O Tanoeiro da Ribeira

sábado, maio 23, 2009

A propósito do “28 de Maio” …

A Frente Nacional

Há dias, um dirigente de um sindicato conotado com a Esquerda, confessava-me: “Na direcção, sou o único que me assumo como católico. Os meus colegas acusam-nos de sermos cúmplices com o “Estado Novo” e eu não sei como responder-lhes.”

É verdade que…

-os católicos rejubilaram com a queda da Primeira República. Os governantes, com a privatização dos bens da Igreja, a proibição do culto público e a perseguição a Bispos e Padres, ofenderam a consciência religiosa do povo. Recordo a voz magoada de minha mãe quando se queixava dos carbonários que maltrataram o “senhor Abade que era um santo”.
-a hierarquia católica ficou grata a Salazar por lhe ter restituído direitos, liberdades e algumas regalias que a República tirara
-houve atitudes ambíguas e silêncios ruidosos… cumplicidades

… Mas também é verdade que

* Na década de 40:

- No MUD militam católicos como Francisco Veloso, antigo dirigente do CADC e Pe. Alves Correia que morreu exilado na América.
- O Pe. Abel Varzim é afastado de todos os cargos na Acção Católica.
- Nas eleições com Norton de Matos, Orlando de Carvalho, católico, é expulso da Universidade de Coimbra por defender eleições livres.
* Na década de 50:
- A JOC organiza um congresso internacional com a presença de mais de mil militantes. A Censura impediu a publicação das conclusões.
-A JUC, com o jornal “Encontro”, tornou-se um alfobre de jovens intelectuais católicos que marcaram o “pós-25 de Abril”. Destes, lembro João Bénard da Costa, o “ Senhor Cinema”, falecido no passado dia 21 de Maio, que João Mário Grilo considerou “uma figura decisiva na preparação de Portugal para a democracia num país carenciado de pessoas que sacrificavam a vida por uma causa pública e por valores essenciais.”

- O Bispo do Porto escreve a “Carta a Salazar” que lhe valeu 10 anos de exílio.
-Na campanha de Humberto Delgado, com a participação de muitos católicos, um grupo de 28 personalidades católicas pede ao jornal Novidades para não assumir “nenhuma posição partidária”. Assinavam a carta Manuela Silva, Murteira Nabo, João Salgueiro, Alçada Baptista.
- Um grupo de 43 destacados católicos - seis padres e leigos, entre os quais F. Sousa Tavares, G. Ribeiro Teles, Sofia de Mello Breyner- escreve uma carta aberta a Salazar, intitulada “As relações entre a Igreja e o Estado”
- As convulsões eram tantas que Salazar, em Dezembro de 1958, ameaça a Hierarquia Católica com a revogação da Concordata, caso ela não fosse capaz de assegurar a “frente nacional”.
- 26 Padres de Lisboa, incluindo o Pe. Felicidade Alves, escrevem uma carta ao jornal A Voz defendendo o Bispo do Porto.
- Trezentos Padres do Porto entregam ao Núncio Apostólico uma carta de protesto contra o exílio do seu Bispo.
- A fracassada revolta da Sé, com o objectivo de derrubar o regime, teve como principal activista civil o antigo jocista, Manuel Serra e contou com apoio do Pe. Vasconcelos Perestrelo. Os cabecilhas foram presos.
Ao findar a década de cinquenta, a “frente nacional” encontrava-se definitivamente abalada. Os anos seguintes, com o Vaticano II e a Guerra em África, vieram reforçar as dissidências.
Esta brevíssima resenha histórica pode ser enriquecido com a leitura dos livros: “Provas” de D. António Ferreira Gomes e “A Oposição Católica ao Estado Novo” de João Miguel Almeida.

segunda-feira, maio 04, 2009

TESOUROS EM VASOS DE VIDRO

Salmo 70 - “ Na minha velhice não me rejeiteis.
Ao declinar de minhas forças não me abandoneis.”

“Os idosos são as pessoas mais sós e representam a solidão no meio de muita gente. ” P. Lino Maia, Presidente da CNIS


Há uns tempos atrás fui visitar uma familiar internada num lar de 3º Idade. Quando lá cheguei, perguntei pela D. Maria Emília. A empregada, surpreendida, respondeu-me que não conhecia ninguém com esse nome. “Só se for a Micas”, disse-lhe uma colega. Virando-se para mim, disse, muito simpaticamente, “ eu vou chamar a Miquinhas”. Estava bem tratada mas sempre fora a D. Maria Emília ou simplesmente Emília e nunca a Micas ou Miquinhas. No mínimo, posso dizer que fiquei surpreendido…
Por coincidência, há dias, li, no último número da revista “espaço solidário”, da Obra Diocesana de Promoção Social, um texto que me encantou. Trata-se de “uma carta endereçada a um Lar de Idosos por uma enfermeira americana que, preparando o futuro, resolveu dar indicações sobre a forma como desejava ser tratada.”

Com a devida vénia, resolvi transcrever alguns excertos.

1. Gostaria de conservar a minha identidade. Sou a Sra. Wills e é assim que desejo que me tratem. Não quero converter-me em “avozinha”, em “Rosinha” ou na “Senhora da cama 9”. Quero manter o meu nome.

2. Uma das coisas mais importantes para mim é a minha intimidade. Poderei ter um quarto individual? Provavelmente não, e nesse caso vede bem se há cortinas em torno da cama e se estão corridas enquanto me lavam ou vestem;

3. Se tendes que me lavar, assegurai-vos da temperatura da água. Dêem muita atenção em secar-me bem. Quando me derem banho, cuidai não só da minha higiene, mas também da minha dignidade e intimidade, por favor.

4. Se não for capaz de me vestir só, espero que quem me cuidar se esforce em manter a minha boa aparência; gostaria que desse atenção ao que me veste (até tentando que as blusas combinem com as saias), que não me ponham meias velhas (ou collants com malhas), que não permita que a combinação apareça por debaixo do vestido e, por Deus, não me enrole as meias abaixo dos joelhos!

5. Algumas vezes irei à sala. Se pudéssemos estar tranquilos! Estou certa que não é preciso deixar a televisão ligada todo o dia, sem se preocupar se alguém olha para ela.

6. Se tiver livros por perto, vede se tenho os meus óculos.

7. Se, no momento das refeições, for incapaz de cortar os alimentos, espero que alguém o faça por mim Se for preciso, não tenho nenhum inconveniente em comer com colher desde que me sirvam a comida num prato fundo. Gostaria de ter um guardanapo, nem que seja de papel, mas que não seja uma “babete”.

8. Se me tornar incontinente, poderiam continuar a tratar-me como um ser humano? Por favor, não me façam cara feia quando descobrirem os meus lençóis molhados. Não me tratem nunca por “porquinha”, não me ralhem como se o fizesse de propósito. Se posso usar fraldas, não me ponham algália por razões puramente práticas. Não quero passear-me com um saco de urina pendurado.

9. Seria uma prova de gentileza da vossa parte algum interesse pela minha família, pelas fotos que tenho na mesa-de-cabeceira; no entanto, parecer-me-ia pouco caridoso que me perguntassem por que não se ocupam de mim os meus familiares ou por que razão os meus filhos não me vêm visitar.

10. Serei feliz se puder sair de vez em quando, ver árvores em flor na Primavera…

11. Permitam-me que participe do vosso mundo. Falai-me da vossa família, dos vossos amigos, deixai que fale da minha vida passada; fingi, se for preciso, que vos interessais, mesmo quando repetir o que disse ontem ou antes de ontem.”

"Os mais pequeninos"...
Que o Senhor dê forças a todos os que cuidam de idosos e deficientes. Exercem a mais sublime das missões: ajudam aqueles em quem e por quem Deus fez maravilhas. E a quem devemos muito do que somos. Eu sei, não é tarefa fácil. Exige muita paciência e sempre muito carinho. Eles precisam e merecem. E Deus agradece: “Todas as vezes que fizestes isto a um destes meus irmãos mais pequeninos, foi a mim mesmo que o fizestes” (Mt. 25,40).Nestes tempos de infantolatria, "os irmãos mais pequeninos" são, especialmente os idosos e deficientes.


O invólucro é frágil mas a jóia é preciosa… Num tempo que tanto valoriza o “embrulho”, a Fé ajuda-nos a ver para além das aparências… E fortifica-nos.
Uma palavra de homenagem a todas as pessoas, famílias e instituições que cuidam dos mais fragilizados. Os vossos sorrisos e carinhos são as suas amêndoas de Páscoa…

... e os sinos não tocaram...

Foi em Fátima que, este ano, festejei o “Dia da Mãe”.

Havia já muitos anos que lá não pernoitava. E tive uma agradável surpresa. Durante a noite, não ouvi as horas no relógio da Basílica. Disseram-me que de noite o relógio fica desligado.

A sacralização do tempo e do espaço
O homem primitivo vivia mergulhado no sagrado. Para ele, as coisas materiais participavam do sagrado e manifestavam-no. Diz-se que eram hierofanias. No entanto, era nos “ espaços fortes” do sagrado que se realizavam os ritos que também sacralizavam o tempo.



Fátima, para mim, é um lugar onde sinto paz; onde me sabe bem rezar; onde se faz mais forte o apelo à Transcendência; onde me faço próximo daqueles que sofrem; onde experimento a universalidade da Igreja na multiplicidade de línguas e povos que aí se cruzam. É assim que leio o letreiro da entrada do recinto:”Este é um lugar sagrado.”
A cristianização dos espaços

Eu sei. Cristo, em resposta à samaritana, disse “que os verdadeiros adoradores hão-de adorar o Pai em espírito e verdade” (Jo.,4,23). Os cristãos não precisam de um lugar específico para falarem com o Pai. Mas, mesmo assim, sentem necessidade de um espaço onde refulja a presença do sagrado. Muitos lugares de antigos cultos agrários foram cristianizados. Assim nasceram as capelas nos cimos dos montes. A igreja transformou-se no centro da aldeia. Era um ponto de referência, um apelo constante ao sagrado, em volta do qual se organizava a vida do dia-a-dia. Para maior visibilidade, a torre sineira começou a elevar-se no céu. Também o tempo diário se deveria organizar em função do sagrado. Dos mais velhos, quem não se lembra do “toque das trindades”? O sino começou a marcar o ritmo da vida quer no trabalho quer no lazer.
Como recordo aquela canção de infância:
I
O sino pela manhã
Num constante badalar
Tocando diz com afã
São horas de levantar.
Dlão. Dlão. Dlão

II
Dançando ao som das cantigas
Andam a rir e a folgar,
Rapazes e raparigas
E o sino sempre a tocar.

III
O sino toca à tardinha
Hora de reza e saudade
E chora a gente velhinha
Lembrando a mocidade…


O sino convocava para a missa, anunciava baptizado ou casamento. Era o primeiro a pedir uma oração por um irmão que “estava sobre terra”… E, quando havia incêndio, o “toque a rebate” era um grito de socorro. Na base de algumas torres sineiras, havia placas que, pelo número de toques, indicavam o lugar do incêndio. Ainda se podem ver na igreja de S. Lourenço (Grilos) e na de Nossa Senhora da Esperança no Jardim de S. Lázaro no Porto. Merecem uma visita.


Depois surgiu o “relógio da igreja” que passou a marcar as horas para toda a aldeia. Inicialmente, era o”relógio de sol”. Lembro o que encima a igreja do mosteiro medieval de Santa Maria das Júnias em Pitões das Júnias. Recentemente, vieram os relógios eléctricos. Depois, associaram-se músicas que tocam mesmo durante a noite. E com as amplificações sonoras e a música gravada…
Ainda ouço aquele meu amigo da Ribeira-Lima, dos primeiros com turismo de habitação, a lamentar-se: os ingleses vêm cá, mas, no final da primeira noite, já estão a ir-se embora porque não conseguem dormir com os relógios a tocar toda a noite

Começaram a surgir conflitos. Competições… Vaidades…

As mudanças na sociedade

A sociedade é outra. Os tempos mudaram. O ritmo de vida também. E toda a gente tem o direito a uma noite descansada e um bocadinho mais ao fim-de-semana. Respeitar os direitos dos outros é uma questão de Justiça. Não pode praticar a Caridade quem não respeita a Justiça. E a Caridade é o grande mandamento que nos identifica com Cristo e O revela ao mundo…