O Tanoeiro da Ribeira

terça-feira, dezembro 23, 2014

Quem vem e atravessa o rio...



Há dias, quando subi ao zimbório da igreja que coroa o antigo monte de S. Nicolau em Gaia, senti-me “fascinado por todo aquele casario que se derramava às golfadas no Douro”(Eugénio de Andrade) e comecei a cantar: Quem vem e atravessa o rio/Junto à serra do Pilar...
Esta ligação do Porto ao monte de S. Nicolau vem de longe. Já em 1140, o bispo do Porto, D. Pedro Rabaldes, fundou nele um mosteiro de “freiras emparedadas” que foi abandonado no século XIV. Aí, terá ocorrido o “episódio da história do Porto” narrado por Arnaldo Gama em “A última Dona de S. Nicolau”. No século XVI, o prior do mosteiro de Grijó aproveitou as ruínas para construir uma filial do seu mosteiro. 


As obras, iniciadas em 1537, só terminaram em 1670 com a igreja dedicada a Nossa Senhora del Pilar, (de Saragoça). Esta invocação vinha do tempo dos Filipes e traduziria a vontade de “castelhanizar”. Seja como for, este mosteiro sempre esteve ao serviço da Pátria e da liberdade . Logo em 1580, acolheu D. António, Prior do Crato que apenas o abandonou quando as tropas espanholas já estavam na vila de Gaia. Mais tarde, em 1809, aquando da 2ª invasão francesa, o Wellesley nele estabeleceu o quartel-general e comandou as tropas anglo-lusas que, de 11 para 12 de maio, sob a calada da noite, atravessaram o Douro e derrotaram os franceses no antigo seminário” (Colégio dos Órfãos), com o apoio dos canhões escondidos na base do mosteiro.


Durante o Cerco do Porto (1832-34), as tropas liberais instalaram-se nas suas dependências protegendo o Porto sitiado. Por dez vezes, o exército miguelista tentou conquistar este local estratégico, mas nunca o conseguiu devido ao heroísmo dos seus defensores comandados pelo “General Torres” cujo nome a toponímia de Gaia perpetua. D. Pedro honrou-os com o epíteto de “polacos” comparando-os aos filhos da Polónia que defenderam a Pátria contra russos, prussianos e austríacos. Ainda hoje a “rua dos Polacos” lhes presta homenagem.
O mosteiro, que ficou em ruínas, foi, depois, restaurado e a igreja aberta ao culto.


É possível fazer visitas ao templo, ”um dos mais originais da Europa”; ao claustro “exemplar único em Portugal” e ao zimbório com um panorama de sonho. 

Mais ainda, como é gratificante participar na Eucaristia dominical que, há 40 anos, congrega a "Comunidade da Serra do Pilar"! Foi o que fizemos no passado dia oito. Demos graças pelo amor que nessa igreja se fez sacramento e encarnou no Francisco e na Clarinha que acabava de nascer e, com o celebrante, rezámos "Ó Maria,/ doce porto, certa guia/gloriosa Virgem pura..." (Frei Agostinho da Cruz).
Com votos de SANTO NATAL, convido-o a subir a este monte onde beleza e história se entrelaçam. No próximo dia 28, o mosteiro completa 477 anos...



( 23/12/2014)

quarta-feira, dezembro 17, 2014

Artista pela Paz


Quando, em 1969, estive em Turim no Colóquio Europeu de Paróquias, reparei que alguns participantes ostentavam na lapela um crachá rasurado. Ao perguntar o que sucedera, logo um grupo me respondeu em uníssono: “Nós não somos espanhóis, somos catalães”. Na letra identificativa do País, tinham riscado o E (de Espanha) e escrito o C (de Catalunha).
No dia 1 de dezembro, recordei esta velha luta a que devemos, também, a restauração da nossa soberania em 1640. Não estivessem as tropas espanholas ocupadas com a guerra na Catalunha e o nosso grito de independência não teria vingado. E envergonhei-me ao confrontar o desprezo a que os nossos governantes votaram essa data com o vigor dos catalães ao exigirem o referendo pela sua independência. Mal vai um povo que esquece a sua memória e não honra o seu passado.
Estas evocações agudizaram-se ao rever uma entrevista a propósito do concerto Jordi Savall - Um Regresso Desejado, na Casa da Música:
Quem é Jordi Savall? Antes de mais, um catalão que defendeu o direito ao referendo: “queremos saber o que pensam as gentes catalãs”. Um músico de renome mundial que não aceitou receber o “Prémio Nacional de Música“ de Espanha porque, disse, “Não posso apadrinhar uma gestão política desastrosa que maltrata a música e os músicos”.
Jordi Savall é um incansável pesquisador de música antiga. Com a esposa, Montserrat Figueras, fundou o ensemble “Hespérion” - habitantes da Hespéria ( península itálica e ibérica) - que apresentou o concerto da Casa da Música. Gravou mais de 200 CDs, com reportório medieval, renascentista, barroca e clássico, com enfoque na herança cultural hispânica e mediterrânica. Conquistou numerosos prémios, com destaque para o Prémio Léonie Sonning 2012, o “Nobel da Música”, e recebeu vários doutoramentos honorários.
Entre todas estas honras, destaco a nomeação, em 2008, como Embaixador do Diálogo Intercultural da União Europeia e, juntamente com a esposa, o título de Artista pela Paz, no âmbito do programa “Embaixadores da Boa Vontade” da UNESCO.
Os seus concertos são um convite à compreensão entre os povos. Não só pelas músicas que escolhe como pelos instrumentos e instrumentistas que o acompanham. Na Sala Suggia, o ensemble era formado por turcos, arménios, gregos, marroquinos e espanhóis que tocaram canções sefarditas, otomanas e arménias com instrumentos originários da Arménia, Turquia, Marrocos e Espanha. Este apelo à paz ficou bem expresso no “encore final” em que os intérpretes, primeiro a solo, depois em coro, cantaram a mesma melodia nas suas línguas nacionais. E Jordi Savall encerrou dizendo que a música une os povos e enriquece-se nas diferenças. Nela, todos se entendem e harmonizam.
(17/12/2014)





















sexta-feira, dezembro 12, 2014

Promessa de Obediência


Esta reflexão foi-me sugerida pelo texto do P. Rui Osório, no JN de 16 de novembro passado, que dizia:
-aos futuros sacerdotes, “ Quando forem ordenados espero que honrem o compromisso sacramental e saibam, livre e responsavelmente, aceitar a obediência ao seu bispo. É um compromisso de caráter sacramental e não um mero contrato laboral”;
- aos párocos, “compreende-se mal que um padre, pastor de uma comunidade, se comporte como feitor da sua “quinta”, e se julgue inamovível”;
-aos cristãos, “o padre foi-lhes dado e não lhes pertence, mas à Igreja”.
Contrariamente aos religiosos que fazem profissão de pobreza, obediência e castidade, os presbíteros diocesanos não fazem votos mas, ao receber o sacramento da Ordem, prometem ao bispo e seus sucessores “filial respeito e obediência” (Pontifical Romano de Ordenação). Por isso, a obediência filial ao seu bispo é sacramental e constitui a sua matriz pastoral.
A  “Igreja particular, porção da Igreja Católica” de que fala o Papa Francisco é a diocese e não a paróquia. A diocese não é a soma das paróquias. Pelo contrário, é ela que lhes dá sentido e suporte eclesiológico como parcelas da Igreja particular.
Diz o Vaticano II: “Entre os vários ministérios, o principal é o daqueles que, constituídos no episcopado em sucessão ininterrupta são transmissores do múnus apostólico . E assim, a tradição apostólica é manifestada em todo o mundo e guardada por aqueles que pelos Apóstolos foram constituídos Bispos e seus sucessores (LG)”. Os bispos são, pois, os alicerces da Apostolicidade da Igreja. O presbítero é um colaborador cujo serviço  depende da nomeação episcopal que o faz seu representante. Como aquele pároco que, consciente da sua função vicarial, convidou o seu bispo a ir celebrar a Eucaristia à sua paróquia sempre que estivesse disponível. E  ele, por diversas vezes, apareceu, sem aviso prévio, sem foguetes nem tapetes de flores. Simplesmente como pastor e mestre na Fé. E como tal era acolhido e amado.
 O sacerdote não pode fazer da paróquia uma ilha, nem os paroquianos se podem assumir como seus senhores. O pároco é sempre uma dádiva feita serviço em interação com a diocese. E para esta quão pertinentes são as palavras do Santo Padre: para encontrar o que o Senhor pede à sua Igreja, devemos escutar os sinais deste tempo e perceber os odores dos homens de hoje. Hoje, não se pode ignorar uma certa penugem democrática que, por vezes, favorece e encobre manipulações e motivações obscuras.
 Mais do que administrativo e jurídico, a ligação do pároco ao bispo é sacramental. Ignorar esta sacramentalidade seria atentar contra a essência  teândricada (divina e humana) da Igreja e reduzi-la a uma instituição puramente humana com  muros a separar em vez do altar a congregar. E se assim fosse...
(10/12/2014)








quinta-feira, dezembro 04, 2014

Aqui há santidade (II)


Celebrar a gratidão é, hoje, um modo fecundo de semear a esperança. (D. António Francisco)
Notas biográficas de D. António Barroso
21/2/ 1899 - É nomeado bispo do Porto.
2/8/1899 - Vindo de comboio de Lisboa, é aclamado pela multidão em Campanhã. Acompanhado por 130 carruagens, segue até à igreja de Santo Ildefonso onde se inicia o cortejo a pé até à Catedral.
23/4/1901 - Na sequência do famoso “caso Calmon”, vai, em nome do episcopado, entregar ao rei D. Carlos uma carta coletiva onde se expõe o pensar da Igreja sobre as congregações religiosas. Transforma-se num alvo a abater pela sanha anticlerical.
24/12/ 1910 - É publicada a Pastoral Coletiva assinada pelos bispos portugueses mas o Governo proíbe a sua leitura
2/3/ 1911 – D. António escreve uma carta em que defende a leitura dessa Pastoral. E, logo no dia 7, o Governo destitui-o das funções de bispo do Porto e proíbe-o de entrar em qualquer lugar da diocese. Começa o exílio no Colégio de Cernache donde passará para Remelhe
12/6/ 1913 - É julgado no tribunal de S. João Novo por ter vindo a Custóias (Matosinhos) ser padrinho de batismo, em representação do papa Pio X. É absolvido.
3/4/ 1914 - Amnistiado, regressa, discretamente, à diocese e vai viver para o Paço de Sacais. No dia seguinte, celebra Solene Te Deum na Sé Catedral.
7/8/ 1917 - É condenado a dois anos fora da diocese e dos distritos limítrofes, por ter autorizado três senhoras de uma associação religiosa a viverem juntas em Vila Boa de Quires. Este segundo exílio passa-o em Coimbra.
20/12/ 1917 - Anulado o castigo, regressa ao Paço de Sacais onde morre a 31 de agosto de 1918.
Notas de imprensa - No dia da morte, a imprensa enalteceu-o. A caridade exerceu-a tão largamente, como o seu coração lho pedia. O preceito do Evangelho recebeu do ilustre Prelado a máxima consagração (O Primeiro de Janeiro); O paço episcopal do Porto passou a ser o doce refúgio de quantos desventurados se acolhiam sob a protecção de D. António Barroso. (O Comércio do Porto). O periódico “A Ilustração Católica aconselhava: Escrevei na memória o seu nome e lembrança/E guardai para a vida a sua bela herança/De piedade, orações e sorrisos de Pai.
No “Dia da Voz Portucalense” deste ano centenário do regresso de D. António Barroso do exílio em 1914, vamos lembrar a sua bela herança e rezar para que se realizem as condições humanas e eclesiais que possibilitem a proclamação oficial da sua santidade como exemplo universal de vida cristã.
O Santo Padre diz que a alegria evangelizadora refulge sempre sobre o horizonte da memória agradecida. Dar graças a Deus e rezar pela beatificação de D. António Barroso é sinal da memória agradecida da Igreja do Porto e um modo fecundo de semear a esperança.

( 3/12/2014)