O Tanoeiro da Ribeira

quarta-feira, junho 29, 2016

OBRIGADO, DOM ALBERTO


 

Quando a vida permite, gostamos de nos “perder” por terras do interior. Em maio, atraídos por Aquilino, rumámos ao concelho de Vila Nova de Paiva que nos recebeu, vestido com o amarelo da giesta e da carqueja, e nos surpreendeu. Foram as inúmeras “orcas” (dólmenes), vestígios do homem pré-histórico, com destaque para as de Pendilhe

 
e Queiriga,
 
 
monumentos nacionais. Foram os “canastros” de Pendilhe
 
 
 a justificarem Aquilino Ribeiro: “A aldeia, mal o sol pula detrás dos montes, esvazia-se para os campos. É lá que estão os tesouros. A casa pouco mais representa do que o ponto de passagem, abrigo para a noite”. Foram as águas do Paiva, em Fráguas…
 
 
E muito mais. Mas o que verdadeiramente me surpreendeu foi uma pequena placa numa casa bem modesta, na aldeia de Touro.
 
 
Dizia: “Aqui viveu D. Alberto Cosme do Amaral, Bispo de Leiria-Fátima Homenagem prestada pelo Município de Vila Nova de Paiva-2 de Março de 2009 *12-10-1916 / 07-10-2005”.
 

Interrogativo, dirigi-me a umas senhoras de idade que logo me confirmaram: - “Sim, foi nesta casa que nasceu e viveu Dom Alberto”. E, sem mais, acrescentaram:-“Era humilde e muito bondoso”. O sorriso aflorou-lhes ao rosto quando lhes disse que o conhecera como bispo auxiliar do Porto e testemunhei a minha admiração pela sua cordialidade. 

Sensibilizou-me ver como aquelas suas vizinhas o louvavam, não pela honra de ter sido bispo de Fátima, mas por sua humildade e bondade. Essa é a recordação que perdura em mim: a de bispo paciente, de grande afabilidade, simplicidade e espiritualidade. Foram, também, estas as qualidades mais lembradas aquando da sua morte (7-10-2005).
D. Jorge Ortiga, então presidente da Conferência Episcopal Portuguesa, enalteceu a sua simplicidade e uma vida de constante “interpelação para a santidade, anunciando os valores que salvam a humanidade”. D. Carlos Azevedo, secretário da CEP, recordou “um homem simples, afável e, acima de tudo, de uma grande serenidade».
D. Serafim, que lhe sucedera como bispo de Leiria-Fátima, na sua mensagem à diocese, escreveu:
“D. Alberto, na sua delicadeza, não fez exclusão, não marginalizou ninguém. Dedicou-se de maneira especial aos sacerdotes, a quem escrevia sempre que faziam anos. Tinha um amor muito grande à Igreja e muita dedicação ao Papa”.

Nasceu em 12 de outubro de 1916 e foi ordenado presbítero em 13 de Agosto de 1939. Nomeado bispo auxiliar do Porto em 8 de Julho de 1964, passou a auxiliar de Coimbra em 1969. De 1972 a 1993, foi bispo de Leiria-Fátima, onde, por duas vezes (1982 e 1991), recebeu o Papa João Paulo II.

Dez anos são passados sobre a morte, mas permanece o seu exemplo de ternura fraterna e, acima de tudo, de serviço discreto à Igreja. Quem o conheceu jamais o esquece…

Muito obrigado, Dom Alberto!

(9-6-2016)

 

quarta-feira, junho 22, 2016

FAZ 888 ANOS...


 

 Não, não é feriado nacional… Mas merecia. Nesta 6ª feira, faz 888 anos que brilhou a “Primeira tarde portuguesa”. Como escreveu Damião Peres, em Como Nasceu Portugal: “No dia 24 de junho de 1128, o conflito teve a sua decisiva crise. Travou-se uma luta renhida nos campos de S. Mamede, em Guimarães. Saiu vitorioso D. Afonso Henriques. Portugal passa a ser governado exclusivamente por gente portuguesa. Esta foi a primeira tarde portuguesa”. O jovem príncipe, apoiado pelos nobres portucalenses, vence o exército da mãe, D. Teresa, e de Fernão Peres de Trava. Goravam-se, assim, as pretensões do Conde galego de integrar o Condado Portucalense no Reino da Galiza. Evocar este dia é também celebrar a Portugalidade.

Quando tanto se fala de perda de soberania face à União Europeia e FMI… Quando a nossa língua, “donde se vê o mar e se ouve o seu rumor” (Vergílio Ferreira), é esmagada por estrangeirismos que lhe roubam o cheiro a maresia... Quando… Como apetece lembrar as raízes desta nação que, há tantos anos, se quis assumir como dona dos seus próprios sonhos! Lembrar a quem? Ao Mundo? Sim. Mas principalmente a nós, portugueses, para que nos façamos respeitar. E muito particularmente aos jovens para que saibam integrar os valores matriciais da sua cultura nos horizontes dum mundo sem fronteiras que, mais que multicultural, se quer intercultural. É bom assinalar datas marcantes da nossa história como 24 de junho de 1128 e outras análogas. Como nos deliciamos ao ler Fernão Lopes quando fala dos cidadãos do Porto que, na crise de 1383/85, incumbiram um tal Domingos Peres das Eiras para dizer ao Mestre de Avis: “Eu digo por mim e por todo este povo que aqui está que nós somos prestes com boa vontade de servir o Mestre com nossos corpos e haveres, ouro e prata – para nunca sermos em poder dos Castelhãos. (…) E para isto, as naus e as barcas e galés com todas as coisas que nelas fizerem mister oferecemos ao Mestre de muito boa vontade”. E que dizer dos “terceirenses” que, em 1581, derrotaram a armada de Filipe II de Espanha, na célebre “Batalha da Salga”, mantendo-se, até 1583, fiéis a D. António, Prior do Crato, que, em 1580 em Santarém, o povo acalmara Rei de Portugal?
 
 
E das gentes de Lisboa que, no dia 1 de dezembro de 1640, vieram para a rua vitoriar os “Conjurados” que acabaram com o domínio filipino? E de toda uma Pátria que, no início do século XIX, sofreu os horrores de três “invasões francesas” mas acabou por expulsar as tropas de Napoleão? E dos burgueses do Porto que não aceitaram o domínio dos “amigos” ingleses e, em 1820, impuseram o regresso do rei D. João VI que permanecia no Brasil?

Pelo Tratado de Alcanizes, em 1297, somos o Estado com as mais antigas fronteiras da Europa. Celebremos a nossa História.

(22-6-2016)

 

 

 

 

 

 

quarta-feira, junho 15, 2016

CONTINUAMOS EM PÁDUA...


 

 Ao caminhar na “Via Il Santo”, cruzei-me com a “Via Galileo Galilei” onde viveu o “pai da ciência moderna” quando ensinava na universidade local.

 
 
 
 
Este encontro da santidade com a ciência fez-me lembrar a carta que Galileu escreveu a Cristina de Lorena para demonstrar que o heliocentrismo não estava em contradição com a Fé. Dizia ele:

“Considerei necessário enfrentar os argumentos apresentados para contradizer conclusões puramente naturais e que não são de fé, baseados em passagens da Sagrada Escritura, que, muitas vezes, para além do sentido literal podem ser interpretadas de diversas maneiras”.

E, para não deixar dúvidas, clarifica: “É preciso saber-se que jamais trato de questões que afetem a religião ou a fé e que me atenho apenas a conclusões naturais a respeito dos movimentos celestes”.

Explica que “o motivo que os adversários apresentam para condenar a opinião da mobilidade da Terra e estabilidade do Sol é que, lendo-se nas Escrituras em muitas passagens que o Sol se move e que a Terra permanece parada e, não podendo a Escritura jamais mentir ou errar, segue-se daí, como consequência necessária, que é errónea e condenável a sentença de quem pretendesse afirmar que o Sol é por si mesmo imóvel e a Terra, móvel”

Afirma que “a Sagrada Escritura e a Natureza procedem igualmente do Verbo divino, aquela como ditado do Espírito Santo, e esta como executora fiel das ordens de Deus”. A Natureza não pode ser diferente do que ela é porque obedece a leis impostas pelo seu Criador, enquanto as palavras da Bíblia, que teve de adaptar a sua mensagem à cultura dos ouvintes, estão sujeitas a interpretações diversas.  Cita Tertuliano: “Nós declaramos que Deus deve ser conhecido primeiro pela Natureza e depois reconhecido pela doutrina: pela Natureza, através das obras; pela doutrina, através das pregações.”

E conclui: “Assim sendo, e posto que duas verdades não se podem contradizer, é ofício de sábios comentadores penetrar no verdadeiro sentido das passagens da Sagrada Escritura que indubitavelmente hão-de estar em concordância com as conclusões naturais cujo sentido manifesto ou demonstração necessária tenham estabelecido como certos e seguros”. A Ciência poderá ajudar a “clarificar o sentido das Escrituras no que respeita aos fenómenos naturais”.

Em síntese:  O  objetivo da Religião é de “nos levar para o Céu”, enquanto que o da Ciência é de nos mostrar “como vai o céu”.

Galileu era crente e respeitador da Igreja. Nesta longa carta, aqui apenas aflorada, revela grandes conhecimentos exegéticos e filosóficos, com permanente recurso a Doutores da Igreja e a filósofos da antiguidade clássica. Quanto dano se teria evitado, se os teólogos de então tivessem acolhido esta carta… Outros tempos?…

(15-6-2016)

 

 

 

 

quarta-feira, junho 08, 2016

SANTO ANTÓNIO EM PÁDUA


 


Basílica de Santo António em Pádua

Não, não disse de Pádua, mas em Pádua, porque, para nós, é de Lisboa.

É de Lisboa porque aí nasceu em 1195 e foi batizado como Fernando. E é de Pádua porque lá morreu, com cerca de 40 anos, e, então, chamava-se António. E por que não de Coimbra, se foi aí, no Mosteiro de Santa Cruz, que adquiriu os seus afamados conhecimentos religiosos e se sentiu atraído pelo ideal franciscano?

Mas, hoje, quero falar, sim, da sua presença em Pádua.

Pouco antes de falecer, foi viver para essa cidade onde sempre fora acolhido com grande afeição. No 13 de junho de 1231, (faz agora 885 anos) morreu em Arcela, então um arrabalde de Pádua. Foi sepultado na igreja de Sta Maria Mater Domini, anexa ao convento dos franciscanos e, posteriormente, integrada na basílica atual. Um mês depois, os paduanos pediram ao Papa Gregório IX que o elevasse às honras do altar. Reconhecida a doutrina e a santidade, foi canonizado antes de se completar 1 ano após a sua morte. A basílica de Santo António, a maior igreja de Pádua, é prova evidente do grande carinho que o povo nutre por aquele a quem chama simplesmente “Il Santo”. Começou a ser construída em 1232 para acolher o seu corpo. Trata-se dum edifício grandioso e exótico, com predomínio dos estilos românico e gótico mas denotando uma surpreendente influência bizantina que, no exterior, é notória na cúpula central em forma de cone que se ergue rodeada por várias outras mais baixas e arredondadas.
 
 
No interior, o estilo torna-se ainda mais complexo, com numerosos monumentos funerários e altares renascentistas e barrocos decorados com esculturas e pinturas de grande efeito estético.
 
 
 As relíquias encontram-se na Capela do Tesouro para onde foram transferidas em 1745. O corpo, que estava originalmente na capela Madonna Mora, recebeu, no Renascimento, uma capela própria, criada por artistas de renome, com grandes relevos, em mármore, com motivos da sua vida.
 
 É o centro de todas as atenções desta basílica que continua a ocupar um lugar privilegiado de oração para os paduanos e atrai cristãos de todo o mundo. E nós sentimo-nos em casa quando nela entramos. Há um sentido de pertença e honra que nos enche a alma. É que, sem chauvinismos nem falsas modéstias, o Santo que ali se venera é português, mesmo que os outros continuem a rezar a “Santo António de Pádua”…

(8-6-2016)

 


 

 

 

quarta-feira, junho 01, 2016

MAIS DE 600 ANOS DE HISTÓRIA




Assim dizia o título do espetáculo que, inserido nas festas de S. Telmo 2016, a Confraria das Almas do Corpo Santo de Massarelos organizou para celebrar os seus 622 anos de história.

O Grupo de Teatro “Cena Jovem”, com o apoio de Joel Cleto, sintetizou, em seis atos, os momentos mais significativos da vida da Confraria.

- O primeiro fez-nos recuar até aos finais do século XIV. No ano de 1394, a tripulação do galeão S. Pedro instituiu a Confraria das Almas do Corpo Santo de Massarelos e edificou a Capela do Corpo Santo, em cumprimento duma promessa feita a S. Telmo que os salvou da morte durante uma tempestade no mar da Biscaia.

- O segundo trouxe ao palco D. João I e D. Filipa de Lencastre. A Rainha trazia ao colo o Infante D. Henrique, nascido no Porto no ano em que foi criada a Confraria e batizado no dia 8 de março desse ano, na Sé onde, sete anos antes, seus pais haviam casado. Foi ele o primeiro Juiz Honorário da Confraria de Massarelos.

- O terceiro evocou o Cais dos Insurretos (Cais das Pedras), em memória daqueles que se revoltaram contra Filipe I que confiscara os navios da Confraria para integrarem a fracassada “Armada Invencível” derrotada pela Inglaterra.

- O quarto falou da vinda da relíquia de S. Telmo que os confrades pediram ao bispo de Tui onde se encontra o corpo deste santo, padroeiro dos homens do mar. Aconteceu, em 1776, quando se realizou a ampliação da capela que deu origem à igreja atual. “Essa relíquia viria a desaparecer provavelmente no decurso das invasões francesas, tendo sido pedida, em 2005, nova relíquia que se encontra no relicário de S. Telmo”.

- O quinto enalteceu a ação sócio- caritativa que a Confraria foi desenvolvendo ao longo dos séculos: criou uma caixa económica para auxílio das viúvas e órfãos; fundou escolas de marinhagem nos seus próprios barcos; estabeleceu “postos de socorro com todo o material necessário para acudir imediatamente a todas as eventualidades”.

- O último recordou as comemorações do 6º centenário do nascimento do seu 1º Juiz Honorário, com a realização da “Regata do Infante” em 1994.

É a memória dum povo crente que agradece a proteção divina e sabe honrar o seu passado. Como diz a Chronyca dos principaes acontecimentos que merecem mençam e devem conhecer os nossos charos Irmãos: “Teve a nossa Confraria sempre Irmãos muy notaveis principalmente marinheiros que deram fama a Portugal sobretudo o glorioso – INFANTE D. HENRIQUE – filho augusto d’esta muy nobre Cidade do Porto que foy por direito de nascimento JUIZ HONORÁRIO”.

Está de parabéns esta Confraria “velhinha” de séculos mas jovem em seus projetos e vivências. A igreja do Corpo Santo de Massarelos, com a sua arte sacra restaurada, espera-nos...

(1-7-2016)