O Tanoeiro da Ribeira

quarta-feira, novembro 22, 2017


SEDE MENSAGEIROS FELIZES…
 
Santa Maria de Campanhã foi a última paróquia que D. António Francisco visitou. E fê-lo na festa da padroeira, três dias antes da sua morte.

D. António começou a homilia no tom muito pessoal que lhe conhecemos: “Esta foi sempre para mim uma das portas de entrada na cidade do Porto, quando vinha da minha terra natal e quando desde pequeno me habituei a percorrer os caminhos e as estradas que me conduziam à cidade ou utilizando o comboio que aqui nos deixava. É assim também que venho ao vosso encontro, na simplicidade do meu viver, no sentido da minha missão e na alegria do meu ministério. (…) «Nós sabemos que Deus concorre em tudo para o bem daqueles que O amam.» É com estas mesmas palavras que vos saúdo, caríssima comunidade cristã, da paróquia de Santa Maria de Campanhã, no Porto, cidade da Virgem, neste dia em que celebramos a festa litúrgica da Natividade da Virgem Santa Maria.”

Era assim D. António Francisco: próximo, fraterno, carinhoso.

 Seus olhos irradiavam felicidade ao afirmar: “Maria é a expressão e o rosto da nova humanidade, enriquecida pela graça de Deus. Ela é sinal da presença de Deus no meio dos homens… Ela é o modelo da nova humanidade que ama e espera, que recebe e aceita Deus, que acolhe a Sua palavra, que escuta o Senhor”.

 E, em jeito de interpelação, acrescentou: “Com Maria, saibamos também nós abrir o nosso coração para fazermos da alegria do Evangelho a nossa missão, como é lema pastoral da nossa diocese, para estes cinco anos que nos preparam para a realização do Sínodo Diocesano”.

 Já não está entre nós para liderar este seu grande projeto… Mas continua connosco. Sejamos dignos da sua esperança.

 E terminou num incentivo: ”Quero deixar-vos um convite a continuarmos nessa caminhada da renovação pastoral e a vivermos este dia também vigília da grande peregrinação diocesana a Fátima, sentindo todos nós, que este pulsar novo da Igreja se deve fazer sentir em cada uma das suas paróquias, que também a nossa paróquia e todas as 477 paróquias da nossa diocese que amanhã peregrinam a Fátima, para estar na casa da Mãe, aprendam o exemplo de Maria, mãe de Deus e nossa mãe, esteja a encantar sempre pela novidade revigorante da alegria do Evangelho que ela nos deu. (…) Que Nossa Senhora de Campanhã seja para a Igreja do Porto símbolo da nossa esperança e certeza da nossa alegria. Amen.”

Nesta que foi a última mensagem apostólica em terras da sua diocese, o nosso bispo deixou um apelo: “Sede mensageiros felizes da alegria do Evangelho, sede servidores generosos e multiplicadores da abundância da bondade e da ternura de Deus.”

Mais que um testamento, foi este o testemunho que nos legou. Era assim no nosso Dom António Francisco…

Bem-aventurados os que têm um coração de pobre…” (Mt 5,3)

(22/11/2017)

quarta-feira, novembro 15, 2017


O FUNDADOR DO "SEMINÁRIO DA SÉ"
 
Em 28 de setembro de 2011, escrevi na VP: “D. Manuel Clemente, na «Romagem à terra de D. António Barroso», recordou outro bispo do Porto que também fora missionário, D. João de França. Interroguei-me: - Que sei eu deste bispo? - Muito pouco. “

Uma assinante escreveu-me, então, num email: “Se quiser saber mais, conhece amigos que são seus familiares…”.
No passado dia 31, numa visita guiada ao Paço Episcopal, essa amiga, ao ver o quadro de D. João de França, disse: - “Era tio-avô da minha avó.” Indicou-me o local onde nascera e falou-me da homenagem que lhe foi prestada em Gondomar.
Dias depois, fui à procura da rua da Portelinha, (no antigo lugar da Azenha) em São Cosme. Encontrei a casa e li a placa que, em 09/11/2012, (fez há dias 5 anos) foi descerrada por D. Manuel Clemente, “comemorando os 150 anos da sua entrada na Sé do Porto”. Diz: “Em 19 de Março de 1804, nasceu nesta casa D. JOÃO DE FRANÇA CASTRO E MOURA. Missionário em Macau em 1825. Bispo de Pequim em 1841. Regressado a Portugal em 1857, é sagrado bispo do Porto em 1862. Faleceu em 16 de outubro de 1868.”

O livro “Os Retratos dos Bispos do Porto na coleção do Paço Episcopal” foi apresentado no dia 6 deste mês para cumprir a vontade de D. António Francisco que, com ele, queria assinalar os 163 anos do nascimento de D. António Barroso. A sua leitura permitiu-me conhecer melhor D. João de França.

Aos 16 anos, entrou para o seminário do Porto. Em 1823, ingressou na Congregação da Missão, em Lisboa, tendo, em 1825, partido para Macau onde continuou a sua formação no colégio de S. José. Aqui veio a celebrar a sua primeira missa, em 1830, depois de passar pelas Filipinas onde se ordenou. Em agosto desse ano, partiu para a China. Devido a perseguições locais, teve de refugiar-se em Xangai. Foi nomeado vigário-geral de Nanquim onde apanhou o paludismo, passando a residir em Pequim de que, em 1838, se tornou governador. Em 1840, Gregório XVI nomeou-o administrador apostólico de Pequim. Em 1841, foi eleito bispo de Pequim mas não chegou a ser sagrado. Em 1847, voltou para Macau e ainda rumou a Timor aonde chegou em 1850. Regressado a Portugal, foi nomeado bispo do Porto em 1862, onde visitou quase toda a diocese e fundou o seminário diocesano no antigo colégio de S. Lourenço no ano letivo de 1862-1863. Na “Câmara dos Pares”, opôs-se frontalmente ao poder do Estado no provimento dos benefícios eclesiásticos. Em 1867, foi agraciado pelo papa Pio IX com o título de “prelado assistente ao Sólio Pontifício”

D. João de França será lembrado “pela sua larga folha de serviços nas missões do Oriente, pelo seu alevantado patriotismo e pela integridade do seu carácter”.

Concluindo…Não sabia, mas agora fiquei a saber…. E, na origem, tenho de agradecer a D. António Barroso.

(15/11/2017)

 

quarta-feira, novembro 08, 2017


MEMÓRIA E GRATIDÃO (II)

         O cronista de Settimananews enaltece a coragem de D. Manuel Martins:
“Em 1985 – dez anos após a revolução – Portugal vivia ainda na incerteza política e económica. Tinha-se medo do regresso da direita. Havia fome. Nas periferias de Lisboa, na zona de Setúbal, no Alentejo. Havia fome. D. Manuel desafiava os políticos: «Os partidos políticos estão longe, estão muito distantes do povo; a classe política não goza mais da estima e da confiança do povo. Isto é dramático. Quer saber o que é que eu penso destes dez últimos anos? No começo a euforia era enorme, veio depois o desencanto, agora vivemos a desilusão. A seguir vai chegar o desespero.”

Havia quem não gostasse…
“ O Governador Civil de Setúbal promoveu contra o Bispo uma campanha difamatória com o objetivo de conseguir expulsá-lo de Portugal.
Pelos sectores tradicionalistas foi D. Manuel acusado de não se opor corajosamente aos movimentos de secularização. Esta era a sua defesa:
«Prefiro a secularização deste povo ao cristianismo frio de algumas zonas do norte de Portugal, que têm devoções meramente exteriores, um culto sociológico e não interiorizado, um culto que não revela sensibilidade alguma para com o homem e seus problemas. Há infelizmente muitos católicos que desejam confinar a Igreja às paredes da sacristia. Não querem ser incomodados. Penso que a Igreja só se torna credível quando toma posição. Estou convencido de que evangelizar quer dizer ajudar o homem a levantar-se, a abrir os olhos, a exigir que sejam respeitados a sua vida e os seus direitos. O Presidente socialista (Mário Soares) disse-me uma vez que os padres de Setúbal são muito avançados, progressistas, demasiado progressistas. Respondi-lhe: Está enganado, senhor Presidente. Olhe que o mais vermelho de todos eles sou eu.”

 E Francesco Strazzari conclui, em síntese:
 “D. Manuel tinha uma ideia fixa: «A Igreja, animada pelo Espírito de Deus, deve estar presente exatamente ali onde a história joga o seu futuro. A história não está parada. Se a Igreja permanece acorrentada sempre aos seus parâmetros, aos critérios, às forças do passado, a Igreja não tem futuro e não serve, não vale nada. Na fidelidade à mensagem evangélica, na fidelidade ao depósito da fé – que é uma riqueza incomensurável para todos os tempos -, devemos todos ter a coragem de aceitar os desafios desta novidade e andar para a frente. Quem na Igreja tem responsabilidades tem obrigação de em cada dia saber despojar-se para se vestir de hábitos novos, como ensina São Paulo». Dom Manuel teve a coragem de proceder assim.”
Admirável!... Que esta voz penetre os tempos e os templos.

Muito obrigado, Dom Manuel Martins, pela frontalidade da sua palavra e exemplaridade do seu testemunho.

Bem-aventurados os que têm fome e sede de justiça…” (Mt 5,6)

(8/11/2017)

 

 

quinta-feira, novembro 02, 2017


Memória e Gratidão (I)

 

 
 

        Um mês é passado. Mas os ecos da morte de D. Manuel Martins continuam. Este chegou-me de Itália através dum email que me foi enviado da Galiza. O original poderá ser lido em www.settimananews.it/profili/portogallo-morto-vescovo-rossona.

Francesco Strazzari começa por dar a notícia: “No passado dia 24 de Setembro, faleceu na cidade da Maia, arredores do Porto, o Bispo Dom Manuel Martins.” E acrescenta em nota pessoal:

          “A última vez que eu estivera com ele foi a meados de Agosto. Conhecia Dom Manuel Martins desde os anos 80, quando ele era Bispo de Setúbal: foi o primeiro Bispo daquela Diocese populosa e «vermelha», lá na margem sul do Tejo, acabada de destacar do Patriarcado de Lisboa”.

          Depois de informar que aí nem todos receberam bem o bispo que “provinha do norte de Portugal, região rica, burguesa e tradicionalista”, esclarece: “ Mas bem depressa se percebeu que Dom Manuel era de outra têmpera. Não tardou por isso a chamarem-lhe «Bispo Vermelho».

E conclui: “Não havia no aspeto de Dom Manuel nada de extraordinário, para além de um olhar de homem muito vivaz e inteligente, numa mistura equilibrada de racionalidade, fruto dos estudos que cursara, com o sentimento típico das gentes lusitanas. A casa onde morava era muito simples, mesmo espartana. E tinha um falar melodioso, doce e convincente.”

Após esta nótula de quem conhecia bem D. Manuel, enquadra a sua ação no contexto histórico da Igreja em Portugal, antes e após a «revolução dos cravos» - “A mão esquerda de Deus”

“Em 25 de Abril de 1974, fora Portugal sacudido pela revolução que Dom Manuel considerava e dizia ter sido uma bofetada da mão esquerda de Deus. A bofetada da mão direita de Deus fora o Concílio Vaticano II. Eram os tempos da ditadura de Salazar. A Igreja oficial dava cobertura ao Regime. O controverso cardeal patriarca de Lisboa, Gonçalves Cerejeira, não mexeu um dedo quando o bispo do Porto, Dom António Ferreira Gomes, um homem de vasta cultura filosófica e teológica, ao regressar do estrangeiro viu fecharem-se lhe as fronteiras. Teve de vaguear pela Europa ao longo de dez anos, tão somente por ter posto em causa e em discussão a política ditatorial de Salazar, sobretudo a guerra colonial”.

Comenta: “A «revolução dos cravos» foi delineando um novo rosto da Igreja portuguesa: abandonar o modelo clerical e dar mais espaço aos leigos. Estes saíram para a ribalta e pressionaram a hierarquia a fazer escolhas precisas tanto no campo económico como no campo social.” 

E deixa um reparo: “Lamentava-se Dom Manuel por essa altura: «A Igreja deve estar com os homens. Mas não o tem feito suficientemente. Tem ainda muito medo. É preciso arriscar. A Igreja não vive a pobreza”.

 

(Continua)          (31/10/2017)