Dezembro na memória do Porto
Neste mês, dois acontecimentos marcaram a história recente do Porto: a morte do Dr. Sá Carneiro, no dia 4, em 1980, e a declaração do Porto como Património da Humanidade, no dia 5, em 1996.
O Dr. Sá Carneiro e a Obra Diocesana de Promoção Social
Francisco Sá Carneiro foi, certamente, o cidadão do Porto de maior relevo na história política portuguesa do século XX. Porém, não vou falar do estadista que, quando morreu, era Primeiro Ministro de Portugal, mas sim do cristão que muito contribuiu para o regresso de D. António Ferreira Gomes do seu longo exílio e que pertenceu à direcção da Obra Diocesana de Promoção Social.
Quando, em 1971, D. António quis nomear uma nova direcção para a Obra Diocesana, incumbiu-me de contactar o Dr. Sá Carneiro e, em seu nome, convidá-lo para presidente da Direcção. Recebeu-me no seu escritório de advogado na Rua da Picaria. Mostrou-se muito honrado com o convite mas não poderia aceitar porque iria apresentar na Assembleia Nacional um projecto sobre o divórcio que provocaria muita polémica junto da hierarquia católica o que poderia colocar D. António numa situação difícil. Após longa conversa, acabou por aceitar ser vogal da Direcção, cargo que desempenhou exemplarmente até ao 25 de Abril de 1974.
Relembro alguns pormenores da nossa convivência na reunião semanal da Direcção.
Quando reuníamos com a Câmara do Porto, com quem as relações, à época, eram algo conflituosas, sempre nos lembrava: “ se a mãe estiver, eu não falo” (a mãe, D. Maria Francisca Lumbrales Sá Carneiro, era vereadora da Assistência Social). De facto, quando esta participava, ele mantinha-se em silêncio do princípio ao fim do encontro. Sempre admirei essa sua preocupação de nunca entrar em conflito com a mãe.
Em 1972, quando o relacionamento da Obra com o Governo passava por momentos difíceis e, preocupados, nos interrogávamos sobre os caminhos a trilhar, o Arquitecto Fernando Távora, muito serenamente, profetizou que, dentro em breve, deixaríamos de ter problemas: “porque quem vai mandar nisto (no Governo) é aqui o Doutor.” (E apontou para o Dr. Sá Carneiro). Ele riu-se, nós rimo-nos.
A profecia cumpriu-se. E, brincando, relembrámo-la poucos meses antes da sua morte, quando, como Primeiro-Ministro, veio inaugurar as novas instalações do Centro Social de S. Roque da Lameira e a Direcção da Obra teve a amabilidade de convidar os antigos companheiros de direcção do Dr. Sá Carneiro.
O Porto - Património da Humanidade
Este título que tanto nos honra e que muito contribuiu para o incremento do turismo na nossa cidade, suscita nos portuenses sentimentos contraditórios como muito bem sintetizou o P. Agostinho Jardim Moreira, Pároco de S. Nicolau, no coração do “Centro Histórico”: “Primeiro congratulo-me porque este espaço belíssimo merece. Por outro lado, fico bastante pesaroso pela pouca atenção que se tem dado à sua requalificação efectiva, apesar de muito discurso político. (…) Não se tem em conta o verdadeiro património, que são as pessoas” (JN, 5/12/08)
Porque sou um homem de esperança e porque acredito que “a luta do Património Mundial é a construção do futuro assente nos alicerces do passado”, como bem afirmou o Presidente da Comissão Nacional da UNESCO, estive presente na sessão de apresentação do “Plano de Gestão do Centro Histórico” que se realizou no dia 5 de Dezembro na Câmara do Porto. O que ouvi agradou-me e, como o apresentador do plano, Arquitecto Rui Losa, é um técnico com provas dadas na recuperação do “Centro Histórico”, quero crer que não se trata de mais “discurso político”. Gostei de o ouvir afirmar que o Centro Histórico será “um espaço humano de excelência”. Na mesma linha de pensamento, o Presidente do Igespar declarou que “o património são as pessoas; há que dar vida ao património” e concluiu: “o Igespar faz parte da solução e não do problema.”
O Presidente da Câmara começou por explicar que a apresentação deste Plano de Gestão é uma forma de, condignamente, assinalar o 12º aniversário da declaração do Porto como Património Mundial e terminou afirmando que o “Centro Histórico” é a jóia da “Baixa do Porto” e o objectivo da Câmara é valorizar e dar utilidade aquilo que a cidade tem de melhor”.
Como eu gostaria que a visão humanista do património hoje apresentada fosse partilhada e assumida por todos os técnicos e políticos que têm a seu cargo a ingente tarefa de recuperação/humanização do “Centro Histórico”!...
Fernando Távora: o arquitecto humanista Fiquei feliz quando Rui Losa prestou homenagem ao Arquitecto Távora, já falecido, pelo exemplar contributo na recuperação do Porto. Este arquitecto, professor da Faculdade de Arquitectura do Porto a quem “ se deve grande parte das transformações que levaram a escola a ser uma das mais importantes do país, onde se formaram, por exemplo, Siza Vieira e Souto Moura” (Público – 18/10/06), não esgotou a sua actividade como arquitecto, professor, homem de cultura. O seu humanismo transbordou pelas comunidades mais pobres do Barredo e dos Bairros Sociais. Era um homem de bem, de um humor desconcertante, de um humanismo encantador. Realizou a síntese destes dois acontecimentos que evoquei: foi amigo e companheiro de Sá Carneiro na Direcção da ODPS e ocupou lugar destacado na recuperação do Barredo. A minha homenagem.
O Dr. Sá Carneiro e a Obra Diocesana de Promoção Social
Francisco Sá Carneiro foi, certamente, o cidadão do Porto de maior relevo na história política portuguesa do século XX. Porém, não vou falar do estadista que, quando morreu, era Primeiro Ministro de Portugal, mas sim do cristão que muito contribuiu para o regresso de D. António Ferreira Gomes do seu longo exílio e que pertenceu à direcção da Obra Diocesana de Promoção Social.
Quando, em 1971, D. António quis nomear uma nova direcção para a Obra Diocesana, incumbiu-me de contactar o Dr. Sá Carneiro e, em seu nome, convidá-lo para presidente da Direcção. Recebeu-me no seu escritório de advogado na Rua da Picaria. Mostrou-se muito honrado com o convite mas não poderia aceitar porque iria apresentar na Assembleia Nacional um projecto sobre o divórcio que provocaria muita polémica junto da hierarquia católica o que poderia colocar D. António numa situação difícil. Após longa conversa, acabou por aceitar ser vogal da Direcção, cargo que desempenhou exemplarmente até ao 25 de Abril de 1974.
Relembro alguns pormenores da nossa convivência na reunião semanal da Direcção.
Quando reuníamos com a Câmara do Porto, com quem as relações, à época, eram algo conflituosas, sempre nos lembrava: “ se a mãe estiver, eu não falo” (a mãe, D. Maria Francisca Lumbrales Sá Carneiro, era vereadora da Assistência Social). De facto, quando esta participava, ele mantinha-se em silêncio do princípio ao fim do encontro. Sempre admirei essa sua preocupação de nunca entrar em conflito com a mãe.
Em 1972, quando o relacionamento da Obra com o Governo passava por momentos difíceis e, preocupados, nos interrogávamos sobre os caminhos a trilhar, o Arquitecto Fernando Távora, muito serenamente, profetizou que, dentro em breve, deixaríamos de ter problemas: “porque quem vai mandar nisto (no Governo) é aqui o Doutor.” (E apontou para o Dr. Sá Carneiro). Ele riu-se, nós rimo-nos.
A profecia cumpriu-se. E, brincando, relembrámo-la poucos meses antes da sua morte, quando, como Primeiro-Ministro, veio inaugurar as novas instalações do Centro Social de S. Roque da Lameira e a Direcção da Obra teve a amabilidade de convidar os antigos companheiros de direcção do Dr. Sá Carneiro.
O Porto - Património da Humanidade
Este título que tanto nos honra e que muito contribuiu para o incremento do turismo na nossa cidade, suscita nos portuenses sentimentos contraditórios como muito bem sintetizou o P. Agostinho Jardim Moreira, Pároco de S. Nicolau, no coração do “Centro Histórico”: “Primeiro congratulo-me porque este espaço belíssimo merece. Por outro lado, fico bastante pesaroso pela pouca atenção que se tem dado à sua requalificação efectiva, apesar de muito discurso político. (…) Não se tem em conta o verdadeiro património, que são as pessoas” (JN, 5/12/08)
Porque sou um homem de esperança e porque acredito que “a luta do Património Mundial é a construção do futuro assente nos alicerces do passado”, como bem afirmou o Presidente da Comissão Nacional da UNESCO, estive presente na sessão de apresentação do “Plano de Gestão do Centro Histórico” que se realizou no dia 5 de Dezembro na Câmara do Porto. O que ouvi agradou-me e, como o apresentador do plano, Arquitecto Rui Losa, é um técnico com provas dadas na recuperação do “Centro Histórico”, quero crer que não se trata de mais “discurso político”. Gostei de o ouvir afirmar que o Centro Histórico será “um espaço humano de excelência”. Na mesma linha de pensamento, o Presidente do Igespar declarou que “o património são as pessoas; há que dar vida ao património” e concluiu: “o Igespar faz parte da solução e não do problema.”
O Presidente da Câmara começou por explicar que a apresentação deste Plano de Gestão é uma forma de, condignamente, assinalar o 12º aniversário da declaração do Porto como Património Mundial e terminou afirmando que o “Centro Histórico” é a jóia da “Baixa do Porto” e o objectivo da Câmara é valorizar e dar utilidade aquilo que a cidade tem de melhor”.
Como eu gostaria que a visão humanista do património hoje apresentada fosse partilhada e assumida por todos os técnicos e políticos que têm a seu cargo a ingente tarefa de recuperação/humanização do “Centro Histórico”!...
Fernando Távora: o arquitecto humanista Fiquei feliz quando Rui Losa prestou homenagem ao Arquitecto Távora, já falecido, pelo exemplar contributo na recuperação do Porto. Este arquitecto, professor da Faculdade de Arquitectura do Porto a quem “ se deve grande parte das transformações que levaram a escola a ser uma das mais importantes do país, onde se formaram, por exemplo, Siza Vieira e Souto Moura” (Público – 18/10/06), não esgotou a sua actividade como arquitecto, professor, homem de cultura. O seu humanismo transbordou pelas comunidades mais pobres do Barredo e dos Bairros Sociais. Era um homem de bem, de um humor desconcertante, de um humanismo encantador. Realizou a síntese destes dois acontecimentos que evoquei: foi amigo e companheiro de Sá Carneiro na Direcção da ODPS e ocupou lugar destacado na recuperação do Barredo. A minha homenagem.
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