O Tanoeiro da Ribeira

quarta-feira, outubro 08, 2014

Na era do "politicamente correto"


Num tempo de eufemismos, surpreendeu-me a frontalidade de Isabel Jonet, presidente da Federação dos Bancos Alimentares, no final do 29.º Encontro da Pastoral Social. Depois de denunciar os profissionais da pobreza e a transmissão intergeracional da pobreza, apelou para o reforço da cooperação entre as instituições que precisam de trabalhar em rede para combater este flagelo. São suas estas palavras: Em Portugal há aquilo a que chamamos a transmissão intergeracional da pobreza e temos que quebrar essa transmissão. Há profissionais da pobreza habituados a andar de mão estendida, sem qualquer preocupação em mudar, e as instituições têm que fazer o acompanhamento e a supervisão para se quebrar os ciclos de pobreza.

No JN de 14 de setembro, falou de pobreza estrutural e de pobreza conjuntural. Na primeira, incluiu as famílias onde a pobreza passa de pais para filhos. Para estas, propõe uma educação em que se incuta o sentido da responsabilização pela própria vida. Não basta dar… Na segunda, estão as famílias “que nunca pensaram passar por restrições” mas que, devido ao desemprego e endividamentos anteriores, estão a viver situações dramáticas. Estas são as maiores vítimas da crise e precisam de atenção especial por parte das instituições de solidariedade. Todos conheceremos famílias que se enquadram nestas categorias.

Revejo-me na sua análise e gostaria de acrescentar a pobreza que brada ao céu. Incluo nesta pobreza quem trabalha e recebe o salário mínimo, ou ainda menos, e quem trabalhou e fez os descontos exigidos e agora recebe uma pensão de miséria.

 Depois de feitos os respetivos descontos, o salário mínimo não ultrapassa os 400 euros. Como é que uma família, com vários filhos, mesmo que os dois pais trabalhem, pode sobreviver com esses valores? (LOC-MTC) Era assim quando o salário mínimo estava nos 485 euros. Agora subiu 17,80 euros. Foi bom mas sabe a pouco. A pobreza continua. O salário não é questão de solidariedade, mas de justiça “stricto sensu”- justiça comutativa segundo a qual uma permuta é justa quando os dois termos da troca têm o mesmo valor. O contrário é fraude, é roubo. O trabalhador dá o seu trabalho e, em contrapartida, recebe um salário que não satisfaz as suas necessidades. E nem tudo se deve à crise. É que os “vampiros” de Zeca Afonso não morreram com o “25 de Abril”…

E que dizer de quem trabalhou, descontou e agora tem uma reforma de 259,4 euros mensais? E dos três quartos dos aposentados por velhice que recebem abaixo do salário mínimo? São vítimas silenciadas e só elas sabem o que sentem e sofrem. A pensão, como o salário, não é um subsídio nem uma esmola, mas um direito.

Não pagar o salário a quem trabalha é um pecado que brada ao céu.

(8/10/2014)