ONDE ESTÁ O OUTRO?
Aconteceu, no início dos anos
setenta, na festa de S. Bartolomeu, em Ponte da Barca. O meu amigo Cândido
falou-me dum sobrinho que - para fugir à “miséria imerecida do mundo rural”, denunciada
por D. António Ferreira Gomes - partiu, quase-criança, para França e não mais
voltou E confidenciou-me: “Há dias apareceu. Está escondido em casa. Basta uma
denúncia e é preso porque não fez o serviço militar. Veio, como fora, de noite
e «a salto», para ver a mãe que está a morrer Mas, agora, precisa de alguém de
confiança que o transporte até perto da fronteira. E não tem…”
-
E tu queres que eu o leve no meu carro, não é?
-
É, mas sei os riscos que corres... E eu também sabia… Mas aquele filho merecia…
No
dia seguinte, bem cedo, saímos de sua casa, com muitos cuidados. Na última
curva antes da fronteira da Madalena, como fora combinado, encostei à berma,
abrandei sem parar, para não levantar suspeitas. O jovem esgueirou-se pela
porta entreaberta e desapareceu, como um coelho, por entre as giestas. Só
porque quis dar um beijo à mãe moribunda… Jamais esquecerei esta imagem!
Seguimos
até à fronteira onde metemos conversa com os guardas da G.N.R.. Falámos do
bairro da P.S.P., no Porto, onde, por coincidência, tínhamos amigos comuns.
Alguns mandaram cumprimentos para os conhecidos. Escrevi os seus nomes.
No
regresso, subimos a serra Amarela para visitar um familiar. Mas não estava
ninguém em casa.
Já
na estrada principal, um guarda mandou-me parar e, à queima-roupa,
perguntou-me:
-
Onde está o outro?
-
Que outro?- simulei a máxima serenidade.
-
Há um bocado, iam quatro pessoas neste carro. Agora, só vão três.
-
O senhor guarda está confundido. Passámos aqui, mas íamos só nós três. Pode
perguntar aos seus colegas da fronteira com quem estivemos a conversar. E
mostrei-lhe o bilhete com os seus nomes.
O
guarda confirmou que eram, de facto, esses os que estavam de serviço.
-
Mas eram quatro…- repetia. E perguntou porque demoráramos tanto tempo a
regressar.
O
meu amigo explicou-lhe que fôramos a casa do seu cunhado, guarda-florestal -
cujo nome indicou - para comer um salpicão, mas, por azar, não estava ninguém.
-
De facto, de manhã, ele passou aqui com a mulher, confirmou o agente. Tudo
batia certo e o guarda ficou confuso.
Depois
de muita conversa, foi com grande alívio que o ouvi dizer:
-
Está bem, Pode seguir. Mas eram quatro…
Pobre
Pátria asfixiada! Este era o Portugal de antanho. E agora?
Ir
votar no próximo domingo é o mínimo que posso e devo fazer para merecer viver
na democracia que nos trouxe a liberdade. E pela qual tantos lutaram…
Sem
votantes não há votos; sem votos não há eleições, sem eleições não há
democracia; sem democracia não há liberdade…
Como
disse D. Américo Aguiar (JN, 23/9), ”gostava que a grande derrotada nestas
eleições fosse a abstenção, caso contrário será um fracasso dos media, da
Igreja e da própria sociedade”. ( 2/10/2019)
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