O Tanoeiro da Ribeira

segunda-feira, maio 04, 2009

... e os sinos não tocaram...

Foi em Fátima que, este ano, festejei o “Dia da Mãe”.

Havia já muitos anos que lá não pernoitava. E tive uma agradável surpresa. Durante a noite, não ouvi as horas no relógio da Basílica. Disseram-me que de noite o relógio fica desligado.

A sacralização do tempo e do espaço
O homem primitivo vivia mergulhado no sagrado. Para ele, as coisas materiais participavam do sagrado e manifestavam-no. Diz-se que eram hierofanias. No entanto, era nos “ espaços fortes” do sagrado que se realizavam os ritos que também sacralizavam o tempo.



Fátima, para mim, é um lugar onde sinto paz; onde me sabe bem rezar; onde se faz mais forte o apelo à Transcendência; onde me faço próximo daqueles que sofrem; onde experimento a universalidade da Igreja na multiplicidade de línguas e povos que aí se cruzam. É assim que leio o letreiro da entrada do recinto:”Este é um lugar sagrado.”
A cristianização dos espaços

Eu sei. Cristo, em resposta à samaritana, disse “que os verdadeiros adoradores hão-de adorar o Pai em espírito e verdade” (Jo.,4,23). Os cristãos não precisam de um lugar específico para falarem com o Pai. Mas, mesmo assim, sentem necessidade de um espaço onde refulja a presença do sagrado. Muitos lugares de antigos cultos agrários foram cristianizados. Assim nasceram as capelas nos cimos dos montes. A igreja transformou-se no centro da aldeia. Era um ponto de referência, um apelo constante ao sagrado, em volta do qual se organizava a vida do dia-a-dia. Para maior visibilidade, a torre sineira começou a elevar-se no céu. Também o tempo diário se deveria organizar em função do sagrado. Dos mais velhos, quem não se lembra do “toque das trindades”? O sino começou a marcar o ritmo da vida quer no trabalho quer no lazer.
Como recordo aquela canção de infância:
I
O sino pela manhã
Num constante badalar
Tocando diz com afã
São horas de levantar.
Dlão. Dlão. Dlão

II
Dançando ao som das cantigas
Andam a rir e a folgar,
Rapazes e raparigas
E o sino sempre a tocar.

III
O sino toca à tardinha
Hora de reza e saudade
E chora a gente velhinha
Lembrando a mocidade…


O sino convocava para a missa, anunciava baptizado ou casamento. Era o primeiro a pedir uma oração por um irmão que “estava sobre terra”… E, quando havia incêndio, o “toque a rebate” era um grito de socorro. Na base de algumas torres sineiras, havia placas que, pelo número de toques, indicavam o lugar do incêndio. Ainda se podem ver na igreja de S. Lourenço (Grilos) e na de Nossa Senhora da Esperança no Jardim de S. Lázaro no Porto. Merecem uma visita.


Depois surgiu o “relógio da igreja” que passou a marcar as horas para toda a aldeia. Inicialmente, era o”relógio de sol”. Lembro o que encima a igreja do mosteiro medieval de Santa Maria das Júnias em Pitões das Júnias. Recentemente, vieram os relógios eléctricos. Depois, associaram-se músicas que tocam mesmo durante a noite. E com as amplificações sonoras e a música gravada…
Ainda ouço aquele meu amigo da Ribeira-Lima, dos primeiros com turismo de habitação, a lamentar-se: os ingleses vêm cá, mas, no final da primeira noite, já estão a ir-se embora porque não conseguem dormir com os relógios a tocar toda a noite

Começaram a surgir conflitos. Competições… Vaidades…

As mudanças na sociedade

A sociedade é outra. Os tempos mudaram. O ritmo de vida também. E toda a gente tem o direito a uma noite descansada e um bocadinho mais ao fim-de-semana. Respeitar os direitos dos outros é uma questão de Justiça. Não pode praticar a Caridade quem não respeita a Justiça. E a Caridade é o grande mandamento que nos identifica com Cristo e O revela ao mundo…