Artista pela Paz
Quando,
em 1969, estive em Turim no Colóquio Europeu de Paróquias, reparei
que alguns participantes ostentavam na lapela um crachá rasurado. Ao
perguntar o que sucedera, logo um grupo me respondeu em uníssono:
“Nós não somos espanhóis, somos catalães”. Na letra
identificativa do País, tinham riscado o E
(de Espanha) e escrito o C
(de Catalunha).
No
dia 1 de dezembro, recordei esta velha luta a que devemos, também,
a restauração da nossa soberania em 1640. Não estivessem as tropas
espanholas ocupadas com a guerra na Catalunha e o nosso grito de
independência não teria vingado. E envergonhei-me ao confrontar o
desprezo a que os nossos governantes votaram essa data com o vigor
dos catalães ao exigirem o referendo pela sua independência. Mal
vai um povo que esquece a sua memória e não honra o seu passado.
Estas
evocações agudizaram-se ao rever uma entrevista a propósito do
concerto Jordi
Savall - Um Regresso Desejado,
na Casa da Música:
Quem é Jordi Savall? Antes
de mais, um catalão que defendeu o direito ao referendo: “queremos
saber o que pensam as gentes catalãs”. Um músico de renome
mundial que não aceitou receber o “Prémio Nacional de Música“
de Espanha porque, disse, “Não posso apadrinhar uma gestão
política desastrosa que maltrata a música e os músicos”.
Jordi
Savall é um incansável pesquisador de música antiga. Com a esposa,
Montserrat Figueras, fundou o ensemble “Hespérion” - habitantes
da Hespéria ( península itálica e ibérica) - que apresentou o
concerto da Casa da Música. Gravou mais de 200 CDs, com reportório
medieval, renascentista, barroca e clássico, com enfoque na herança
cultural hispânica e mediterrânica. Conquistou numerosos prémios,
com destaque para o Prémio Léonie Sonning 2012, o “Nobel da
Música”, e recebeu vários doutoramentos honorários.
Entre
todas estas honras, destaco a nomeação, em 2008, como Embaixador do
Diálogo Intercultural da União Europeia e, juntamente com a esposa,
o título de Artista
pela Paz,
no âmbito do programa “Embaixadores da Boa Vontade” da UNESCO.
Os
seus concertos são um convite à compreensão entre os povos. Não
só pelas músicas que escolhe como pelos instrumentos e
instrumentistas que o acompanham. Na Sala Suggia, o ensemble era
formado por turcos, arménios, gregos, marroquinos e espanhóis que
tocaram canções sefarditas, otomanas e arménias com instrumentos
originários da Arménia, Turquia, Marrocos e Espanha. Este apelo à
paz ficou bem expresso no “encore final” em que os intérpretes,
primeiro a solo, depois em coro, cantaram a mesma melodia nas suas
línguas nacionais. E Jordi Savall encerrou dizendo que a música une
os povos e enriquece-se nas diferenças. Nela, todos se entendem e
harmonizam.
(17/12/2014)
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