O Tanoeiro da Ribeira

quarta-feira, dezembro 17, 2014

Artista pela Paz


Quando, em 1969, estive em Turim no Colóquio Europeu de Paróquias, reparei que alguns participantes ostentavam na lapela um crachá rasurado. Ao perguntar o que sucedera, logo um grupo me respondeu em uníssono: “Nós não somos espanhóis, somos catalães”. Na letra identificativa do País, tinham riscado o E (de Espanha) e escrito o C (de Catalunha).
No dia 1 de dezembro, recordei esta velha luta a que devemos, também, a restauração da nossa soberania em 1640. Não estivessem as tropas espanholas ocupadas com a guerra na Catalunha e o nosso grito de independência não teria vingado. E envergonhei-me ao confrontar o desprezo a que os nossos governantes votaram essa data com o vigor dos catalães ao exigirem o referendo pela sua independência. Mal vai um povo que esquece a sua memória e não honra o seu passado.
Estas evocações agudizaram-se ao rever uma entrevista a propósito do concerto Jordi Savall - Um Regresso Desejado, na Casa da Música:
Quem é Jordi Savall? Antes de mais, um catalão que defendeu o direito ao referendo: “queremos saber o que pensam as gentes catalãs”. Um músico de renome mundial que não aceitou receber o “Prémio Nacional de Música“ de Espanha porque, disse, “Não posso apadrinhar uma gestão política desastrosa que maltrata a música e os músicos”.
Jordi Savall é um incansável pesquisador de música antiga. Com a esposa, Montserrat Figueras, fundou o ensemble “Hespérion” - habitantes da Hespéria ( península itálica e ibérica) - que apresentou o concerto da Casa da Música. Gravou mais de 200 CDs, com reportório medieval, renascentista, barroca e clássico, com enfoque na herança cultural hispânica e mediterrânica. Conquistou numerosos prémios, com destaque para o Prémio Léonie Sonning 2012, o “Nobel da Música”, e recebeu vários doutoramentos honorários.
Entre todas estas honras, destaco a nomeação, em 2008, como Embaixador do Diálogo Intercultural da União Europeia e, juntamente com a esposa, o título de Artista pela Paz, no âmbito do programa “Embaixadores da Boa Vontade” da UNESCO.
Os seus concertos são um convite à compreensão entre os povos. Não só pelas músicas que escolhe como pelos instrumentos e instrumentistas que o acompanham. Na Sala Suggia, o ensemble era formado por turcos, arménios, gregos, marroquinos e espanhóis que tocaram canções sefarditas, otomanas e arménias com instrumentos originários da Arménia, Turquia, Marrocos e Espanha. Este apelo à paz ficou bem expresso no “encore final” em que os intérpretes, primeiro a solo, depois em coro, cantaram a mesma melodia nas suas línguas nacionais. E Jordi Savall encerrou dizendo que a música une os povos e enriquece-se nas diferenças. Nela, todos se entendem e harmonizam.
(17/12/2014)