O Tanoeiro da Ribeira

quarta-feira, dezembro 19, 2018

SANTO NA MILÍCIA



O segundo livro que me acompanhou na romagem a Cernache do Bonjardim foi “O Concreto da Paz Só com Justiça”, de Januário Torgal Ferreira, que nos oferece um capítulo com reflexões “Para a interpretação de um combatente, D. Nuno Álvares Pereira”.

Na quinta do Seminário das Missões, ergue-se um pequeno monumento com a imagem do «Santo Condestável» e a inscrição “Local em que existiram os Paços do Bomjardim - Solar da Família de Nuno Álvares Pereira que aqui nasceu em 24 de Junho de 1360”.

O capítulo supramencionado abre com interrogações deixadas por D. António. “Mas que significado único representou para Portugal o grande D. Nuno Álvares Pereira? Foi só Aljubarrota? Foram os desígnios práticos, sempre repetidos, que o inspiraram? Não havia um projeto reformista, uma superior escala de valores, um desígnio nacional em ordem a libertar-nos de limites e protocolos de interesses e conveniências? Não havia nada de superior na defesa da Pátria e na distribuição respeitadora de poderes, enquanto serviço igual, fraterno e ético, do ponto de vista político?”

Após breves considerações, o autor afirma: “A cultura de cidadania e os critérios cristãos brilharam em condições laicas, onde a defesa da independência representou a luta pela liberdade e dignidade de seus iguais, e não a revelação da Pátria com absoluto de propriedade privada, e onde a distribuição dos bens pessoais aos «companheiros de armas» teve o significado da promoção de gente anónima, em contraponto com a fidalguia e os burgueses cúmplices com Castela… E evidentes foram a ética e o direito, enquanto valores com peso bem mais decisivo que a estratégia das armas.”

E, em síntese, conclui… “ O seu génio não foi apenas guerreiro e a sua santidade não foi exclusivamente monástica, sem esquecer a sombra a que foi votado o homem da cultura política, onde os imperativos da ética social apontaram caminhos da história e da identidade portuguesa.”

Depois de afirmar que “ser santo é o mais normal: o seu primeiro «altar» é a condição de habitante do mundo, dele sendo protagonista enquanto construtor de uma história muitíssimo mais justa e solidária”, D. Januário qualifica São Nuno de Santa Maria como “Santo na milícia” e “ Profeta da mudança ético-política”.

E termina com uma pergunta: -“Um santo em conflitos bélicos e em escaramuças políticas?” A que logo responde: “Os santos descem aos infernos de toda a ordem na habitualidade existencial da desordem. Por isso o são, ou seja, santos!”

Na Exortação Apostólica “Alegrai-vos e Exultai” o Papa Francisco diz: “Todos somos chamados a ser santos, vivendo com amor e oferecendo o próprio testemunho nas ocupações de cada dia, onde cada um se encontra”.

Como escreveu Tolentino de Mendonça: “A flor do mundo é a santidade.

Um Santo Natal para todos!

( 19/12/218)

 

quarta-feira, dezembro 12, 2018

ABUSO DO PODER



“O Estado atual é especialista em inverter a ordem das coisas: ele, que é subsidiário da sociedade, está a fazer desta a auxiliar – tolerada, para já – dos seus tentáculos.” (VP, 28/11/2018)

O Estado goza do poder soberano. Não recebe ordens de nenhum poder externo e, a nível interno, está acima das instituições que enquadra no seu ordenamento jurídico. Mas se a soberania implica o respeito pelos outros Estados, também exige que suas leis respeitem a identidade e o carisma das instituições. Quando os Órgãos de Soberania e seus funcionários se julgam senhores absolutos, o poder, embora democrático na origem, torna-se totalitário no exercício. Daí, o abuso do poder. Um exemplo…

No dia em que foi publicada a denúncia que abre esta crónica, ouvi o relato angustiado dum amigo, de Santa Maria de Avioso. Dizia:

“ A minha irmã, de 58 anos de idade, padece, desde há longos anos, de perturbações mentais que não justificam internamento psiquiátrico. Porém, dada a dificuldade em conviver de forma conveniente, tornou-se necessário integrá-la em atividades ocupacionais adaptadas, o que foi tentado ao longo de muitos anos sem que, nos vários estabelecimentos que frequentou, obtivesse uma estabilidade satisfatória. Há cerca de nove anos, passou a viver na instituição de Beire ao tempo ainda sob a responsabilidade do Padre Baptista. As suas melhoras foram evidentes. A integração fez-se de modo tão satisfatório que, a partir de certa altura, participava mesmo nos trabalhos habitualmente desempenhados pelo pessoal da instituição. Não era, de forma alguma, uma imposição, mas, com compreensão e ajuda, tornou-se uma atividade natural.

No dia 5 de novembro, fui com ela almoçar a Penafiel e o seu comportamento revelou-se como estando a passar por uma das suas melhores fases.

Dois dias depois, sem qualquer aviso, foi retirada da casa do Calvário por imposição da Segurança Social. No dia seguinte, 8 de novembro, desloquei-me a Beire onde soube da transferência dos utentes, com manifesta falta dos mais elementares cuidados, devidos a pessoas doentes, e o seu “depósito” noutras instituições desconhecidas de quem as tinha a seu cuidado e dos seus familiares.

Com outras pessoas, desloquei-me à GNR de Paredes que nos aconselhou a contactar os Serviços de Segurança Social, no Porto, aonde fomos, no dia seguinte. Só então consegui saber que minha irmã se encontrava num Lar de Idosos, bem longe do Calvário.

Quando, no dia 12 de novembro, a fui visitar, encontrei-a num estado deprimente. Sentada, a chorar, pedia para sair dali. Não sei o que fazer.”

Razão tinha o presidente da CNIS ao dizer: “Há um desrespeito muito grande por parte de quem fiscaliza. Não somos contra a fiscalização. Mas chegam lá, com uma grelha. A satisfação dos utentes não conta. Andam à procura de criminosos. Veem os dirigentes como criminosos” (JN, 4/12/2018).

(12/12/2018)

 

quarta-feira, dezembro 05, 2018

UM MOTIM ESCOLAR EM 1911


 

Em outubro, visitei terras que foram atormentadas pelos incêndios do ano passado. Acompanhavam-me dois livros de amigos. O primeiro - “Um erro de Afonso Costa” - lembrei-o quando, ao visitar o Seminário das Missões em Cernache do Bonjardim, a nossa guia, D. Benilde, denunciou o mal que os “republicanos maçónicos” lhe fizeram

Na entrada do atual Seminário, há dois painéis de azulejos que evocam a memória de D. António Barroso.

D. António ingressou nesse Colégio em 1873. Ordenado em 1879, partiu, de seguida, para Angola. Voltou, em 8/3/ 1911, para nele cumprir o exílio a que fora condenado. Mas só aí viveu durante um mês porque uma sublevação dos alunos aconselhou a sua saída.

Sempre me questionei sobre esse motim escolar. No livro em análise, o autor, Amadeu Gomes de Araújo, deu-me a resposta: “Houve quem defendesse que a propalada «revolta dos alunos» não foi mais que uma encenação manobrada do exterior. Afirma-se até que tudo não terá passado de uma «golpada»”. Por detrás, terá estado o Dr. Abílio Marçal, antigo aluno do CMU e comparsa de Afonso Costa. Afirma-o o P. Manuel Castro Afonso para quem o “mito da sublevação dos alunos” foi sua criação. E confirma-o o responsável pelo “acerbo documental legado pelo CMU”, Castro Afonso, que concorda com o testemunho do “então pároco de Cernache do Bonjardim, P. José Adriano, que apontava o Dr. Abílio Marçal como o instigador. E o próprio Dr. Abílio confessa que foi ele que apoiou a revolta dos colegiais”.

Era enorme o prestígio de D. António… O mesmo Dr. Abílio, para justificar as suas teorias sobre as missões, invocava seu nome: ”Assim pensa e escreve o distinto missionário padre Barroso”. Afonso Costa, para mostrar a sua estima pelo Colégio, apresentava o facto de lhe ter confiado “a guarda e vigilância do Bispo do Porto”. E “os estudantes, há muito descontentes com o Superior, aguardaram apenas, para se manifestar, a sahída do sr. D. António Barroso, a quem pelo respeito que lhes merece o seu carácter, não queriam desgostar”.

No prefácio, o Dr. Mário Soares – seu pai, João Lopes Soares (1878-1970), foi Ministro das Colónias em 1919 - explica-nos o erro de Afonso Costa que “transformou o Colégio das Missões Ultramarinas num centro laico, e, paralelamente converteu as Missões religiosas do padroado, em Missões civilizadoras laicas”. E confessa: “A Primeira República, em parte caiu, pelo conflito entre a República e a Igreja Católica. Depois do 25 de Abril, quando regressei do meu exílio em França, trazia uma ideia na cabeça: não repetir a luta entre o Estado Laico e a Igreja Católica. E assim actuei sempre, como a Igreja Portuguesa sabe bem – e o Vaticano - desde que tive responsabilidades no Portugal e Abril, apesar de não ser religioso, como se sabe”.

Como é bom conhecer a História e aprender as suas lições…

( 5/12/2018)