Na era do "politicamente correto"
Num
tempo de eufemismos, surpreendeu-me a frontalidade de Isabel Jonet, presidente
da Federação dos Bancos Alimentares, no final do 29.º Encontro da Pastoral
Social. Depois de denunciar os profissionais
da pobreza e a transmissão
intergeracional da pobreza, apelou para o reforço da cooperação entre as
instituições que precisam de trabalhar em rede para combater este flagelo. São
suas estas palavras: Em Portugal há
aquilo a que chamamos a transmissão intergeracional da pobreza e temos que
quebrar essa transmissão. Há profissionais da pobreza habituados a andar de mão
estendida, sem qualquer preocupação em mudar, e as instituições têm que fazer o
acompanhamento e a supervisão para se quebrar os ciclos de pobreza.
No
JN de 14 de setembro, falou de pobreza
estrutural e de pobreza conjuntural.
Na primeira, incluiu as famílias onde a pobreza passa de pais para filhos. Para
estas, propõe uma educação em que se incuta o sentido da responsabilização pela
própria vida. Não basta dar… Na segunda, estão as famílias “que nunca pensaram passar por restrições”
mas que, devido ao desemprego e endividamentos anteriores, estão a viver
situações dramáticas. Estas são as maiores vítimas da crise e precisam de
atenção especial por parte das instituições de solidariedade. Todos
conheceremos famílias que se enquadram nestas categorias.
Revejo-me
na sua análise e gostaria de acrescentar a pobreza
que brada ao céu. Incluo nesta pobreza quem trabalha e recebe o salário
mínimo, ou ainda menos, e quem trabalhou e fez os descontos exigidos e agora
recebe uma pensão de miséria.
Depois
de feitos os respetivos descontos, o salário mínimo não ultrapassa os 400
euros. Como é que uma família, com vários filhos, mesmo que os dois pais
trabalhem, pode sobreviver com esses valores? (LOC-MTC) Era assim quando o
salário mínimo estava nos 485 euros. Agora subiu 17,80 euros. Foi bom mas sabe
a pouco. A pobreza continua. O salário não é questão de solidariedade, mas de
justiça “stricto sensu”- justiça comutativa segundo a qual uma permuta é justa
quando os dois termos da troca têm o mesmo valor. O contrário é fraude, é
roubo. O trabalhador dá o seu trabalho e, em contrapartida, recebe um salário
que não satisfaz as suas necessidades. E nem tudo se deve à crise. É que os
“vampiros” de Zeca Afonso não morreram com o “25 de Abril”…
E
que dizer de quem trabalhou, descontou e agora tem uma reforma de 259,4 euros
mensais? E dos três quartos dos aposentados por velhice que recebem abaixo do
salário mínimo? São vítimas silenciadas e só elas sabem o que sentem e sofrem.
A pensão, como o salário, não é um subsídio nem uma esmola, mas um direito.
Não pagar o salário a quem trabalha é um pecado que brada ao céu.
(8/10/2014)
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