O Tanoeiro da Ribeira

quarta-feira, outubro 15, 2014

"É no mistério que eu encontro a paz"



Das palavras que, em 18 de setembro, o Papa dirigiu aos bispos transcrevo três ideias: “Recomendo-vos sobretudo os jovens e os idosos. Os primeiros porque são as nossas asas e os segundos porque são as nossas raízes”; “Peço-vos principalmente que nunca deis por certo o mistério com o qual fostes investidos”; “Permiti que o sucessor de Pedro olhe profundamente para vós do alto do mistério que nos une”. A primeira encantou-me pela ternura, as seguintes pelo “mistério”.

Por coincidência, no dia seguinte, assisti ao concerto “Fortaleza”, em S. João da Madeira, onde Teresa Salgueiro apresentou o CD “O Mistério”: “Nas ondas do mar/Na luz serena da chuva/Eu sei/ Aguardo as palavras/Suspensas no silêncio/E vou/Abraço o medo/Que a memória traz/É no mistério /Que eu encontro a paz (…).

 O Santo Padre realçou o mistério como fundamento do ministério episcopal, Teresa Salgueiro apresentou-o como fonte da paz. No princípio, na penumbra do palco, uma sombra fez-se palavra. E uma voz doce cantou a esperança: “A luz da manhã/Revela, anuncia/Ó terra, a esperança não é vã/ Renasce a cada dia E o sonho é lugar/Da criação”. E explicou o título do concerto: “A fortaleza e a virtude/Que forjei em mim/Não são de ferro ou de fogo/Eu não combato assim/A minha espada, o meu escudo/A minha oração/ A minha crença nos versos de uma canção”.

A audição do CD, cujas letras ela escreveu, fez-me compreender o porquê da sua gravação no “Convento da Arrábida”. Os poemas trazem reminiscências do “eremita da serra da Arrábida”. A analogia transparece no bucolismo onde o belo é caminho para o transcendente, na linha do “Itinerarium Mentis in Deum” de S. Boaventura; no alcance metafórico dos elementos naturais; na intuição mística; na saudade do futuro. O poema “Cântico” é um convite à contemplação do mistério na natureza: ”Vem comigo ver noite de luar/O firmamento/O brilho das estrelas, de todos os astros/Em movimento/Quisera eu/Imitar a sua dança, o seu encanto/Desnudar a minha esperança”. E “A Espera” canta o amanhã que se anseia: “É a saudade/que me transporta/A um lugar de claridade. (…) Aqui o tempo não me consegue alcançar/ Canto a saudade/Canto esta espera/A eternidade”

Estes e outros poemas trazem-me à mente os versos de Frei Agostinho da Cruz: “ Por onde quer que for, levantarei/Os meus olhos ao céu, de cuja vista/Aquelas saudades colherei”; “Ah! Doce saudade, alta, divina/Da visão de seu Deus, em que se acende.”

Mistério. Que Mistério? Não será este um outro nome de Deus? Um nome menos gasto pelo uso e abuso? De um Deus menos enclausurado nas categorias humanas, menos objetivado, menos antropomórfico?

O que quis o Santo Padre dizer com “Nunca deis por certo o mistério”?

“No princípio era a Palavra” (Jo 1,1)

(15/10/2014)