Por que estavas do outro lado?
Frei Alfredo era o superior do convento dos
capuchinhos em Bolonha quando, em 2006, meu filho esteve internado no Instituto
Ortopédico Rizzoli. Informado por um amigo da sua presença, Frei Alfredo passou
a ir visitá-lo e sempre era recebido com um sorriso. Momentos de oração e de
confidências em comum. Ficou a amizade. Em nós, misturada com gratidão. Nele,
memória dum calvário partilhado na Fé. Atualmente é superior do convento de
Fidenza e pároco de S. Francisco nessa cidade, continuando a deslocar-se a
Bolonha para lecionar direito canónico.
Como preparação dos 25 anos da sua
profissão religiosa, em 7 de outubro, aproveitou as férias para realizar uma
peregrinação a pé a Fátima e a Santiago de Compostela. Peregrinou sozinho para,
no silêncio e em comunhão com a natureza, rezar e meditar. De mochila às costas
onde levava o imprescindível para a viagem e ainda o hábito, pão e vinho para a
Eucaristia, tinha por único guia o mapa de peregrino que lhe indicava o caminho
e os albergues onde pernoitava. Nada o distinguia, a não ser o “tau” (símbolo franciscano que evoca a ideia do
tempo e da eternidade) que trazia ao peito. Começou a viagem a
pé em Santarém. Em Fátima, celebrou na basílica da Santíssima Trindade. A partir
daí, seguiu o Caminho de Santiago que
o trouxe até ao Porto onde recuperou forças para continuar. Quando, no dia 23
de setembro, chegou à catedral de Santiago, tinha percorrido a pé cerca de 500
quilómetros, muitos dos quais sob chuva tão intensa quão inesperada.
E o título desta crónica? Aconteceu numa das
Eucaristias que Frei Alfredo concelebrou no Porto. Durante os dois dias que
aqui passou, brincou com o meu neto: construiu barcos e aviões de papel, fez
corridas… E o Francisco, na traquinice dos seus três anos, tratava-o como mais
um colega da “escolinha”. À noite, quando viu o companheiro de brincadeira no
altar não mais tirou os olhos dele. Após a Missa, já no carro dos pais,
perguntou-lhe: “por que estavas do outro
lado?” Esta pergunta deixou-me a pensar… Para aquela criança, a celebração
eucarística pôs o amigo do “outro lado,
ele que, durante todo o dia, sempre estivera do seu lado. E interroguei-me: a
celebração eucarística será sempre sinal dum Povo que, com alegria, peregrina
para a Casa do Pai? Em vez de gerar comunhão, não poderá, por vezes, criar
distanciações entre irmãos que, segundo S. Pedro, fazem parte da mesma “ raça
escolhida, sacerdócio real, nação santa, povo adquirido para Deus (I Pe 2,9)?
Como fazer para que a Eucaristia, especialmente “no anónimo ambiente
metropolitano”, ajude a criar e fortaleça os ”círculos interfamiliares de
vizinhos e amigos” de que fala o cardeal Kasper em “O Evangelho da Família”?
(5/11/2014)
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