O Tanoeiro da Ribeira

quarta-feira, outubro 30, 2019

A MISSÃO EXIGE PAIXÃO




No dia 21 de outubro, enviei para o “facebook” uma imagem que ilustra este texto com a seguinte legenda: “Estátua, ontem, inaugurada em frente ao antigo Colégio das Missões Ultramarinas, em Cernache do Bonjardim, onde estudou D. António Barroso que foi missionário em Angola/Congo, Moçambique e Índia e dizia que o missionário devia levar numa mão a cruz e noutra a enxada. Bispo do Porto entre 1899 e 1918, ficou conhecido como «bispo dos pobres». Quando perseguido, preso e exilado, dizia: de duas coisas não hei de morrer: de parto ou de medo”.

Logo recebi vários comentários, realçando a presença da “cruz e da enxada”  

Para explicitar melhor este simbolismo, transcrevo uma perícope do discurso «O Congo, seu passado, presente e futuro» que D. António Barroso apresentou na Sociedade de Geografia de Lisboa, em 7 de Março de 1889, e desenvolveu, depois, em conferências de teor idêntico, no Ateneu Comercial do Porto, no Instituto de Coimbra e em Braga:

“O missionário deve levar em uma das mãos a Cruz, símbolo augusto da paz e da fraternidade dos povos, e na outra a enxada, símbolo do trabalho abençoado por Deus. Deve ser padre e artista, pai e mestre, doutor e homem da terra; deve tão depressa pôr a sua estola (...), como empunhar a picareta para arrotear uma courela de terreno.”

Em vez da tradicional “cruz e espada”.  D. António Barroso mantém o primado da cruz mas substitui a espada pela enxada. O Evangelho não se impõe pela força das armas mas pela solidariedade do amor.

Dos comentários que recebi um houve que me deu especial conforto. Veio de Angola: “Em Luanda foi uma das poucas ruas às quais não mudaram o nome e é uma das ruas mais bonitas e importantes da cidade”. Como é bom saber que o povo angolano honra o nome de quem, por ele, sacrificou a própria saúde. Como afirmou, no ato da inauguração, o atual Superior Geral da Sociedade Missionária da Boa Nova, P. Adelino Ascenso, “não há missão sem paixão”. E já, no passado dia 1 de outubro, o Papa Francisco dissera que devemos ser “ativos no bem. Não notários da fé e guardiões da graça, mas missionários.” D. António era apaixonado e criativo no anúncio da Boa Nova e na prática do Bem. Por isso, a sua memória se perpetua ao longo do tempo. Também, no Porto.

O monumento, agora inaugurado, tem gravado, no sopé da imagem, os nomes dos 320 missionários, formados no Real Colégio das Missões que prestaram serviço nas Missões do Padroado Português. Na pessoa do Dr. Amadeu Araújo, parabéns à “Postulação da Causa da Canonização” e aos “Amigos de D. António Barroso” que, deste modo, prestaram “homenagem à MISSIONAÇÃO PORTUGUESA” de que D. ANTÓNIO BARROSO é um sublime luzeiro. (30/10/2019)

 

quinta-feira, outubro 24, 2019

GOSTEI MUITO DE VIVER



Em 2007, D. Manuel Clemente disse que a inclusão de «Promoção Social» no nome da Obra Diocesana “foi um triunfo e é um trunfo” e interrogou-se sobre quem estaria na sua origem. Foi-lhe dito que resultou do encontro de duas cristãs em busca de rumos novos, D. Julieta Cardoso, do Secretariado Diocesano de Acção Social e Dr.ª Manuel Silva, técnica do Ministério da Saúde e Assistência.

 

O livro “Nos Alvores…”, à pergunta “Como foi possível o Governo de Salazar dar personalidade jurídica a uma Obra que tinha por objetivo «Promover a valorização social dos grupos humanos… consciencializando-os das suas potencialidades…?», responde: “Esta aprovação só foi possível porque a Dr.ª Manuela Silva, nossa interlocutora, compreendeu os objetivos e nos apoiou”. Foram “duras e longas” as reuniões na Direção Geral de Assistência onde a ideia de «promoção social» soava a subversiva. Pelo que sei, sem a lúcida e empenhada mediação da Dr.ª Manuela Silva, nunca teria sido aprovada a «Obra Diocesana de Promoção Social na Cidade do Porto», a única do seu género no País.

A minha homenagem, nesta hora em que agradecemos a sua vida e choramos a sua morte.

No dia 8 deste mês, a “Agência Ecclesia”, apresentou várias mensagens que recordavam esta mulher de «causas», de que respigo:

- Presidente da C. N. Justiça e Paz: “O seu testemunho de dedicação constante e incansável às causas da Justiça e da Paz, inspirado no Evangelho (…). De modo especial, tinha em mira o combate à pobreza como violação dos direitos humanos”.

- Presidente da República: “Uma vida dedicada a causas de grande relevância económica e social, nas quais se incluem a justiça social, luta contra a pobreza e defesa dos Direitos Humanos”.

O Observador” acrescentava uma nota do presidente da Assembleia da República: “Economista de grande mérito e académica por excelência, destacou-se no combate às desigualdades, tendo sido, até ao seu desaparecimento, uma das vozes mais importantes na temática da pobreza, em cuja erradicação se empenhou particularmente”.

7Margens” cita o presidente da Cáritas Portuguesa: “Foi uma mulher exemplo para todos nós e uma referência para a Igreja em Portugal, foi o ícone daquilo que é o social da Igreja em Portugal.(…) Partiu com o coração inundado de esperança. Ela estava a viver estes tempos da Igreja sob o pontificado do Papa Francisco com uma intensidade muito forte, muito animada por este tempo de renovação.”

No «facebook», D. Carlos Azevedo escreveu: “Economista orientada pela fraternidade de raiz evangélica, lutadora incansável pela justiça social e disponível para apontar vias em ordem à erradicação da pobreza, não teve facilitada a vida.” Apesar de, ou por isso, já no hospital pediu a quem a acompanhava: “Vou partir, mas diz aos meus amigos que gostei muito de viver” (cf.7Margens).

 Muito obrigado. Deus a tenha na Sua Paz. (23/10/2019)

 

quarta-feira, outubro 16, 2019

NO INÍCIO DO ANO LETIVO


«Para a Escola ser a segunda Família, a Família tem de ser a primeira Escola». Quando o não é…Lembrei-me desta frase ao ler um texto do JN (9/9/2019) de que, com vénia, transcrevo e comento algumas perícopes.

A educação das crianças devia começar em casa, com os pais. Mas não. Hoje em dia, inicia-se primeiro nos smartphones, uma espécie de baby-sitter virtual que trata de anestesiar os miúdos.” Podemos comprová-lo em qualquer restaurante. As crianças passam o tempo agarradas aos “tablets” enquanto os pais ficam alheados ao telemóvel.

 “Pais e professores estão a ser substituídos por youtubers e influenciadores digitais nos conselhos e nas dicas. São os exemplos que os mais pequenos seguem, relegando para segundo plano o papel do pai e da mãe” Os modelos que os influenciam vêm duma sociedade que, em pílulas açucaradas, vai passando mensagens subliminares que geram dependências.

As férias de verão também serviram para percebermos que são demasiados os pais que delegam no telemóvel a função de entreter e educar, enquanto não chega a hora de voltar à escola.” E a criança que passou meses com videojogos, num mundo virtual sem regras nem horários, como poderá adaptar-se à dureza da “realidade” escolar com tarefas e regras a cumprir? E inferniza a sala de aula.

Portanto, no arranque deste ano letivo, estes mesmos encarregados de educação não devem responsabilizar nem os professores nem a escola pelo mau comportamento ou insucesso dos filhos. As escolas têm de ajudar os pais, é certo. Mas não podem assumir a responsabilidade que deveria partir de casa.” Mestres em pedagogia… O mais fácil é culpar os outros.

“Valia também a pena que os atores políticos e sindicais tirassem um pouco do tempo que gastam nas lutas laborais para se debruçarem sobre o tema.” Os jornais vão noticiando agressões a professores, por vezes, nas próprias salas de aula, e nunca vi o Governo defender os seus trabalhadores. E a Assembleia da República já gastou alguns minutos a verberar estes atos bárbaros? E os Sindicatos? E…? E…?

Por medo ou hipocrisia, paira um cúmplice manto de silêncio. E, no entanto, todos falam da importância da escola na formação das novas gerações…

 Dentro em breve, não teremos professores suficientes porque não há quem o queira ser. Desde 2010, já se aposentaram 19 433 e muitos outros o anseiam…Mais, nas últimas quatro décadas, desceu em 60% o número de alunos a frequentar os cursos ligados à Educação. E a primeira razão, diz a diretora da ESE do Porto, é “a perda de prestígio dos professores”(JN, 3/10/2019). Por isso, o reitor da UTAD diz que urge “um reconhecimento público da profissão de Professor”.

Em Dona Beatriz, minha professora primária que já partiu, Dr. Marques, meu professor de Filosofia e D. Serafim, de Teologia, que connosco peregrinam, expresso a minha gratidão aos meus mestres. E neles, a minha homenagem a todos os professores.

(16/10/2019)

 

 

quarta-feira, outubro 09, 2019

EVANGELIZAR E SERVIR


 
Era um jovem de 27 anos, quando, em 27 de setembro de 1969, entrou na paróquia de S. Nicolau, na Ribeira do Porto.

O Conselho Pastoral, sob o lema «50 anos em comunidade – evangelizar e servir», comemorou essa data em dois momentos.

O primeiro, na noite do passado dia 27, foi um encontro feito de orações, cânticos, leituras bíblicas, gestos simbólicos, metáforas e testemunhos em que os mais idosos davam voz à memória e os cânticos dos mais novos, ritmado pelo balbuciar dos bebés, abriam para renovados horizontes de esperança.

O segundo aconteceu na tarde do dia 28, com uma Eucaristia, presidida por D. Manuel Linda que, na homilia, comentando a parábola do “pobre Lázaro”, realçou as duas veredas que os cristãos devem calcorrear: uma, vertical, que nos leva até Deus e outra, horizontal, que nos liga aos irmãos. Para concluir que estas duas coordenadas têm orientado a vida do P. Jardim.

E duas perguntas me ficaram:

- Que comunidade é esta que sumariou cinquenta anos de vida sacerdotal com apenas dois verbos: evangelizar, servir?

À imagem do seu pároco, é gente de bem que faz da união a sua força onde todos se desdobram em serviços sem donos nem mandões; um «pequeno resto» que cultiva um forte sentido de pertença e missão; um «fermento» de convivência entre vizinhos; pessoas afáveis, de coração sempre disponível para acolher quem delas precise.

- Que sacerdote é este que gostaria de ser recordado “como alguém que lutou pelo bem do próximo e não desanimou”? (17/12/2018)

A preocupação pelos mais pobres, bebida no seio materno, fez-se opção de vida ao dizer a D. António que gostaria de ir para uma “paróquia pobre e descristianizada”. D. António, regressado do exílio em julho de1969, logo em setembro, nomeou-o para S. Nicolau, então um viveiro de gente pobre apinhada em lúgubres tugúrios e onde o próprio pároco não tinha casa para viver. Na sua entrada na paróquia, o sacristão foi a única pessoa que o recebeu. E quando passava na rua era mimado com «piropos» como: “vai trabalhar, ó moina!”.

Pobre entre pobres, cedo compreendeu “que Deus o enviava a Amá-los com o seu Amor, a amá-los na sua integridade total, como Jesus fez e nos ensinou na resposta que dá na parábola do Bom Samaritano: vai e faz tu também o mesmo”. Ao fazer 25 anos como presidente da «EAP/Rede Europeia Anti-Pobreza» confessou: “Assumir esta função deu-me a oportunidade de poder ser mais interventivo, de atuar numa esfera social que me é particularmente tocante; de, com inteira liberdade e alegria, sem medo e com esperança, lutar pelas pessoas mais desfavorecidas, dignificando-as.”

Esclarecido no pensar, perseverante no agir, afável no trato, o P. Jardim procura «transformar o mundo, de selvagem em humano e de humano em divino» (Pio XII): “Sou realista. E vejo a realidade perigosa. Mas sou otimista porque tenho fé e acredito num mundo de amor e não em marionetas de falsa felicidade”

(9/11/2019)

 

 

quarta-feira, outubro 02, 2019

ONDE ESTÁ O OUTRO?


            Aconteceu, no início dos anos setenta, na festa de S. Bartolomeu, em Ponte da Barca. O meu amigo Cândido falou-me dum sobrinho que - para fugir à “miséria imerecida do mundo rural”, denunciada por D. António Ferreira Gomes - partiu, quase-criança, para França e não mais voltou E confidenciou-me: “Há dias apareceu. Está escondido em casa. Basta uma denúncia e é preso porque não fez o serviço militar. Veio, como fora, de noite e «a salto», para ver a mãe que está a morrer Mas, agora, precisa de alguém de confiança que o transporte até perto da fronteira. E não tem…”

- E tu queres que eu o leve no meu carro, não é?

- É, mas sei os riscos que corres... E eu também sabia… Mas aquele filho merecia…

No dia seguinte, bem cedo, saímos de sua casa, com muitos cuidados. Na última curva antes da fronteira da Madalena, como fora combinado, encostei à berma, abrandei sem parar, para não levantar suspeitas. O jovem esgueirou-se pela porta entreaberta e desapareceu, como um coelho, por entre as giestas. Só porque quis dar um beijo à mãe moribunda… Jamais esquecerei esta imagem!

Seguimos até à fronteira onde metemos conversa com os guardas da G.N.R.. Falámos do bairro da P.S.P., no Porto, onde, por coincidência, tínhamos amigos comuns. Alguns mandaram cumprimentos para os conhecidos. Escrevi os seus nomes.

No regresso, subimos a serra Amarela para visitar um familiar. Mas não estava ninguém em casa.

Já na estrada principal, um guarda mandou-me parar e, à queima-roupa, perguntou-me:

- Onde está o outro? 

- Que outro?- simulei a máxima serenidade.

- Há um bocado, iam quatro pessoas neste carro. Agora, só vão três.

- O senhor guarda está confundido. Passámos aqui, mas íamos só nós três. Pode perguntar aos seus colegas da fronteira com quem estivemos a conversar. E mostrei-lhe o bilhete com os seus nomes.

O guarda confirmou que eram, de facto, esses os que estavam de serviço.

- Mas eram quatro…- repetia. E perguntou porque demoráramos tanto tempo a regressar.

O meu amigo explicou-lhe que fôramos a casa do seu cunhado, guarda-florestal - cujo nome indicou - para comer um salpicão, mas, por azar, não estava ninguém.

- De facto, de manhã, ele passou aqui com a mulher, confirmou o agente. Tudo batia certo e o guarda ficou confuso.

Depois de muita conversa, foi com grande alívio que o ouvi dizer:

- Está bem, Pode seguir. Mas eram quatro…

 
Pobre Pátria asfixiada! Este era o Portugal de antanho. E agora?

Ir votar no próximo domingo é o mínimo que posso e devo fazer para merecer viver na democracia que nos trouxe a liberdade. E pela qual tantos lutaram…

Sem votantes não há votos; sem votos não há eleições, sem eleições não há democracia; sem democracia não há liberdade…

Como disse D. Américo Aguiar (JN, 23/9), ”gostava que a grande derrotada nestas eleições fosse a abstenção, caso contrário será um fracasso dos media, da Igreja e da própria sociedade”. ( 2/10/2019)