O Tanoeiro da Ribeira

segunda-feira, novembro 17, 2008

CONTRADIÇÕES DO NATAL

O Natal ainda vem longe. O Advento só começa no próximo dia 30. E, já ontem, um milhão e trezentas mil lâmpadas já se acenderam, na “Baixa do Porto”, para assinalar o início da época natalícia e atrair clientes ao comércio tradicional.

As angústias do Natal

Angústias no Natal? Mas o Natal não é tempo de felicidade e de paz?
Comecemos por viajar nos transportes colectivos e ouçamos as conversas que se entrecruzam:
- “Ufff… Já estou farta, mas graças a Deus já fiz todas as compras de Natal !...”
- “Nem me digas, só agora comecei e já não me apetece comprar mais nada.”
- “ Não gosto do Natal só por causa das compras. Não sei o que hei-de comprar.”
- “ Já não sei o que hei-de comprar para os meus netos. Eles já têm tudo! Quando era com os meus filhos, comprava roupa e eles ficavam todos contentes. Agora, os netos dizem que a roupa não é prenda. E a vida não está para brincadeiras.”
- “Os meus filhos, se não lhes compro o que querem, ficam todos zangados.”
- “Olha que, no ano passado, um sobrinho meu, quando viu que o pai não lhe deu a playstation que pedira, amuou, meteu-se no quarto a chorar e estragou o noite a toda a família.”
-“ Deixa lá que não são só as crianças. Há dois anos, a minha nora, só porque o meu filho não lhe deu o casaco que ela queria, resmungou que se fartou e ficou amuada.”

Não generalizemos. Nestes casos, o que antes era a alegria da oferta por prazer transformou-se na angústia da obrigação por cumprir. A felicidade do dar o que se gostava cedeu lugar ao medo da reacção daqueles que vão receber. O júbilo do dar foi substituído pelo aborrecimento do ter que dar. A liberdade cedeu à opressão. O gratuito deu lugar ao obrigatório. A prenda deixou de ser o dom que se agradece para se transformar no direito que se exige.
Entremos, agora, nos grandes centros comerciais, as modernas catedrais do deus-consumo. O que vemos? Gente, muita gente carregada de sacas e mais sacas, embrulhos e mais embrulhos. E no meio de tudo, criancitas, a chorar. E porque choram essas crianças de três ou quatro anos? Não levam prendas? Levam e muitas. Mas os pais cometeram a imprudência de as levar a um lugar onde tudo está feito para as condicionar. Disseram-lhes para escolherem a prenda que queriam…Esqueceram-se que escolher é limitar porque ao optarmos por uma das possibilidades temos de renunciar às restantes. Não se pode educar para a liberdade sem simultaneamente educar para a responsabilidade. E a criança, naquela idade, ainda não é capaz de fazer opções que obrigam a compromissos. O seu querer salta em função da força atractiva dos objectos expostos. Pega num, pega noutro e acaba por querer tudo o que a atrai. E como os pais não podem dar-lhe tudo, ela chora, apesar de ir carregada de prendas e mais prendas. A criança vai infeliz e os pais também. Todos em sofrimento. Parece-me uma violência levar crianças a centros comerciais nesta época de Natal.

As alegrias do Natal

“O anjo disse-lhes: Não temais, eis que vos anuncio uma boa nova que será alegria para todo o povo: hoje vos nasceu na cidade de David um Salvador que é o Cristo Senhor. (…) Glória a Deus no mais alto dos céus e na terra paz aos homens a quem Deus quer bem (Lc 2,10)

Esta é a grande Notícia: um Menino nos foi dado. Um Menino-Deus que nos revela em plenitude um Deus que salva no Amor, um Deus que é Pai. Um Menino que, na pobreza de uma manjedoura, oferece a fraternidade e a paz a todos os homens.
Esta é a grande Alegria do Natal que dá significado a todas as outras alegrias que dela dimanam e nela convergem. Sem esta Alegria, todo o resto perde a dimensão do simbólico. E sem esta, o Natal é mais um dos ritos vazios de significação. Servem apenas fins comerciais. Estes ritos que perderam a razão que os motivou lembram-me as abóboras que, na aldeia, deixávamos para semente: ficavam no campo, muito amarelinhas e bonitas… mas, quando lhe tocávamos com um dedo, desfaziam-se totalmente – estavam ocas, tinham secado por dentro.
As coisas têm um valor por si mesmas, um valor imanente mas, quando se tornam simbólicas, ganham uma transparência que nos transportam para uma realidade que as transcende. Sem o apelo da transcendência, os ritos perdem a sua significação. E as coisas tornam-se simples objectos de um mundo material e opaco. No Natal, a Transcendência fala-nos de um Menino-Deus que veio para salvar e dignificar o Homem. A vivência da Fé permite-nos saborear, em plenitude, as coisas boas do Natal. E são muitas!...
Sem esta “Luz da luz”, os muitos milhares de lâmpadas que iluminam o Porto podem dar beleza à cidade mas não tornam os homens mais irmãos. Sem a ”Estrela de Belém”, as estrelas natalícias que enchem as nossas ruas e casas são meros enfeites que já começam a ser substituídos por outros com maior poder de atracção.

Como eu lembro o Natal da minha infância!...
A “Festa do Menino”, no primeiro dia de Janeiro, era a maior festa da terra. Nela convergiam todas as celebrações do Natal.
A nossa alegria não era receber prendas, mas levar presentes para o Menino Jesus, como fizeram os pastores e os reis magos que nós contemplávamos, embevecidos, no lindo presépio da Igreja. Com que alegria, no dia de Natal, íamos depositar as nossas prendas nesse presépio, mesmo aos pés do Menino, para serem leiloadas na Sua “Festa”!....Até parecia que Ele sorria para nós a agradecer…Com que devoção e carinho O beijávamos no final da Missa!... Mesmo a camisola nova, as calças ou as chancas que os pais, mais ricos, davam aos filhos eram para estrear na “Festa do Menino”. Tudo era feito em honra do Deus-Menino.
Aprendemos que a alegria não estava no receber mas no dar. Não éramos nós o centro do Natal. O centro era o Menino Jesus.