O Tanoeiro da Ribeira

quarta-feira, junho 27, 2018

SÃO PAULO PASSOU POR AQUI

 

“Enviados (Barnabé e Saulo) assim pelo Espírito Santo, navegaram para a ilha de Chipre. Chegados a Salamina, pregaram a palavra de Deus nas sinagogas dos judeus. Tinham com eles João (Marcos, primo de Barnabé) para os auxiliar. Percorreram toda a ilha até Pafos” (At. 13,4).

Em vésperas da sua festa que “o S.Pedro” ofusca, impressões duma viagem.

Em Pafos, perto de Ayia Kuriaki, a igreja em que Bento XVI celebrou em 2010, conserva-se a “Coluna do Apóstolo Paulo” onde esteve amarrado enquanto o chicoteavam. A avenida “Apóstolo Paulo”“ no porto antigo, recorda o embarque de “Paulo e seus companheiros para Perge, na Panfília” (At. 13,13)

Perto de Salamina, encontrei o Mosteiro de São Barnabé, “fundador de igreja cristã em Chipre”, da tribo de Levi, que nasceu e morreu em Salamina. Na cripta duma capela próxima, venera-se o seu túmulo. Na igreja, sobressaem dois frescos que representam a revelação do local onde se encontrava perdido o Evangelho de S. Marcos. A Igreja cipriota apoia em S. Barnabé a sua apostolicidade que lhe valeu o reconhecimento de independência no Concílio de Éfeso, (431). Ainda hoje Chipre é uma Igreja autocéfala, um Patriarcado Ortodoxo independente.

Surpreende-nos a grande devoção a S. Lázaro que, “ mesmo não tendo nascido em Lárnaca, foi o primeiro bispo local entre os anos de 45 e 63, onde morreu - pela segunda e definitiva vez”. A catedral é-lhe dedicada e sua festa no Domingo de Ramos faz parar toda a cidade.

O desdobrável do Museu Arqueológico de Nicósia esclarece “ Nenhum país do mundo, com uma superfície tão pequeno como Chipre, se pode orgulhar de ter um passado tão antigo e uma civilização de uma diversidade e duma riqueza tão grande. Em razão da sua situação geográfica no coração do Mediterrâneo oriental, no cruzamento das civilizações do mar Egeu e do Próximo Oriente, da Ásia Menor e do Egito, Chipre tornou-se um recetáculo de influências exteriores desde o dealbar da história, desenvolvendo a sua matriz cultural que conserva de modo persistente através dos séculos”.

Na impossibilidade de referir o seu riquíssimo património geológico, paisagístico, histórico e monumental, quero realçar a beleza dos frescos bizantinos de que destaco as igrejas de S. Barnabé e S. Hilário, de cinco cúpulas, do século X; de Panagia Asinou, com um “maravilhoso tesouro de 100 frescos murais pintados entre os séculos XII e XVI; de Panagia Araka, do século XII. Como a anterior, também dedicada a Maria - a “Toda Santa”(Pan+agia) -  é Património da Humanidade.

E que dizer da igreja do século IX, também de cinco cúpulas, em Yeroskipos, perto de Pafos? E da catedral gótica de Santa Sofia em Nicósia, convertida em mesquita?

Foi um encontro privilegiado com as nossas raízes greco~romanas e judaico-cristãs.

(27/6/2018)

quarta-feira, junho 20, 2018

LEGALIDADE E LEGITIMIDADE

 


Eutanásia e Cuidados Paliativos
Não deixa de ser imoral que um administrador bancário receba uma pensão de 167 mil euros mensais, só porque o Tribunal da Relação lhe reconheceu esse direito. E a Igreja não pode calar-se. O aborto não se legitimou quando passou a ser permitido em Portugal. Assim também a eutanásia não se tornaria lícita só por ser legalizada. Legalidade e legitimidade não se identificam nem se confundem.

Ética e Direito, embora conexos, situam-se em patamares diferentes. A ética indica preceitos ideais que visam promover o bem e determinam as condutas legítimas. Indicia o que, em consciência, se deve ou não fazer. Está conectada com legitimidade, licitude, dignidade. Por sua vez, o direito positivo estabelece normas jurídicas, leis, que regulam a convivência social. Diz o que se pode ou não fazer numa sociedade. Está conectado com legalidade.

A Igreja – “Ide e ensinai.(Mt 28,19)” – porque atua no plano ético, diz: “O direito à vida é indisponível. Não pode justificar-se a morte de uma pessoa com o consentimento desta. O homicídio não deixa de ser homicídio por ser consentido pela vítima”. E acrescenta: “A dignidade de uma pessoa não se mede pela sua utilidade para a sociedade, nem diminui com o sofrimento ou a proximidade da morte. A vida não pode ser concebida como um objeto de uso privado. Não está de forma incondicional à disposição do seu proprietário”. A liberdade individual não é um valor absoluto. A vida, sim. Daí a «abolição da pena de morte». Portugal foi o primeiro a decretá-la em 1867.

O Estado age no plano do direito que deve concretizar os princípios de ordem ética que o legitimam. Não é por acaso que o artigo 24 da Constituição de 1976 afirma sem subterfúgios: “A vida humana é inviolável”. Os deputados constituintes tinham ainda na sua memória próxima os campos de concentração nazis e os gulagues soviéticos, bem como o Tarrafal – “O campo da morte lenta” - onde alguns tinham penado. Temiam fissuras no dique da vida. Sabiam que as brechas uma vez abertas…

Mas viver humanamente é viver e morrer com dignidade. Daí a exigência dos cuidados paliativos que a Igreja defende. E o que faz o Poder Político? ”Entre 69 a 82% dos doentes que morrem no nosso país necessitam de cuidados paliativos. Mas mais de 80% não os têm porque as respostas são insuficientes. E mais de 70 mil doentes continuam sem acesso a esses cuidados” (JN, 22/5/2018). É indigno e injusto. A Igreja, por exigência da sua missão profética, tem de o denunciar.

Não quero terminar sem manifestar o meu reconhecimento aos profissionais dos Cuidados Paliativos do IPO do Porto onde nosso filho José, apesar da violência do sarcoma de Ewing que, aos 29 anos, o vitimou, viveu, sereno e sem sofrimento, a sua fase final. Deus o tenha na Sua glória. (20/6/2018)

quarta-feira, junho 13, 2018

"HOMEM INTEIRO"


Amigo,

“Em Lágrimas…” foi o título que me surgiu, na tarde da tua “passagem”. E logo, em turbilhão, me assaltaram emoções, memórias, e outros títulos como “Homem de uma só face”, “Espírito sem teias nem peias”. No dia seguinte, a página Eternamente Rui Osório do “teu” Jornal de Notícias deu-me o título final. Sempre foste “Homem Inteiro”. Posso afirmá-lo sem receio porque te conheço há 65 anos. A amizade, porém, fortaleceu-se no ano letivo 1959/60, quando íamos ao Centro de Produção da Renascença, gravar o programa radiofónico “ Horizontes Pastorais”, da responsabilidade dos alunos do Seminário da Sé. Inicialmente, na rua da Alegria, depois em Sá da Bandeira. Nos testes de microfone, foste o selecionado para ler os textos. Já então eras a nossa voz.

Quando, em 1964, foste nomeado para coadjutor, eu já vivia em Campanhã onde os jovens, de então, ainda hoje te recordam com saudade. Quantas conversas tivemos com troca de expetativas e experiências e comentários dos documentos conciliares que iam saindo…Os anos passaram e tu não esqueceste. Ainda, em 27 de agosto passado, o recordavas na recensão que, no JN, fizeste ao livro No Princípio foi assim: “F. era um jovem padre quando lhe foi confiada, em 1964, a missão de criar uma paróquia num dos bairros mais emblemáticos da Invicta – o Cerco do Porto. Aí, com as orientações teológicas e pastorais do Concílio Vaticano II, nasceu a paróquia de Nossa Senhora do Calvário”. 

Numa dessas conversas, confessaste-me que andavas a estudar espanhol. Perante o meu espanto, esclareceste: -“ D. Florentino quer que eu vá estudar jornalismo para Pamplona e, para isso, tenho de fazer um exame de língua espanhola.

A partir daí, levantaste voo. Mas esses voos não te afastaram dos amigos. Como ficaste feliz quando, em 1997, o Coro Gregoriano do Porto, formado por antigos colegas teus do seminário, começou a cantar a Eucaristia que celebravas na igreja da Trindade! Arranjavas sempre tempo para uma conversa, no final. Como nos sabia bem!...

Não foi por acaso que o Coro, em 2011 – já tu eras o pároco - gravou o seu último CD, na igreja de S. João da Foz. Com que alegria nos acolheste!

E por falar na Foz, não posso esquecer o que, em 1995 - acabavas de ser nomeado seu pároco - me disseste, na rua de Santa Catarina: - “Como sabes, sempre disse que gostaria de ser pároco”. Lembro ainda as tuas palavras, ao iniciar a visita do grupo Boa Memória à igreja que tanto admiravas: - “Um apaixonado é sempre um exagerado. E eu sou um apaixonado…”

É com muito carinho que guardamos o teu livro “Foz do Douro de 1216 a 2016 – 800 anos da paróquia de S. João da Foz”. Lembramos o sorriso do teu rosto na sua apresentação e agradecemos a ternura da tua dedicatória.

Ainda no dia 3 de maio me dizias: “Estou a melhorar”… Saudade…

(13/6/2018)

 

quarta-feira, junho 06, 2018

INTELIGÊNCIA ESPIRITUAL E O SILÊNCIO


 

No suplemento “dinheiro vivo” (JN, 28/4/2018), surpreendeu-me o título: “Dez gestores revelam como um retiro ajuda a decidir melhor. Todos praticam, de formas diferentes, o estar em silêncio”.

E a autora, Elisabete Tavares, continua: “Nos negócios, a inteligência espiritual tornou-se um requisito, num mundo em que a inteligência artificial ganha espaço”.

Esta afirmação está em linha com o que escreveu a filósofa americana Dana Zohar: "A inteligência espiritual coletiva é baixa na sociedade moderna. Vivemos numa cultura espiritualmente estúpida, mas podemos agir para elevar nosso quociente espiritual".

Esta referência à “inteligência espiritual” fez-me recordar o que já escrevi (VP, 10/10/2016): O Dr. Albino Moreira possuía aquela “inteligência espiritual”, fonte de liberdade e consciência crítica, de que falava Santa Edith Stein”. Esta filósofa, bem como Annah Arendt, já havia abordado este terceiro tipo de inteligência. No entanto, foi Dana Zohar que o reavivou nos nossos dias.

O primeiro tipo, a “inteligência intelectual” (QI) está na base do pensamento racional e lógico. O segundo, a “inteligência emocional” (QE) realiza o pensamento associativo, reconhecedor de padrões emotivos. A descoberta do QE veio demonstrar que o QI, tido, até então, como medida única da inteligência, não era suficiente. Não basta ser-se um génio se não se souber lidar com as emoções.

Mais recentemente, está a ser valorizada a “inteligência espiritual” (QS) que alarga os horizontes das pessoas, ajuda-as a lidar com o cerne das questões, torna-as mais criativas e com necessidade de dar significado à vida.

Dana Zohar baseia-se em pesquisas de cientistas de várias partes do mundo que descobriram, no cérebro, o chamado "Ponto de Deus", uma área que seria responsável pelas experiências espirituais das pessoas. Segundo ela, as pessoas com bom QS praticam e estimulam o autoconhecimento profundo; orientam-se por valores, regem-se por ideais; têm capacidade de encarar e utilizar a adversidade; têm uma visão holística do real; celebram a diversidade; têm independência; perguntam-se sempre "por quê?"; possuem a capacidade de colocar as coisas num contexto mais amplo bem como o dom da espontaneidade e da compaixão.

Deixo-vos com dois testemunhos do supramencionado suplemento: “Acabo de concluir dez dias de meditação em silêncio”; “Não tenham medo de ouvir o que vos diz o coração”.

Silêncio… meditação… ouvir o coração…

Não é por acaso que se multiplicam os “Encontros de Silêncio” como o que, no verão passado, presenciei no Mosteiro de Sobrado dos Monxes, na Galiza. Não será para respirar silêncio que muitos percorrem o Caminho de Santiago? Na sua maioria, vão em grupos mas caminham separados e nunca vi nenhum com fones de ouvido nem ao telemóvel…(6/6/2018)