O Tanoeiro da Ribeira

quarta-feira, outubro 29, 2014

A Absolutização do relativo


Hoje, perdeu-se o sentido da proporcionalidade. Compare-se a violência dos crimes com as suas motivações. O bom senso vai minguando. Veja-se como se vestem algumas pessoas, por vezes até quando servem o altar. Na linguagem é frequente ouvir-se: adoro/odeio… Sem meio-termo. O exagero é particularmente notório no silêncio dos cemitérios onde superabundam palavras e placas com “eterna saudade ”, inclusive em jazigos abandonados.

Esta reflexão surgiu ao reler as palavras do cardeal Kasper: “Assim como a Igreja vai a caminho pela via da conversão e da renovação, também o matrimónio e a família se encontram no caminho da cruz e ressurreição, sob a lei da gradualidade, de continuar a crescer de modo sempre novo e mais profundo no mistério de Cristo. Essa lei da gradualidade parece-me ser uma coisa importantíssima para a vida e para a pastoral matrimonial e familiar. Não significa “gradualidade” da lei, mas gradualidade, ou seja, crescimento, na compreensão e na realização da lei do Evangelho que é uma “lei da liberdade”.   

Há dias, um teólogo dizia que o caminho cristão começa no “Decálogo” (Ex,20,1-17) e termina nas “Bem-aventuranças”(Mt 5,1-12). Aquele é a Lei, estas indicam o ideal que não está sujeito à lei. Da Lei para o Ideal, degrau a degrau.

Até que ponto a Igreja, no desejo de atingir o sublime, não terá, por vezes, ignorado a lei da gradualidade e imposto o ideal com a lei que é sempre geral e abstrata? Os seus ministros poderão dizer como S. Paulo (II Cor 3, 3-6) “A nossa capacidade vem de Deus. Ele é que nos fez aptos para ser ministros da Nova Aliança, não a da letra mas sim a do Espírito. Porque a letra mata, mas o Espírito vivifica”? É deste Espírito atento à circunstância e à linguagem de cada época que o Papa Francisco falou na vigília de oração que antecedeu o Sínodo dos Bispos: “Para encontrar o que o Senhor pede à sua Igreja, devemos escutar os sinais deste tempo e perceber os odores dos homens de hoje para nos impregnarmos das suas alegrias e das suas esperanças, das suas tristezas e angústias. Nesse momento, saberemos recomendar com credibilidade a boa notícia da família”. A Igreja vive na história. Por isso, o Vaticano II fala da igreja que peregrina no espaço e no tempo. Sem cair em relativismos subjetivistas, seria bom que não se esquecesse da sentença de Protágoras “o homem é a medida de todas as coisas” nem do aforismo “o ótimo é inimigo do bom”.

Por adoção, somos da família de Deus (Rom. 8, 14-17) mas, por natureza, continuamos criaturas (Gn 1,26). É nesta tensão dialética entre o humano e o divino, num “caminho de cruz e ressurreição”, que, com avanços e recuos, nos vamos aproximando da “Bem-aventurança”. “Eu sou o Senhor e mais ninguém.” (Is 45,6)

(29/10/2014)