O Tanoeiro da Ribeira

segunda-feira, dezembro 01, 2008

FRATERNIDADE LUSO-GALAICA

“Missa do Peregrino”

No sábado passado, o Coro Gregoriano do Porto cantou a “Missa do Peregrino”, em Santiago de Compostela, presidida pelo Deão da Catedral. De novo, a espiritualidade da música gregoriana encheu as abóbadas daquela igreja, construída nos séculos XI/XII, que se tornou centro de peregrinação de toda a cristandade. O misticismo do cântico aliado à riqueza artística da catedral e à dignidade da celebração fizeram dessa Eucaristia um momento de profunda vivência cristã que levou o Deão a elogiar, publicamente, a presença do Coro Gregoriano do Porto e a confessar: ”não poderíamos ter encontrado melhor forma de encerrar o ano litúrgico”. O teólogo galego, Andrès Torres Queiruga, a cujo trabalho e simpatia ficamos a dever esta nossa festa, em dia de aniversário, agradeceu-nos os momentos de emoção que viveu durante a celebração Eucarística. A Igreja estava repleta de Peregrinos, vindos de muitas e variadas partes de Espanha e do estrangeiro, que se deixaram envolver pela beleza desta música que tem o dom de nos transportar para a intimidade do nosso próprio mistério.

A universalidade da Igreja

Dentro da catedral, carregada de simbolismo, muitas foram as reflexões que me assaltaram e as sensações que vivenciei.
Logo, no início, me veio ao pensamento a frase do nosso Bispo Auxiliar, D. João Miranda: “Somos todos membros activos de um Povo que peregrina desde Abraão e vai até à consumação dos séculos
Ajoelhado na nave central, lembrei-me dos milhares e milhares cristãos que, ao longo dos séculos, terão estado ajoelhados nesse mesmo lugar. Recordei minha mãe que, nas noites de verão da minha infância, me mostrava, no céu, a “estrada de Santiago” e me dizia: “por ali passam as almas que vão em peregrinação a Santiago porque quem não for lá em vida terá de ir depois da morte.” Senti-me membro de um povo que peregrina no tempo e fiz-me contemporâneo dos muitos milhões de crentes que, como eu, ali rezaram.

A alma galaico-portuguesa

As minhas reflexões saltaram para um outro campo quando, na homilia, ouvi o Deão da Catedral, presidente da concelebração, realçar a força e a beleza do salmo responsorial, cantado em português; quando o ouvi falar dos traços culturais e afectivos que unem a Galiza e Portugal; quando o ouvi afirmar que, na actualidade, essa ligação foi reforçada com o santuário de Fátima que se tornou um pólo complementar de Santiago porque os estrangeiros que vêm a Santiago depois passam por Fátima e, vice-versa.
A referência à nossa matriz cultural comum, fez-me lembrar o “ Grupo Nós”, um movimento cultural de intelectuais galegos e portugueses, da primeira metade do século passado, de que eram principais paladinos Teixeira de Pascoes, em Portugal, e Castelao, na Galiza. Visava quebrar as barreiras que a política levantou entre portugueses e galegos, reforçando a identidade da alma lusa e da alma galega tão bem expressa nas “Cantigas de Amigo” . Só para relembrar o paralelismo:
Ai flores, ai, flores do verde pino,
Se sabedes novas do meu amigo!
ai, Deus, e u é ?
(D. Dinis)

Ondas do mar de Vigo,
Se vistes meu amigo!
e ai, Deus, se verrá cedo
(Martin Codax)

E veio-me à mente a frase do pensador português Rodrigues Lapa “ Portugal não pára nas margens do Minho: estende-se naturalmente, nos domínios da paisagem, da língua e da cultura, até às costas do Cantábrico. O mesmo se pode dizer da Galiza: que não acaba no Minho, mas se prolonga suavemente, até às margens do Mondego.” a que corresponde o pensamento do galego Castelao “ Não há razões para que portugueses e galegos continuemos a ignoramo-nos ou a olharmo-nos de soslaio como as torres, temporariamente inimigas, de Tui e Valença.(…) Une-nos a língua e também o sentimento da Saudade que tanto nos diferencia dos castelhanos.(…) Ainda que Portugal e Galiza não tivessem outros laços para além do lirismo saudoso, este bastaria para que cessasse o afastamento em que temos vivido.”

Como estas palavras me fazem recordar D. António Ferreira Gomes quando, na Páscoa de 1970, ao receber um grupo de sacerdotes galegos, começou por dizer, com um sorriso no rosto: “Então, vamos lá falar um bocadinho de português arcaico.”
Lembrei-me, também, da “Romaxe” que, sob o lema “O Minho não separa”, o movimento dos “Cristãos Galegos” organizou, há uns anos atrás, no “Caminho de Santiago Português” em Bande, próximo da nossa fronteira do Lindoso, onde se juntaram mais de cinco mil pessoas vindas dos dois lados da fronteira e cuja Eucaristia foi celebrada com o pão de Villalba (Galiza) e o vinho de Ponte da Barca (Portugal). Aí, sentimo-nos verdadeiramente irmãos na Fé e na Cultura.

E evoquei a belíssima canção “Cantar d’Emigração”, que Isabel Silvestre tão bem canta, onde a música do português José Niza reforça a amargura das palavras da poetisa galega Rosalia de Castro, cuja estátua embeleza a Praça da Galiza no Porto, que falam do povo cuja pobreza obrigou os seus homens a partir para o estrangeiro, gerando “longas ausências mortais”; “mães que não têm filhos”; “viúvas de vivos mortos que ninguém consolará”.

Quando vejo, como vi, as filas de carros de matrícula portuguesa a abastecerem-se de gasolina em Tui; quando sei dos muitos jovens portugueses que estudam medicina na Universidade de Santiago; quando ouço falar do comboio de alta velocidade Porto – Vigo, lamento que todas estas aproximações sejam apenas fruto da necessidade ou dos interesses económicos, e não tenham a cimentá-las a consciência clara das nossas raízes comuns.
Apetece-me terminar com o poema:

Vendo-os assim tão pertinho
A Galiza a mail’o Minho
São como dois namorados
Que o rio traz separados
Quase desde o nascimento.

-Deixal’os, pois namorar
Já que os pais para casar
Lhes não dão consentimento.
(João Verde)

E deixo aqui o apelo de Teixeira de Pascoaes: “Portugal saiu dos seios da Galiza. Depoisd, abandonou a mãe e foi por esses mares fora, fugiu como filho pródigo. Mas é chegado o tempo do seu regresso ao lar materno. Temos de voltar a viver espiritualmente em comum. Assim o exige o destino das nossas pátrias, que ainda não está cumprido.