleta. Chegámos a ir a Lagares visitar o tio Américo e a Sobrado a casa do Senhor Domingos (Aqui preguei-lhe uma partida. Como sabia que era muito tímido, levei-o comigo a casa deste meu amigo sem lhe dizer aonde ia. Quando se viu rodeado por quatro meninas -Mª de Lurdes, Eugénia, Palmira e Cândida Dulce - que o enchiam de atenções, ficou muito atrapalhado, mas portou-se como um senhor. Á saída é que me ameaçou que não voltaria a passear comigo se eu lhe voltasse a fazer outra “tratantada”. Prometi que não e cumpri… A Judite era da minha idade e, por isso, era aquela com quem eu mais me metia e a quem mais consumia. A Luísa, como era ainda adolescente, ficava em casa para as lides domésticas: muito se zangava quando eu lhe escondia a vassoura… O Zeca já ajudava nos trabalhos agrícolas, mas muito gostava de estar comigo. O António, o mais velho dos rapazes, andava sempre no campo a acompanhar o senhor Joaquim. A Zezita e o Valdemar eram as crianças que me acompanhavam nas idas à igreja e nas brincadeiras que fazia com outras crianças das vizinhanças. ( Ainda tenho fotografias desses grupos).
Na minha Missa Nova todos trabalharam: os rapazes a servir as bebidas; as meninas a servir a comida: a Teresinha era a chefe.
Ainda estou a ver a cara da rapaziada da minha terra quando viram chegar três lindas raparigas que vinham assistir à representação do drama “Deus escreve Direito…” que foi levado à cena no salão paroquial de Campo, representado pelos rapazes da minha terra que eu ensaiara. Eram as três primas mais velhas… De tal modo eram bonitas e vistosas que alguém foi acusar-me ao Senhor Bispo (eu penso que sei quem foi, mas não digo) e só a confiança do senhor Reitor e o conhecimento que D. Florentino já tinha de mim me aguentaram no seminário. Na véspera da minha ordenação sacerdotal, falei com o Senhor Bispo sobre elas que eram como minhas irmãs. E ele confiou e ordenou-me. Não escondi nada. Como dizia o Reitor, “és um cara lavada”…
As minhas férias em Rebordosa eram um misto de retiro, de convivência e de acção pastoral. Aí tomei grandes decisões quanto à minha vocação. Concretamente, foi aí que eu decidi não continuar no projecto do “Regnum Dei” (De que já falei num outro post), tendo sido aí, também, que comuniquei ao Pe. Fernando Maurício a minha decisão num dia em que ele me fora visitar. Pastoralmente, colaborava com o Pároco, Pe. Mendes, na preparação das crianças para a comunhão solene.
E que tem tudo isto a ver com as nozes?No tempo de férias que eu passava em Rebordosa, muitos colegas me foram visitar. (Ainda me lembro do meu primo Manuel Joaquim me ter ido visitar e ter limado um dente que eu partira para não me picar a língua… Grande especialista: o dente ainda cá anda…)
Se almoçavam, sempre a madrinha servia um”cozido à portuguesa”muito bom. Parece que ainda sinto o cheiro das carnes e do salpicão. Se vinham só de tarde, já sabia que à merenda, para além de ovos estrelados, lá tínhamos nozes com regueifa e vinho. Que saboroso era este lanche!... De tal modo marcou a minha memória que, hoje, ao festejar a Senhora do Rosário, eu quero prestar homenagem a esta minha madrinha que tão bem me tratava e recebia os meus amigos. Com que gentileza e fidalguia o fazia! Foi pois em sua memória que nasceu esta tradição em minha casa.
Recordações da Casa de Rebordosa são muitas e muitas. Éramos como irmãos…
As mais velhas fundaram em Rebordosa a JAC (Juventude Agrária Católica) e a Teresinha chegou a ser dirigente diocesana. Tiveram sempre o meu apoio.
Infelizmente, as relações com a minha madrinha esfriaram na fase final da sua vida. E porquê? Explico. Ela sempre tratou muito bem os filhos. E com que esforço o fez. Não posso esquecer que quando ficou viúva os filhos ainda eram muito novos, eram praticamente todos crianças. Esta preocupação com os filhos fez dela uma mãe galinha que queria que eles permanecessem debaixo das suas asas. Por isso, nunca deixou que eles fossem estudar para além da escola primária. A Teresinha, com os contactos que fez na JAC, começou a querer libertar-se e a voar mais alto. E sentiu que eu a apoiava. Também conheceu um rapaz na Acção Católica que era de Lousada (peço muita desculpa, mas neste momento não recordo o nome o que é uma vergonha para mim dada a amizade que lhe tinha) com quem começou a namorar. A mãe, quando soube, opôs-se a esse namoro, não porque se tratasse de um mau rapaz. (As mães sempre desejam o melhor para os filhos…) E era em mim que a Teresinha encontrava apoio. Tanto a amargurou que a Teresinha passou por momentos de grandes hesitações pondo mesmo a hipótese de ir para um convento. Aconteceu que, em 1962, eu organizei umas colónias de férias na Escola Primária do Calvário em Valongo para crianças do Bairro da Sé no Porto que frequentavam a catequese na igreja dos Grilos e o parque infantil que eu tinha ajudado a criar. Convidei a Teresinha a vir ajudar-me na colónia depois de pedir autorização à mãe. E assim a Teresinha passou 15 dias fora de casa. Durante esse tempo, o namorado veio visitá-la diversas vezes e o namoro fosse solidificando. Entretanto, a Teresinha confessou-me que gostava de tirar o curso de enfermeira. Quando, em 1063, comecei a trabalhar na Paróquia de Santo Ildefonso, a Teresinha veio falar comigo pedindo-me se eu a ajudava a pagar o curso de enfermeira. Eu disse-lhe que os 500$00 mensais que ganhava estavam à sua disposição. Ela agradeceu e disse-me que o primeiro dinheiro que ganhasse como enfermeira seria para me pagar a dívida (o que de facto, cumpriu integralmente). Para tirar o curso teve que vir viver para o Porto, hospedando-se num lar de religiosas na rua do Breyner. Esta saída fez-se com rupturas. A mãe opunha-se. E quando soube que era o meu apoio financeiro que permitia à filha aguentar com as despesas do alojamento e do curso, ficou muito magoada comigo, embora nunca mo dissesse pessoalmente. Esta mágoa aumentou com o casamento da Teresinha. Quando pensaram casar, vieram falar comigo dizendo-me que gostariam de casar na capela da Senhora do Calvário que eu acabava de construir no Cerco do Porto. Contaram-me que o seu casamento era contra a vontade da madrinha que, apesar de todos os esforços, continuava a opor-se. Lamentando, porque não queria magoar a madrinha que tão bem me tratara, disse-lhes que tinha muito gosto em casá-los e que ofereceria um lanche aos convidados na minha casa no bloco 15 do bairro do Cerco do Porto onde vivia. Tratámos de toda a documentação necessária e o casamento realizou-se, creio, no dia 6 de Janeiro (Dia de Reis) de 1967. Sei que foi o primeiro casamento realizado na Paróquia Experimental de Nossa Senhora do Calvário que fora criada por D. Florentino, com efeitos a partir do dia primeiro desse mês. No fim, os noivos atravessaram o Bairro do Cerco a pé e vieram até minha casa onde o lanche foi servido. A mãe não veio ao casamento. O Neca esteve presente. E a minha madrinha não me desculpou… e eu nunca mais me senti à vontade para ir a sua casa. São os riscos da vida… Mas, hoje, apesar de muito lamentar e não desejar nada viver uma situação semelhante, voltaria a fazer o mesmo. Era um problema de consciência. Na “terra da verdade”, onde já tem a companhia da filha e do genro, estou convencido que a madrinha já me desculpou porque compreendeu que lhe queria muito, que nunca a quis magoar, mas que não poderia deixar de apoiar a Teresinha a realizar os seus projectos. E ela sabe que foi para bem. A Teresinha foi muito feliz no casamento. Foi feliz com os filhos que teve. E, como enfermeira, fez muito bem em Rebordosa onde era conhecida simplesmente como a “Senhora Enfermeira” .
Os outros meus primos, quase todos, estudaram já depois de grandes, alguns depois de vir da tropa como foi o caso do Neca que chegou a ser Vice-Presidente da Câmara Municipal de Paredes. Contribuíram para o desenvolvimento da freguesia. Fundaram o clube de futebol que ainda hoje existe, criaram a associação dos Bombeiros Voluntários, participaram na vida autárquica. Todos estão bem graças a Deus. Excepto o António que veio psicologicamente afectado da Guerra Colonial. É uma vítima da guerra. “Está inocentinho”, como se diz na terra. Infelizmente, não temos convivido muito. Quase só nos encontramos nos funerais. Ainda ajudei o filho mais velho da Teresinha, licenciado em Economia pela Universidade de Évora, a fazer estágio na Novopan, em Rebordosa, de que era gerente o meu amigo Jaime Teixeira da Sonae. A filha do Zeca e o filho (Hélder?) do Valdemar (desculpem mas já esqueci os nomes) andaram no colégio de cuja Direcção pedagógica eu fazia parte. Creio que os tratei com o carinho que os primos me merecem.
Continuo a querer-lhes muito. E hoje, quando estivermos a saborear as nozes e a regueifa que já estão na cozinha e a apreciar o vinho verde que já está fresquinho ( escolhi o melhor que tinha em casa e, mesmo assim, nunca será tão bom como o que era produzido em Azevido), eu invocarei a memória da madrinha e lembrarei os meus “PRIMOS DE REBORDOSA.”
Poder-se-á perguntar - o que é que isso tem a ver com os primos de Rebordosa?
Quem eram os primos de Rebordosa?
Vamos por partes. O meu bisavô, pai do meu avô paterno, que tinha precisamente o nome de meu pai, José Moreira Dias, era da casa de Azevido em Rebordosa e casou com Ermelinda Ferreira, minha bisavó que era da casa da Quintã, onde meu pai nasceu e cresceu. É este bisavô, tanoeiro, que está na origem da nossa alcunha de “tanoeiros”.
Com a idade aproximada de meu pai, vivia na dita Casa de Azevido um primo, de nome Manuel, de quem meu pai era muito amigo e a quem chamava o “primo de Azevido”. Para além da amizade partilhavam interesses comuns. Recordo que o primeiro romance que li, teria uns 12 anos, chamava-se “Os horrores da Sibéria” e tinha sido oferecido a meu pai pelo primo de Rebordosa. Morreu novo este primo. Casado com uma senhora de Bustelo, chamada Ana, deixou 9 filhos, ou seja, por ordem decrescente de idade, Teresinha, Zélia, Judite, António, Luísa, Neca, Zeca, Zezinha e Valdemar. Na mesma casa, viviam ainda o criado, o senhor Joaquim, e duas primas de meu pai. Dada a proximidade/amizade dos meus pais, sempre chamei madrinhas a estas e à viúva do primo Manuel.
Em data que já não consigo precisar, comecei a ir passar quinze dias das férias grandes à Casa de Azevido. Era uma festa: éramos 10 jovens com idades muito aproximadas: só a Zezinha e o Valdemar é que eram mais novitos. Ao todo, éramos 14 pessoas naquela casa. Eu era tratado como se fosse um príncipe. Tinha um quarto, junto da sala melhor, só para mim. Os meus primos já trabalhavam no campo. Como eu gostava daquele caldo que era servido a meio da manhã! Como os campos eram perto, todos vinham comer a casa: era o nosso primeiro contacto do dia. A Teresinha era a líder do grupo e foi a primeira a trabalhar fora de casa mas muito perto, quando se instalou ali uma estação dos telefones. A Zélia costurava muito bem: ainda me lembro de um vestido branco que ela fez para ela com tecido utilizado para os forros. Que bem lhe ficava! O Neca era o “engenhocas” da casa, o habilidoso que consertava tudo o que fosse preciso. Era o meu companheiro nos passeios de bicicleta. Chegámos a ir a Lagares visitar o tio Américo e a Sobrado a casa do Senhor Domingos (Aqui preguei-lhe uma partida. Como sabia que era muito tímido, levei-o comigo a casa deste meu amigo sem lhe dizer aonde ia. Quando se viu rodeado por quatro meninas -Mª de Lurdes, Eugénia, Palmira e Cândida Dulce - que o enchiam de atenções, ficou muito atrapalhado, mas portou-se como um senhor. Á saída é que me ameaçou que não voltaria a passear comigo se eu lhe voltasse a fazer outra “tratantada”. Prometi que não e cumpri… A Judite era da minha idade e, por isso, era aquela com quem eu mais me metia e a quem mais consumia. A Luísa, como era ainda adolescente, ficava em casa para as lides domésticas: muito se zangava quando eu lhe escondia a vassoura… O Zeca já ajudava nos trabalhos agrícolas, mas muito gostava de estar comigo. O António, o mais velho dos rapazes, andava sempre no campo a acompanhar o senhor Joaquim. A Zezita e o Valdemar eram as crianças que me acompanhavam nas idas à igreja e nas brincadeiras que fazia com outras crianças das vizinhanças. ( Ainda tenho fotografias desses grupos).
Na minha Missa Nova todos trabalharam: os rapazes a servir as bebidas; as meninas a servir a comida: a Teresinha era a chefe.
Ainda estou a ver a cara da rapaziada da minha terra quando viram chegar três lindas raparigas que vinham assistir à representação do drama “Deus escreve Direito…” que foi levado à cena no salão paroquial de Campo, representado pelos rapazes da minha terra que eu ensaiara. Eram as três primas mais velhas… De tal modo eram bonitas e vistosas que alguém foi acusar-me ao Senhor Bispo (eu penso que sei quem foi, mas não digo) e só a confiança do senhor Reitor e o conhecimento que D. Florentino já tinha de mim me aguentaram no seminário. Na véspera da minha ordenação sacerdotal, falei com o Senhor Bispo sobre elas que eram como minhas irmãs. E ele confiou e ordenou-me. Não escondi nada. Como dizia o Reitor, “és um cara lavada”…
As minhas férias em Rebordosa eram um misto de retiro, de convivência e de acção pastoral. Aí tomei grandes decisões quanto à minha vocação. Concretamente, foi aí que eu decidi não continuar no projecto do “Regnum Dei” (De que já falei num outro post), tendo sido aí, também, que comuniquei ao Pe. Fernando Maurício a minha decisão num dia em que ele me fora visitar. Pastoralmente, colaborava com o Pároco, Pe. Mendes, na preparação das crianças para a comunhão solene.
E que tem tudo isto a ver com as nozes?No tempo de férias que eu passava em Rebordosa, muitos colegas me foram visitar. (Ainda me lembro do meu primo Manuel Joaquim me ter ido visitar e ter limado um dente que eu partira para não me picar a língua… Grande especialista: o dente ainda cá anda…)
Se almoçavam, sempre a madrinha servia um”cozido à portuguesa”muito bom. Parece que ainda sinto o cheiro das carnes e do salpicão. Se vinham só de tarde, já sabia que à merenda, para além de ovos estrelados, lá tínhamos nozes com regueifa e vinho. Que saboroso era este lanche!... De tal modo marcou a minha memória que, hoje, ao festejar a Senhora do Rosário, eu quero prestar homenagem a esta minha madrinha que tão bem me tratava e recebia os meus amigos. Com que gentileza e fidalguia o fazia! Foi pois em sua memória que nasceu esta tradição em minha casa.
Recordações da Casa de Rebordosa são muitas e muitas. Éramos como irmãos…
As mais velhas fundaram em Rebordosa a JAC (Juventude Agrária Católica) e a Teresinha chegou a ser dirigente diocesana. Tiveram sempre o meu apoio.
Infelizmente, as relações com a minha madrinha esfriaram na fase final da sua vida. E porquê? Explico. Ela sempre tratou muito bem os filhos. E com que esforço o fez. Não posso esquecer que quando ficou viúva os filhos ainda eram muito novos, eram praticamente todos crianças. Esta preocupação com os filhos fez dela uma mãe galinha que queria que eles permanecessem debaixo das suas asas. Por isso, nunca deixou que eles fossem estudar para além da escola primária. A Teresinha, com os contactos que fez na JAC, começou a querer libertar-se e a voar mais alto. E sentiu que eu a apoiava. Também conheceu um rapaz na Acção Católica que era de Lousada (peço muita desculpa, mas neste momento não recordo o nome o que é uma vergonha para mim dada a amizade que lhe tinha) com quem começou a namorar. A mãe, quando soube, opôs-se a esse namoro, não porque se tratasse de um mau rapaz. (As mães sempre desejam o melhor para os filhos…) E era em mim que a Teresinha encontrava apoio. Tanto a amargurou que a Teresinha passou por momentos de grandes hesitações pondo mesmo a hipótese de ir para um convento. Aconteceu que, em 1962, eu organizei umas colónias de férias na Escola Primária do Calvário em Valongo para crianças do Bairro da Sé no Porto que frequentavam a catequese na igreja dos Grilos e o parque infantil que eu tinha ajudado a criar. Convidei a Teresinha a vir ajudar-me na colónia depois de pedir autorização à mãe. E assim a Teresinha passou 15 dias fora de casa. Durante esse tempo, o namorado veio visitá-la diversas vezes e o namoro fosse solidificando. Entretanto, a Teresinha confessou-me que gostava de tirar o curso de enfermeira. Quando, em 1063, comecei a trabalhar na Paróquia de Santo Ildefonso, a Teresinha veio falar comigo pedindo-me se eu a ajudava a pagar o curso de enfermeira. Eu disse-lhe que os 500$00 mensais que ganhava estavam à sua disposição. Ela agradeceu e disse-me que o primeiro dinheiro que ganhasse como enfermeira seria para me pagar a dívida (o que de facto, cumpriu integralmente). Para tirar o curso teve que vir viver para o Porto, hospedando-se num lar de religiosas na rua do Breyner. Esta saída fez-se com rupturas. A mãe opunha-se. E quando soube que era o meu apoio financeiro que permitia à filha aguentar com as despesas do alojamento e do curso, ficou muito magoada comigo, embora nunca mo dissesse pessoalmente. Esta mágoa aumentou com o casamento da Teresinha. Quando pensaram casar, vieram falar comigo dizendo-me que gostariam de casar na capela da Senhora do Calvário que eu acabava de construir no Cerco do Porto. Contaram-me que o seu casamento era contra a vontade da madrinha que, apesar de todos os esforços, continuava a opor-se. Lamentando, porque não queria magoar a madrinha que tão bem me tratara, disse-lhes que tinha muito gosto em casá-los e que ofereceria um lanche aos convidados na minha casa no bloco 15 do bairro do Cerco do Porto onde vivia. Tratámos de toda a documentação necessária e o casamento realizou-se, creio, no dia 6 de Janeiro (Dia de Reis) de 1967. Sei que foi o primeiro casamento realizado na Paróquia Experimental de Nossa Senhora do Calvário que fora criada por D. Florentino, com efeitos a partir do dia primeiro desse mês. No fim, os noivos atravessaram o Bairro do Cerco a pé e vieram até minha casa onde o lanche foi servido. A mãe não veio ao casamento. O Neca esteve presente. E a minha madrinha não me desculpou… e eu nunca mais me senti à vontade para ir a sua casa. São os riscos da vida… Mas, hoje, apesar de muito lamentar e não desejar nada viver uma situação semelhante, voltaria a fazer o mesmo. Era um problema de consciência. Na “terra da verdade”, onde já tem a companhia da filha e do genro, estou convencido que a madrinha já me desculpou porque compreendeu que lhe queria muito, que nunca a quis magoar, mas que não poderia deixar de apoiar a Teresinha a realizar os seus projectos. E ela sabe que foi para bem. A Teresinha foi muito feliz no casamento. Foi feliz com os filhos que teve. E, como enfermeira, fez muito bem em Rebordosa onde era conhecida simplesmente como a “Senhora Enfermeira” .
Os outros meus primos, quase todos, estudaram já depois de grandes, alguns depois de vir da tropa como foi o caso do Neca que chegou a ser Vice-Presidente da Câmara Municipal de Paredes. Contribuíram para o desenvolvimento da freguesia. Fundaram o clube de futebol que ainda hoje existe, criaram a associação dos Bombeiros Voluntários, participaram na vida autárquica. Todos estão bem graças a Deus. Excepto o António que veio psicologicamente afectado da Guerra Colonial. É uma vítima da guerra. “Está inocentinho”, como se diz na terra. Infelizmente, não temos convivido muito. Quase só nos encontramos nos funerais. Ainda ajudei o filho mais velho da Teresinha, licenciado em Economia pela Universidade de Évora, a fazer estágio na Novopan, em Rebordosa, de que era gerente o meu amigo Jaime Teixeira da Sonae. A filha do Zeca e o filho (Hélder?) do Valdemar (desculpem mas já esqueci os nomes) andaram no colégio de cuja Direcção pedagógica eu fazia parte. Creio que os tratei com o carinho que os primos me merecem.
Continuo a querer-lhes muito. E hoje, quando estivermos a saborear as nozes e a regueifa que já estão na cozinha e a apreciar o vinho verde que já está fresquinho ( escolhi o melhor que tinha em casa e, mesmo assim, nunca será tão bom como o que era produzido em Azevido), eu invocarei a memória da madrinha e lembrarei os meus “PRIMOS DE REBORDOSA.”
2 Comments:
Boa tarde!
Encontrei, por acaso, e com agrado este texto numa das minhas pesquisas genealógicas. Sou filho da Zélia que faz referência no texto.
Gostava de poder contatar consigo.
Cumprimentos.
J.Paulo Moreira Leão
By Emrcmaster, at 5:31 da tarde
Não sei como é que apareceu o "Emrcmaster" associado ao meu comentário.Gostava que percebesse que isto não é uma brincadeira (somos parentes). Estou mesmo interessado em saber mais sobre os textos que publica pois ando precisamente a pesquisar o ramo genealógico da minha mãe (estou a ter dificuldades em encontrar elementos relacionados com o António Caetano Moreira e a Maria Martins (filha de José Moreira Dias).
Espero que esta mensagem chegue ao seu conhecimento.
J. Paulo Moreira Leão
By Emrcmaster, at 5:42 da tarde
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