O Tanoeiro da Ribeira

quarta-feira, novembro 28, 2018

COERÊNCIA DA VIDA



Em 10 de outubro, a VP publicou um texto do P. João Pedro Bizarro, presbítero do Porto a estudar em Roma. Falava do encontro do “Santo Padre e dos Padres Sinodais” com os jovens. Depois de transcrever palavras do Papa, com relevo para a “coerência da vida”, diz: “Ao escutar estas palavras, de imediato veio-me à mente a questão dos trajes eclesiásticos. Na nossa Diocese, e por todo o país está voltar a moda do traje eclesiástico e o gosto pelas «rendas» ”. Questiona se é “sinal de serviço” ou de “distanciamento”. E faz votos “para que seja verdadeiro serviço, pois não é a roupa que enforma o coração, mas pode ser um sinal do que nos vai no coração”.

Na “Semana dos Seminários”, reli um texto da revista “Ensaios” dos alunos do Seminário Maior do Porto (in Manuel Álvaro de Madureira – in memoriam). Diz:

“Intacto o núcleo dogmático, são pois, de admitir múltiplas variações. Nem tudo é dogma.(…) Não falo de abusos de âmbito restrito. (…) Entre as tendências bastantes comuns, há o literalismo, o fanatismo e o sacralismo. O literalismo leva à interpretação grosseira da doutrina. O arcaísmo pretende transformar os seres vivos em fósseis.

Quando perguntaram a S. Vicente de Paulo qual o hábito que deviam usar as irmãs de Caridade, respondeu que – porquanto geralmente eram filhas do povo, sobretudo bretãs – usassem o das mulheres do povo, nomeadamente da Bretanha. Queria claramente dizer que vestissem como as outras mulheres. Mas entenderam que não. E, assim, não só na Bretanha, como no resto da França e fora dela, aí andam as boas irmãs, passados séculos, com aqueles chapéus ou toucas extravagantes a chamar a atenção dos transeuntes para um pormenor «folclórico», absolutamente descabido e alheio ao espírito desse inesquecível Fundador.

Os hábitos talares, eclesiásticos ou religiosos, são sobrevivências fósseis de séculos recuados, algumas tão antigas que derivam do mundo judaico ou greco-romano. Que pensou Jesus do vestuário? Como vestiu? Não seguiu os costumes dos homens do seu tempo? Não fizeram o mesmo os apóstolos?

O literalismo, o arcaísmo e a tendência sacralizante operaram esta evolução. Inicialmente, letra e significação; seguidamente, letra sem significação; mais tarde, o passado pelo passado; finalmente, sacralização desse passado.”

Este texto foi escrito, em 1964, pelo Dr. Madureira, então presidente do Conselho dos Professores de Teologia, e mais tarde, primeiro diretor da Voz Portucalense.

No dia 31 de outubro passado, D. António Augusto Azevedo disse: “Os seminários deverão formar padres que sejam discípulos missionários enamorados do Mestre que vivam no meio do mundo na simplicidade, na sobriedade e na autenticidade” (VP, 7/11/2018).

Recordo aquela pequenina que, quando, da sua janela, via o sacerdote, seu vizinho, a passar, chamava: - Ó Jesus da Igreja!

(28/11/2018)

quarta-feira, novembro 21, 2018

À MÃE NUNCA ESQUECIDA!



Em outubro, no Seminário das Missões, conheci o livro “D. António Barroso – o «Santo» Bispo Missionário”, do P. Januário dos Santos, onde encontrei o testemunho do nosso Padre Américo que, agora, partilho convosco.

“…O Senhor D. António Barroso foi o homem do seu tempo. Encheu a História. Coisas pequeninas tornaram-no um gigante.

… De uma vez, também em Barcelos, a Câmara de então quis prestar-lhe as honras de haver sido transferido do Ultramar e feito Bispo do Porto, tendo-o detido numa sessão magna, antes de ir a Remelhe ver a Mãe. Começam os oradores. Nisto, o festejado olha. Pareceu-lhe ver, ao fundo, alguém conhecido… Torna a olhar. Não há dúvida. Era ela! (sua Mãe). Levanta-se. Abre caminho. Há o encontro. Toma-a consigo. Regressa ao estrado. Fá-la sentar na sua própria cadeira. Acabou a sessão. Estava tudo dito!

… Não sei se algum Bispo da História de Moçambique tenha ido ao Zumbo antes dele. Era uma jornada de 15 dias por carreiros gentílicos. Ele foi. Ao passar por Tete, já de noite, bateu à porta do Anacleto Martins, velho colono. A família estava à mesa quando o anunciaram: “Entre que ainda há duas argolas.” E entraram. O Prelado tomou uma das argolas e jantou familiarmente.

… Só ele mereceu ocupar e preocupar os homens do Terreiro do Paço naquele tempo. Duro, tenaz. Rebelde. Uma só cara. Não torceu nem quebrou! Só ele!

Porém a sua grande loucura está no amor aos pobres. Desmandos. Imprudências. Coisas mal feitas – tudo. Um cordão que a Mãe lhe dera gastava-se aos bocadinhos, quando não havia dinheiro. Os grandes escondem-se!

E é justamente agora que temos o verdadeiro acontecimento. Por tudo, mas principalmente por causa desta sua devoção, é que a diocese do Porto, Bispo á frente, resolveu consagrar à sua memória o núcleo das vinte e oito casas de Miragaia, para que de futuro se chamem e sejam efectivamente Bairro D. António Barroso”.

Amigo leitor, certamente estará de acordo que este testemunho encerra, com chave de ouro, a série de textos comemorativa do 164º aniversário do nascimento de D. António Barroso. Não só porque é um “santo” a falar doutro “santo”, mas, especialmente, porque realça o seu amor pela Mãe. “Estava tudo dito!”

Um meu amigo, quando convidado para festa de aniversário, sempre leva uma flor para a mãe do/a aniversariante porque, diz, quando um filho faz anos quem merece parabéns é a mãe.

Lembro o poema “Às Mães”, de Guilherme Braga, que D. António Ferreira Gomes gostava de citar: “Quem sabe o nome vosso, ó mães de Tasso e Dante?”. E a expressão de D. Manuel Clemente que dá título a este texto.

A minha homenagem a José António de Sousa Júnior e Eufrásia Rosa Barroso pelo nascimento do seu primogénito, António José, em 5 de novembro de 1854. Um bem-haja para os pais. E para as mães, a flor da nossa gratidão. (1/11/2018)

 

 

quarta-feira, novembro 14, 2018

VOX POPULI, VOX DEI


Hoje, vamos conhecer melhor D. António Barroso, com testemunhos de seus contemporâneos.

- Missionário em Angola, recebeu do Rei “o maior aplauso e louvor por atos que tanto ilustram o seu carácter de português e que tanto o recomendam ao reconhecimento nacional”.

- O Comissário Régio em Moçambique escreveu: “Fundavam-se novas paróquias, criavam-se missões. O Prelado embrenhava-se nos sertões para reconhecer as necessidades da diocese, as suas virtudes austeras sem intolerância inspiravam respeito e simpatias”.

 - Afonso Costa, no próprio decreto que o condenou ao exílio, reconhecia: “D. António Barroso prestou outrora relevantes serviços à Pátria e é dotado de incontestáveis virtudes pessoais que o impõem como homem ao respeito dos seus conterrâneos”. E atribuiu-lhe uma pensão que ele se recusou receber.

- Um dos padres ordenados em Remelhe escreveu: “Era a uma ermida de encosta, pequenina e baixa a que descia connosco o envelhecido Bispo apoiado numa cana-da-índia, cana verde duma soberania vergada pelas violências do Poder, mas reflorida em rústico báculo de Pastor perseguido.”

- D. António Barbosa Leão, seu sucessor no Porto, confessou que “em sua casa faltaria talvez na mesa até o necessário; o seu vestuário muitas vezes denunciava pobreza, mas para os pobres havia sempre: esmolas e palavras amigas”.

- Para o escritor Raul Brandão, “o Bispo é uma grande figura de bondade. Dá tudo o que tem”.

- Em 1914, regressou discretamente de Remelhe. Mas o povo, mal soube, fez romaria à volta do palacete de Sacais, para onde foi viver. “A Ordem” falava num “espectáculo deslumbrante e verdadeiramente esmagador”, A revista “Lusitânia” dizia: “Ei-lo que volta! Traz do exílio mais brancos os cabelos. Há todavia na sua face o mesmo sorriso afável e bom que atrai os corações e na luz dos seus olhos vibra ainda a centelha fina do brilhantíssimo espírito que o tom firme da voz revela”

- Quando morreu, a imprensa lamentava a morte do «Bispo dos pobres». “A caridade exerceu-a tão largamente, como o seu coração lho pedia.” (O Primeiro de Janeiro); “O paço episcopal do Porto passou a ser o doce refúgio de quantos desventurados se acolhiam sob a protecção de D. António Barroso.” (O Comércio do Porto). “Figura primacial da Igreja e do Episcopado, era para todos os portugueses uma das mais lídimas e gloriosas figuras da nossa terra, do nosso Portugal” (A Voz Pública)

-“ A Condessa de Vila Flor escreveu: “A sua algibeira estava permanentemente vazia, porque pertencia a todos que precisavam. Para fazer caridade era pródigo. Na Câmara dos Pares, a sua voz iria sempre que fosse necessário defender os altos interesses da Religião e da Pátria”. (in Boletim Venerável D. António Barroso, Nº 23)

- “O Senhor Bispo era um santo que sofreu como Nosso Senhor”, dizia-me minha mãe.

(14/11/2018)

 

 

 

quarta-feira, novembro 07, 2018

PALAVRAS E GESTOS



Em 22 de setembro, a Associação Católica do Porto promoveu uma romagem à terra de D. António Barroso que terminou no “Paço Episcopal do Exílio”. Fomos, gentilmente, recebidos pelo atual proprietário, também chamado António Barroso, que se tem esmerado em manter viva a memória do seu tio-avô.

No 164º aniversário do seu nascimento (5/11/1854), convido-vos a conhecer esta figura ímpar da nossa história, nas suas palavras e gestos.

- Em 1888, ainda missionário em Angola, veio a Lisboa e proferiu, na Sociedade de Geografia e repetiu no Ateneu Comercial do Porto, uma conferência sobre o Congo onde afirmou que o missionário africano devia levar “numa das mãos o crucifixo e noutra a enxada, símbolo do trabalho abençoado por Deus. Deve ser padre e artista, pai e mestre, doutor e homem da terra”. E denunciou o colonizador sem moral “que estrangulava os laços que prendiam o filho ao pai e a mãe à filha, o despovoador da região, o destruidor de todos os afetos, o homem sem coração, que ganhava punhados de ouro, vendendo aquele que a religião dizia ser irmão”. Deu brado. “Sem papas na língua”.

- Numa pomposa receção na Câmara de Barcelos, ao entrar, viu Dona Adelaide Limpo. Logo se aproximou dela e disse: “Então Vª Excia, que tantas vezes me matou a fome, ajoelhada diante de mim?!. Deixe-me antes dar-lhe um abraço”.

- A propósito do Colégio Português em Roma que ajudou a fundar, escreveu: “Porque nada tenho mais a peito que esta obra providencial, nem qualquer outra coisa vejo maiores esperanças de regeneração e de salvação para esta nação…

- Na sua carta de apresentação à diocese do Porto, afirmou: “O Paço do vosso bispo há-de ser o refúgio dos vossos males. Cada habitante da nossa diocese terá em nós não só o pastor mandado pela Igreja mas um amigo sincero, leal e dedicado”

- Já Bispo do Porto, disse que a ignorância religiosa é um “encarniçado inimigo da Igreja e de Deus: inimigo que é preciso vencer e aniquilar”. Para isso, recomendou que os sermões não fossem “ocos de doutrina” e que os pregadores “não devem pregar a si próprios, mas a Jesus Cristo crucificado.”

 - No plano social, defendeu o trabalho como “nobre meio de se ganhar o sustento de cada dia”. Lembrou aos patrões que “brada ao céu o pecado de se não pagar a quem trabalha o jornal merecido e justo”. Reconheceu a importância dos sindicatos e afirmou que a «questão social» só se resolverá “pelo princípio da solidariedade humana e da fraternidade cristã”. Durante a 1ª Guerra Mundial, clamou contra a “exploração monstruosa, sem entranhas nem pudor”.

- Em hora de perseguição, confessou: “Há duas coisas de que não morrerei: de parto ou de medo”.

. No testamento, sintetizou: “Nasci pobre, rico não vivi e pobre quero morrer.”

Bondade do coração; largueza de espírito; coragem no agir; santidade na vida…

(7/11/2018)