CONFLITO DE GERAÇÕES?
“Nossa juventude é mal-educada.” Coloquei entre aspas este subtítulo, de carácter aparentemente provocatório, porque corresponde a uma expressão que ouvi a uma senhora no Metro do Porto e que já tinha lido num texto que dizia : “ Nossa juventude adora o luxo, é mal-educada, caçoa da autoridade e não tem o menor respeito pelos mais velhos. Nossos filhos hoje são verdadeiros tiranos. Eles não se levantam quando uma pessoa idosa entra, respondem a seus pais e são simplesmente maus”.
Há, no entanto, uma pequena/grande diferença entre estas duas expressões: o desabafo que ouvi no Metro, aconteceu na semana passada, enquanto o texto é de Sócrates, o grande filósofo, que viveu na Grécia entre 470 e 399 a.C.. O que significa uma separação temporal de cerca de dois mil e quinhentos anos.
“ A juventude de hoje não é como a juventude do nosso tempo.” Esta expressão ouvi-a a um grupo de pessoas que, num café do Porto, comentava uma notícia do jornal sobre um gang juvenil e li-a, com pequenas variantes, num texto: “Essa juventude está estragada até ao fundo do coração. Os jovens são malfeitores e preguiçosos. Eles jamais serão como a juventude de antigamente. A juventude de hoje não será capaz de manter a nossa cultura”. Este texto foi descoberto num vaso de argila nas ruínas de Babilónia (no actual Iraque) e terá mais de quatro mil anos de existência.
Provocação? Não, apenas um convite à reflexão. Sabemos que cada cultura tem uma identidade própria que lhe advém da forma como organiza os seus múltiplos traços culturais. Esta configuração específica reflecte-se nos seus padrões culturais de comportamento colectivo pelo qual são aferidos os comportamentos individuais de cada um dos membros dessa comunidade. Apesar destas especificidades, há traços transversais que penetram todas as culturas, em todos os tempos e lugares.
Assim, em todas as culturas há mandamentos e tabus. Podem ser diversas e até contraditórias, mas não há cultura sem obrigações e proibições Também não há cultura sem valores que nos dizem o que é bem e o que é mal, o que é belo e o que é feio. É grande a diversidade desses valores, mas eles existem em todas as culturas. A inovação é outro dos traços universais de cultura. Em todas as culturas há forças de inovação que dão origem às transformações culturais que se vão operando ao longo do tempo, evitando a sua estagnação. E, se o contacto com culturas estranhas é factor externo de inovação, sempre a juventude funcionou como um factor interno de inovação, essencial à evolução cultural. Em contraponto com as forças evolutivas, sempre existem as forças que procuram conservar a identidade cultural, transmitindo-a às gerações futuras. Acentuam o valor da tradição para assegurarem a sua perenidade. Se em todas as culturas há instituições sociais que funcionam como as guardiãs da moral e dos bons costumes e exerce uma acção modeladora junto dos mais jovens, também os mais velhos procuram preservar os seus padrões culturais. O que é educar senão socializar? O que é socializar senão integrar, moldar um indivíduo à imagem dos modelos culturais de uma sociedade? Neste sentido, poderemos afirmar que o conflito entre gerações sempre existiu e funcionou como um factor de equilíbrio, evitando a estagnação e a desintegração cultural: os jovens, como forças de inovação; os velhos procurando manter as tradições. Hoje, porém, a situação é bem mais complexa. Antigamente, havia apenas duas idades: os novos e os velhos. Há tempos atrás, começou-se a falar da 3ª idade e, agora, já se fala da 4ª idade. A pergunta fica: conflito de gerações? Mas que gerações?
Assim como cada pessoa tem uma identidade própria que resulta da integração coerente e funcional de todos os seus traços e, por isso, é una e única, também cada cultura procura integrar as diversas forças que se confrontam no seu interior de modo a criar uma identidade que a faz una e única. Porém, assim como há personalidades desestruturadas porque não construíram aquilo a que um filósofo chamou a “estátua interior” que permanece como ponto de referência nas diversas situações da vida pessoal, também as culturas correm o risco de perderem a sua unidade identificativa. Neste nosso tempo em que o mundo se tornou numa “aldeia global”, o contacto permanente entre as diversas culturas pode criar um “hibridismo cultural” com a perda da identidade de cada cultura. Quando a adaptação cultural exige um ritmo muito acelerado, como agora acontece, cada cultura não tem tempo para integrar, na sua configuração específica, os elementos estranhos, sofrendo uma desorganização onde o elemento estranho funciona como um implante postiço, como um corpo estranho à sua identidade. Mais ainda, como há culturas que tem mais meios ao seu serviço, maior poder de influência, gera-se um fenómeno de colonização cultural que acaba por uniformizar os padrões culturais fazendo com que todos sigam as modas ditadas por esses novos colonizadores. E se a colonização política não é boa, a colonização cultural não é melhor. Esse é o perigo do nosso tempo. Talvez a juventude esteja mais sujeita a essas modas, mas nenhum de nós pode afirmar que lhe é totalmente imune. Tardam a aparecer movimentos libertadores da colonização cultural.
Aos mais novos compete-lhes, como em todos os tempos, serem factores de evolução cultural, exercitando a sua capacidade crítica frente a todos os comportamentos que lhe são impostos. Nós, os mais velhos, mais do que acusarmos os jovens, pois isso pode significar uma fuga ao nosso próprio sentimento de culpa, mais do que recusarmos tudo o que nos vem de fora, devemos continuar a exercer a nossa função de educadores, transmitindo as nossas tradições e procurando integrar no nosso património cultural tudo o que de bom nos trazem os nossos jovens e nos é fornecido pelo contacto com outros povos e gentes. Temos de preservar o nosso património cultural que não se esgota nos nossos monumentos, mas se reflecte no nosso modo de ser, estar e agir e em muitos outros componentes entre os quais devemos destacar a nossa língua que “ sabe a mar”, como dizia Vergílio Ferreira, afirmando, como Pessoa, “ Minha pátria é a língua portuguesa”.
Há, no entanto, uma pequena/grande diferença entre estas duas expressões: o desabafo que ouvi no Metro, aconteceu na semana passada, enquanto o texto é de Sócrates, o grande filósofo, que viveu na Grécia entre 470 e 399 a.C.. O que significa uma separação temporal de cerca de dois mil e quinhentos anos.
“ A juventude de hoje não é como a juventude do nosso tempo.” Esta expressão ouvi-a a um grupo de pessoas que, num café do Porto, comentava uma notícia do jornal sobre um gang juvenil e li-a, com pequenas variantes, num texto: “Essa juventude está estragada até ao fundo do coração. Os jovens são malfeitores e preguiçosos. Eles jamais serão como a juventude de antigamente. A juventude de hoje não será capaz de manter a nossa cultura”. Este texto foi descoberto num vaso de argila nas ruínas de Babilónia (no actual Iraque) e terá mais de quatro mil anos de existência.
Provocação? Não, apenas um convite à reflexão. Sabemos que cada cultura tem uma identidade própria que lhe advém da forma como organiza os seus múltiplos traços culturais. Esta configuração específica reflecte-se nos seus padrões culturais de comportamento colectivo pelo qual são aferidos os comportamentos individuais de cada um dos membros dessa comunidade. Apesar destas especificidades, há traços transversais que penetram todas as culturas, em todos os tempos e lugares.
Assim, em todas as culturas há mandamentos e tabus. Podem ser diversas e até contraditórias, mas não há cultura sem obrigações e proibições Também não há cultura sem valores que nos dizem o que é bem e o que é mal, o que é belo e o que é feio. É grande a diversidade desses valores, mas eles existem em todas as culturas. A inovação é outro dos traços universais de cultura. Em todas as culturas há forças de inovação que dão origem às transformações culturais que se vão operando ao longo do tempo, evitando a sua estagnação. E, se o contacto com culturas estranhas é factor externo de inovação, sempre a juventude funcionou como um factor interno de inovação, essencial à evolução cultural. Em contraponto com as forças evolutivas, sempre existem as forças que procuram conservar a identidade cultural, transmitindo-a às gerações futuras. Acentuam o valor da tradição para assegurarem a sua perenidade. Se em todas as culturas há instituições sociais que funcionam como as guardiãs da moral e dos bons costumes e exerce uma acção modeladora junto dos mais jovens, também os mais velhos procuram preservar os seus padrões culturais. O que é educar senão socializar? O que é socializar senão integrar, moldar um indivíduo à imagem dos modelos culturais de uma sociedade? Neste sentido, poderemos afirmar que o conflito entre gerações sempre existiu e funcionou como um factor de equilíbrio, evitando a estagnação e a desintegração cultural: os jovens, como forças de inovação; os velhos procurando manter as tradições. Hoje, porém, a situação é bem mais complexa. Antigamente, havia apenas duas idades: os novos e os velhos. Há tempos atrás, começou-se a falar da 3ª idade e, agora, já se fala da 4ª idade. A pergunta fica: conflito de gerações? Mas que gerações?
Assim como cada pessoa tem uma identidade própria que resulta da integração coerente e funcional de todos os seus traços e, por isso, é una e única, também cada cultura procura integrar as diversas forças que se confrontam no seu interior de modo a criar uma identidade que a faz una e única. Porém, assim como há personalidades desestruturadas porque não construíram aquilo a que um filósofo chamou a “estátua interior” que permanece como ponto de referência nas diversas situações da vida pessoal, também as culturas correm o risco de perderem a sua unidade identificativa. Neste nosso tempo em que o mundo se tornou numa “aldeia global”, o contacto permanente entre as diversas culturas pode criar um “hibridismo cultural” com a perda da identidade de cada cultura. Quando a adaptação cultural exige um ritmo muito acelerado, como agora acontece, cada cultura não tem tempo para integrar, na sua configuração específica, os elementos estranhos, sofrendo uma desorganização onde o elemento estranho funciona como um implante postiço, como um corpo estranho à sua identidade. Mais ainda, como há culturas que tem mais meios ao seu serviço, maior poder de influência, gera-se um fenómeno de colonização cultural que acaba por uniformizar os padrões culturais fazendo com que todos sigam as modas ditadas por esses novos colonizadores. E se a colonização política não é boa, a colonização cultural não é melhor. Esse é o perigo do nosso tempo. Talvez a juventude esteja mais sujeita a essas modas, mas nenhum de nós pode afirmar que lhe é totalmente imune. Tardam a aparecer movimentos libertadores da colonização cultural.
Aos mais novos compete-lhes, como em todos os tempos, serem factores de evolução cultural, exercitando a sua capacidade crítica frente a todos os comportamentos que lhe são impostos. Nós, os mais velhos, mais do que acusarmos os jovens, pois isso pode significar uma fuga ao nosso próprio sentimento de culpa, mais do que recusarmos tudo o que nos vem de fora, devemos continuar a exercer a nossa função de educadores, transmitindo as nossas tradições e procurando integrar no nosso património cultural tudo o que de bom nos trazem os nossos jovens e nos é fornecido pelo contacto com outros povos e gentes. Temos de preservar o nosso património cultural que não se esgota nos nossos monumentos, mas se reflecte no nosso modo de ser, estar e agir e em muitos outros componentes entre os quais devemos destacar a nossa língua que “ sabe a mar”, como dizia Vergílio Ferreira, afirmando, como Pessoa, “ Minha pátria é a língua portuguesa”.
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