O Tanoeiro da Ribeira

quarta-feira, novembro 05, 2014

Por que estavas do outro lado?



Frei Alfredo era o superior do convento dos capuchinhos em Bolonha quando, em 2006, meu filho esteve internado no Instituto Ortopédico Rizzoli. Informado por um amigo da sua presença, Frei Alfredo passou a ir visitá-lo e sempre era recebido com um sorriso. Momentos de oração e de confidências em comum. Ficou a amizade. Em nós, misturada com gratidão. Nele, memória dum calvário partilhado na Fé. Atualmente é superior do convento de Fidenza e pároco de S. Francisco nessa cidade, continuando a deslocar-se a Bolonha para lecionar direito canónico.
 
Como preparação dos 25 anos da sua profissão religiosa, em 7 de outubro, aproveitou as férias para realizar uma peregrinação a pé a Fátima e a Santiago de Compostela. Peregrinou sozinho para, no silêncio e em comunhão com a natureza, rezar e meditar. De mochila às costas onde levava o imprescindível para a viagem e ainda o hábito, pão e vinho para a Eucaristia, tinha por único guia o mapa de peregrino que lhe indicava o caminho e os albergues onde pernoitava. Nada o distinguia, a não ser o “tau” (símbolo franciscano que evoca a ideia do tempo e da eternidade) que trazia ao peito. Começou a viagem a pé em Santarém. Em Fátima, celebrou na basílica da Santíssima Trindade. A partir daí, seguiu o Caminho de Santiago que o trouxe até ao Porto onde recuperou forças para continuar. Quando, no dia 23 de setembro, chegou à catedral de Santiago, tinha percorrido a pé cerca de 500 quilómetros, muitos dos quais sob chuva tão intensa quão inesperada.

E o título desta crónica? Aconteceu numa das Eucaristias que Frei Alfredo concelebrou no Porto. Durante os dois dias que aqui passou, brincou com o meu neto: construiu barcos e aviões de papel, fez corridas… E o Francisco, na traquinice dos seus três anos, tratava-o como mais um colega da “escolinha”. À noite, quando viu o companheiro de brincadeira no altar não mais tirou os olhos dele. Após a Missa, já no carro dos pais, perguntou-lhe: “por que estavas do outro lado?” Esta pergunta deixou-me a pensar… Para aquela criança, a celebração eucarística pôs o amigo do “outro lado, ele que, durante todo o dia, sempre estivera do seu lado. E interroguei-me: a celebração eucarística será sempre sinal dum Povo que, com alegria, peregrina para a Casa do Pai? Em vez de gerar comunhão, não poderá, por vezes, criar distanciações entre irmãos que, segundo S. Pedro, fazem parte da mesma “ raça escolhida, sacerdócio real, nação santa, povo adquirido para Deus (I Pe 2,9)? Como fazer para que a Eucaristia, especialmente “no anónimo ambiente metropolitano”, ajude a criar e fortaleça os ”círculos interfamiliares de vizinhos e amigos” de que fala o cardeal Kasper em “O Evangelho da Família”?

(5/11/2014)