A Absolutização do relativo
Hoje,
perdeu-se o sentido da proporcionalidade. Compare-se a violência dos crimes com
as suas motivações. O bom senso vai minguando. Veja-se como se vestem algumas pessoas,
por vezes até quando servem o altar. Na linguagem é frequente ouvir-se:
adoro/odeio… Sem meio-termo. O exagero é particularmente notório no silêncio
dos cemitérios onde superabundam palavras e placas com “eterna saudade ”,
inclusive em jazigos abandonados.
Esta
reflexão surgiu ao reler as palavras do cardeal Kasper: “Assim como a Igreja
vai a caminho pela via da conversão e da renovação, também o matrimónio e a
família se encontram no caminho da cruz e ressurreição, sob a lei da gradualidade, de continuar a
crescer de modo sempre novo e mais profundo no mistério de Cristo. Essa lei da gradualidade parece-me ser uma
coisa importantíssima para a vida e para a pastoral matrimonial e familiar. Não
significa “gradualidade” da lei, mas gradualidade, ou seja, crescimento, na
compreensão e na realização da lei do Evangelho que é uma “lei da
liberdade”.
Há
dias, um teólogo dizia que o caminho cristão começa no “Decálogo” (Ex,20,1-17)
e termina nas “Bem-aventuranças”(Mt 5,1-12). Aquele é a Lei, estas indicam o
ideal que não está sujeito à lei. Da Lei para o Ideal, degrau a degrau.
Até
que ponto a Igreja, no desejo de atingir o sublime, não terá, por vezes,
ignorado a lei da gradualidade e
imposto o ideal com a lei que é sempre geral e abstrata? Os seus ministros
poderão dizer como S. Paulo (II Cor 3, 3-6) “A nossa capacidade vem de Deus.
Ele é que nos fez aptos para ser ministros da Nova Aliança, não a da letra mas
sim a do Espírito. Porque a letra mata, mas o Espírito vivifica”? É deste
Espírito atento à circunstância e à linguagem de cada época que o Papa
Francisco falou na vigília de oração que antecedeu o Sínodo dos Bispos: “Para
encontrar o que o Senhor pede à sua Igreja, devemos escutar os sinais deste
tempo e perceber os odores dos homens de
hoje para nos impregnarmos das suas alegrias e das suas esperanças, das
suas tristezas e angústias. Nesse momento, saberemos recomendar com
credibilidade a boa notícia da família”. A Igreja vive na história. Por isso, o
Vaticano II fala da igreja que peregrina no espaço e no tempo. Sem cair em
relativismos subjetivistas, seria bom que não se esquecesse da sentença de
Protágoras “o homem é a medida de todas as coisas” nem do aforismo “o ótimo é
inimigo do bom”.
Por
adoção, somos da família de Deus (Rom. 8, 14-17) mas, por natureza, continuamos
criaturas (Gn 1,26). É nesta tensão dialética entre o humano e o divino, num
“caminho de cruz e ressurreição”, que, com avanços e recuos, nos vamos
aproximando da “Bem-aventurança”. “Eu sou o Senhor e mais ninguém.” (Is 45,6)
(29/10/2014)
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