O Tanoeiro da Ribeira

quinta-feira, março 29, 2012

Na memória, a raiz da esperança

Celebrar a memória não é saudosismo. O apelo à memória como suporte do presente e guia de futuro foi-me suscitado pela pagela do 3º Dia da Voz Portucalense: “ A hora que vivemos não é fácil. Mas o jornal diocesano já passou por períodos bem difíceis ao longo dos seus 91 anos de vida. E não vacilou. Também nós, com a ajuda dos nossos assinantes, vamos resistir.”
Ao evocar esses “períodos bem difíceis”, recordei o P. Adriano Martins, o primeiro editor de “A Voz do Pastor”, que, com paixão, gostava de lembrar as lutas que tiveram de travar durante a 1ª República. A coragem de D. António Barbosa Leão ao criar “A Voz do Pastor”, em 1921, encontrou eco nos seus sucessores D. António Castro Meireles, D. Agostinho de Jesus e Sousa, D. António Ferreira Gomes e D. Florentino de Andrade e Silva. E o jornal diocesano não sucumbiu à bancarrota dos anos vinte nem à grande depressão da década de trinta e sobreviveu nos tempos da meia sardinha da 2ª Guerra Mundial. E não vacilou.
E recordei, ainda, as dificuldades por que passou, quando D. António Ferreira Gomes o recriou como “Voz Portucalense”, em 1970. Foram tempos épicos como nos contaram o Cónego Rui Osório e o jornalista Germano Silva, na Associação Católica, no dia de S. Francisco de Sales de 2009. Também D. António encontrou eco nos seus sucessores D. Júlio Tavares Rebimbas, D. Armindo Lopes Coelho e, presentemente, D. Manuel Clemente para quem, ” quer ser a “voz” da Igreja, que na Diocese do Porto se concretiza em torno da Palavra, da Graça e da Caridade evangélicas”.
E a Voz Portucalense resistiu aos cortes da Censura do Estado Novo e aguentou o período conturbado do após 25 de Abril. E não vacilou.
Nesta evocação temos de realçar a plêiade de sacerdotes insignes que deram vida à Voz do Pastor: Dr. Bernardo da Silva, Dr. Joaquim Pinto da Costa, P. Adriano Martins, P. Joaquim Esteves Loureiro, P. Domingos Costa Maia e P. José Costa Júnior. O mesmo se diga dos que fizeram a Voz Portucalense. Lembramos Dr. Madureira, P. Eloy Pinho, P. Pinto de Sousa e P. Mário Salgueirinho, já falecidos, não esquecendo os que vivem connosco, a começar pelo Cónego Rui Osório e a terminar no Cónego Fernando Milheiro, passando, entre outros, por D. Serafim Ferreira e Silva e pelo Cónego Raimundo Castro Meireles.
Ao ler os apelos do actual director, P. Correia Fernandes, apeteceu-me parafrasear Santo Agostinho: se aqueles conseguiram superar as dificuldades por que não nós? Não seremos dignos da sua memória?
Se cada um de nós corresponder ao apelo feito, daremos corpo à esperança: Também nós, com a ajuda dos nossos assinantes, vamos resistir.” E seremos dignos daqueles que nos precederam na Fé e cuja memória muito nos honra e fortalece. “O que custa é que lustra”. Mãos à obra!

A vida humana é sagrada

Foi no dia 23 de Fevereiro. A televisão deu e eu vi uma mulher a sair do tribunal, esmagada pela dor. Nos seus olhos não havia violência mas desilusão. Era um rosto perdido no vazio. Esperava que lhe dissessem o que aconteceu ao seu”menino”. E ninguém lhe disse. Em contraposição, vi gente, carregada de ódio, a insultar o réu que o tribunal acabava de absolver. E havia mesmo quem defendeu-se o uso da tortura para o obrigar a falar e, até, a pena de morte. O que me fez lembrar tempos medievais com a multidão, à volta da forca, a vociferar contra os desgraçados que estavam no patíbulo da morte. Numa espécie de catarse coletiva para frustrações individuais. A correção fraterna de que Jesus fala é coisa bem diferente…
Fiquei perplexo.
Não é Portugal um “Estado de Direito”? O réu não se considera inocente enquanto não for condenado pelo tribunal? Não diz a nossa Constituição que “ a todos são reconhecidos os direitos ao bom nome e reputação”? Não somos discípulos d’Aquele que disse “não julgueis para não serdes julgados”, e, na cruz, pediu “Pai, perdoai-lhes porque não sabem o que fazem”? Não ordena o 5º Mandamento da Lei de Deus”Não matar (nem causar outro dano, no corpo ou na alma, a si mesmo ou ao próximo”)? Não fomos nós, portugueses, os primeiros, já lá vão 160 anos, a abolir a pena de morte? Não recebemos, então, os louvores do Mundo civilizado, como o grande escritor francês Vitor Hugo?
“ Não; não há povos pequenos. Há pequenos homens, ai de nós! E algumas vezes são esses os que conduzem os grandes povos. Eu amo e glorifico o vosso belo e querido Portugal. Ele é livre; portanto, é grande. Portugal acaba de abolir a pena de morte. Consumar esse progresso é dar o grande passo da civilização. De hoje em diante, Portugal está à frente da Europa. Vós não haveis cessado de ser, portugueses, navegadores intrépidos. Avante outrora no Oceano, hoje na verdade. Proclamar princípios é mais belo ainda que descobrir mundos. Clamo: Glória a Portugal”.
Não temos nós, na Baixa do Porto, uma rua com o nome do portuense Sampaio Bruno para quem a pena de morte é “imoral, improfícua, injusta e perigosa”? Como diz Manuel Gama, “Quanto à pena de morte, Sampaio Bruno expressa, com traço indelével, a sua luta e oposição. “ A vida humana é inviolável e sagrada”. Daí o orgulho que sentia em que Portugal se encontrasse na senda do progresso moral, pela iniciativa, em 1867, da abolição da pena de morte”. E nós?
As multidões reagem com espírito de bando. Tanto assumem a pacatez do rebanho, como a violência da matilha ou a ferocidade da alcateia. Depende de quem as conduz… Ninguém pode ser condenado na praça pública. As polícias investigam. Os tribunais julgam; a comunicação social informa e também investiga mas não lhe compete julgar...

Um sítio onde pousar a cabeça

No dia 11de fevereiro, surpreendi-me com um programa televisivo com o título que adotei para este texto. Homenageava o escritor António Manuel Pina - “Prémio Camões de 2011”.
Apreciador das suas crónicas, apesar de nem sempre com elas concordar, vi todo o programa, com entrevistas e comentários sobre a sua multifacetada criação literária, da poesia à ficção, passando pela literatura infanto-juvenil, pelo teatro e pela crónica. Quão belo o conto infantil que fala de um menino que trocava o T por C !... Ao vê-lo no meio dos seus gatos e ao ouvir o poema que lhes consagrou, recordei o que me disse uma amiga ”Quem gosta de animais, não pode ser má pessoa”. Um dos jurados do Prémio afirmou que a decisão do júri tinha sido surpreendentemente rápida e “consensual num autor não consensual”.
O título do programa levou-me a reler a sua crónica “O que fica do que se perdeu” publicada no “Notícias Magazine” do dia 5 desse mês, que principia “Quando comecei a perder a fé” e termina” Hoje sem fé alguma, religiosa ou ideológica, porque é que vendo filmes como A Palavra, ou lendo, por exemplo, textos como o Livro de Job, experimento sempre uma confusa sensação de perda, como aqueles amputados que continuam a sentir a perna ou o braço que já não têm? Talvez não seja bem melancolia mas antes, a longínqua persistência de algo, uma, que sei eu?, espécie de resíduo ou de subproduto, em qualquer sítio onde nem a razão nem a vontade (e muito menos o dúbio bisturi de Condillac) podem alcançar”.
Esta inquietude, tão bem expressa num simples “que sei eu?”, dá razão a Eduardo Lourenço que o caraterizou como metafísico da simplicidade. Quem se questiona busca a verdade como andarilho do absoluto. E essa interrogação surge em quem se espanta com a música do mar, a ternura dos animais, o perfume das flores, o sorriso de um bebé, a palavra de um amigo, as maravilhas da ciência e da técnica… as coisas do dia-a-dia.
Nessa mesma revista, Isabel Moreira, a propósito da afirmação “Os ateus também rezam”, respondeu “ Estou sempre em diálogo com Deus, na escrita, por exemplo. Estou sempre a constatar a ausência de Deus, e isso é em si mesmo um diálogo com Deus, quanto mais não seja pela ausência”.
É a consciência desta espécie de fratura ontológica de quem se sabe efémero mas age como se fora eterno, se quer deus mas sofre como criatura, se intui necessário mas reconhece-se prescindível, que nos leva a dizer com Santo Agostinho ”Fizeste-nos, Senhor, para ti, e o nosso coração anda inquieto enquanto não descansar em ti”. A contingência traz em si o apelo ao Absoluto.
“As raposas têm suas tocas e as aves do céu, ninhos, mas o Filho do Homem não tem onde repousar a cabeça”.(Lc 9,58)
Todos nós precisamos duma almofada para reclinar a cabeça…

Eu nasci para ser eterno

Este é o tempo da Paixão. A vida sorria-te. A natação no Porto e o andebol no Vigorosa deram-te uma forte compleição física. Apenas umas dores nas costas de origem desconhecida... Acabaras o curso, tinhas começado a trabalhar em clínicas veterinárias da Maia e de Espinho. No dia seguinte, teu irmão ia casar e tu eras o padrinho. Na véspera, tinhas animado a “festa de despedida de solteiro” que para ele, em segredo, organizaras. Era um dia de inverno. Ao fim da tarde, soubeste que tinhas um tumor maligno no ilíaco. E decidiste nada dizer para não estragar a festa do casamento. Nessa noite, durante o jantar com amigos, ainda tiveste forças para seres, como sempre, o animador com a piada certeira, com a espontaneidade do teu humor, com a alegria das tuas gargalhadas. No casamento, eras o padrinho feliz que sorria para os noivos. E, no almoço, sempre o teu bom humor… O teu rosto não deu sinais de tristeza.
A tua “via-sacra” passou por sucessivas sessões de Químio e Rádio no IPO do Porto; pelo Instituto Rizzoli em Bolonha com seis cirurgias; pelo Hospital Universitário de Lovaina na Bélgica; por visitas a especialistas de Barcelona e Londres; por incontáveis internamentos hospitalares de urgência.
No teu longo calvário, nunca se te ouviu uma palavra de revolta, um queixume. Nas horas de maior sofrimento, limitavas-te a dizer: “Estou cansado”. Nos tempos horríveis de Bolonha, rezavas o terço. Quando te sentias melhor, levavam-te à igreja onde participavas na Eucaristia. Aí, te ofereceram a medalha de Nª Senhora que, com o “tau franciscano”, sempre te acompanhou e levaste contigo. A “maca” era o altar do teu sacrifício.
Quando estavas internado, procuravas evitar trabalho aos que de ti cuidavam. E a todos dizias “obrigado”, com um sorriso. Havia sempre uma piada na ponta da língua, um piropo simpático para as funcionárias, enfermeiras e médicas da tua idade que te acarinhavam.
Na tua dor, não faltaram cireneus que te ajudaram a levar a cruz. Nunca esqueceste o Frei Alfredo que, todos os dias, te visitava no hospital de Bolonha e te falava do santo que tu gostavas de tratar simplesmente por Francisco. Quanto te ajudou a psicóloga que te acompanhou no IPO! Como te confortava o carinho do teu irmão e da tua cunhada! E quão preciosos foram os teus amigos!
Nunca desanimaste. Sempre povoaste de esperança os teus sonhos de futuro. Nós vamos vencer! Nas horas de maior sofrimento, era assim que rematavas as conversas. Mesmo quando já sabias que o fim estava próximo, nunca falaste da morte, mas sim da vida.
- Eu nasci para ser eterno? – Essa é a nossa Fé. – Então está bem. Obrigado.
E partiste para renasceres corpo ressuscitado. Já lá vão dois anos e o teu sorriso permanece vivo naqueles que te amam. Neste “vale de lágrimas”…

quarta-feira, março 07, 2012

Deus quer, o Homem sonha…

Nasceu no coração de um bispo e foi acalentada pelo humanismo de um presidente da Câmara a Obra cujo “trabalho notável em favor dos mais frágeis” foi elogiado pelo Presidente da República, no passado dia 20. O bispo foi D. Florentino, preocupado com as gentes pobres dos bairros sociais, e o presidente foi o Dr. Nuno Pinheiro Torres para quem não bastava dar casa às pessoas, era preciso dar alma.
Com sede no Instituto de Serviço Social, foi gerada no Secretariado Diocesano de Ação Social e começou a germinar, em março de 1964, no Bairro do Cerco.
A “Obra dos Bairros” recebeu o nome de Obra Diocesana de Promoção Social na Cidade do Porto, em 1967, com a aprovação dos seus estatutos. Queria promover o desenvolvimento integral do homem fazendo-o agente da sua própria história, fazer dos habitantes dos bairros “cidadãos de primeira” e ajudá-los a criar novas comunidades agora que tinham perdido as antigas referências de vizinhança. Muitos eram os que se sentiam escorraçados das “ilhas” onde nasceram e emprateleirados, como objectos anónimos, em grandes bairros da periferia urbana.
Como foi possível o governo de Salazar dar personalidade jurídica a uma obra, única no seu género em Portugal, cuja finalidade era promover a autonomia social dos grupos humanos mais desfavorecidos? Penso que só o foi porque a diocese teve como interlocutora, por parte do Ministério de Saúde e Assistência, a Dr.ª Manuela Silva e contou com a extraordinária capacidade argumentativa de D. Julieta Cardoso, directora do Instituto de Serviço Social do Porto. Foram negociações duras e longas. O nome foi um triunfo e é um trunfo, como realçou D. Manuel Clemente no primeiro jantar beneficente da “Liga dos Amigos” em que participou.
Este objetivo esteve presente logo no início da Obra. A Voz do Pastor, em 17 de setembro de 1964, com o título profético “Uma obra de vasta projecção futura: a Acção Social nos novos Bairros” escrevia: Todo o trabalho é feito pela própria população e da sua responsabilidade, com a devida ajuda de animadores (dos Cursos de Cristandade) e a coordenação duma assistente social.
Foram convidadas todas as famílias a assistirem a reuniões preparatórias e a exporem os problemas da comunidade. À medida que se apuravam as necessidades mais importantes, assim se criaram comissões para cada grupo de necessidades semelhantes.
O nascimento e a caraterização da Obra Diocesana traz consigo a marca da sua época: anos sessenta, em tempos de Vaticano II. É uma Obra de e da, mas não para a Igreja; uma obra eclesial mas não eclesiástica ou clerical. Aberta a todos, é de leigos e dirigida por leigos, mas sempre muito acarinhada pelos bispos, a começar por D. António Ferreira Gomes logo após o seu regresso à Diocese. Estão todos de parabéns.

Sweelinck Festival 2012


Farrapos de sol matizavam de luz e sombra a magnífica talha dourada do altar da Senhora da Purificação, “uma quase obra-prima”, no dizer de D. Domingos de Pinho Brandão.
Batiam as quatro horas da tarde no dia 28 de Janeiro. Ia dar-se início à temporada de Órgão do Seminário Maior do Porto. O seu reitor, cónego Álvaro Mancilha, depois de saudar a assistência que enchia a igreja de S. Lourenço (dos Grilos), informou que a nova época incluirá quatro concertos do já tradicional “Sons e timbres do órgão ibérico” e ainda o ciclo “Sweelinck Fesival 2012”, nos 450 anos do nascimento deste compositor holandês.


Passo a citar o libreto distribuído aos participantes.
O Festival - “propõe uma execução integral da música para instrumentos de tecla na Igreja do Seminário Maior do Porto, com órgão historio ibérico, e uma paralela na Igreja de Santo António dos Portugueses em Roma, com um moderno órgão sinfónico. (…) não se quis renunciar a executar e reinterpretar integralmente a obra magistral de Sweelinck que permanece, apesar de afastada no tempo, uma pedra miliar na evolução musical europeia”.
Jan Pieterszoon Sweelinck – (1562 – 1621) – compositor e músico holandês ficou conhecido como “o Orfeu de Amesterdão, graças à sua elevadíssima capacidade de improvisação. A sua produção compreende quer a música sacra, quer a profana; hoje é recordado sobretudo pelos seus excertos de cravo (fantasias, tocatas, variações), tendo renovado o tratamento do instrumento de tecla. A Sweelinck é ainda devida a elaboração do coral, que será a base da concepção compositiva de Johan Sebastian Bach”
O organista é Giampolo Di Rosa, cravista, compositor, improvisador, investigador, professor e organista titular da igreja de Santo António dos Portugueses em Roma.
No concerto inaugural, enquanto os sons fluíam lá das alturas, a assistência podia, no grande ecrã colocado no transepto, ver as mãos do organista que, ora suaves ora frenéticas, bailavam sobre o teclado. Mais que ouvido, como comentava, com humor, alguém à saída, foi um concerto “ouvisto”. Esta inovação, que a tecnologia possibilitou, trouxe o órgão para o meio dos participantes. Cada andamento lembrava uma pintura flamenga onde o mais importante é o pormenor. Em honra do grande improvisador que foi Sweelinck, Giampolo, no final, brindou-nos com uma empolgante improvisação.
Datas dos concertos –sempre às 16 horas. Entrada livre.
a) Sweelinck Festival – 24/3; 26/5; 29/9; 24/11.
b) Sons e timbres do órgão ibérico: 25/2; 28/4; 30/6; 27/10.
Os valores são democráticos porque acessíveis a todos mas aristocráticos porque só alguns os sabem usufruir.
Para todos e, especialmente, para quem tem a “aristocracia do gosto” fica o convite: se puderem, aproveitem esta oferta com que o Seminário Maior nos presenteia.

É dando que se recebe…

"O mundo não nos importa /O nosso mundo começa /Cá dentro da nossa porta.”
Por contraposição, lembrei-me desta canção de Tony de Matos quando, no primeiro ciclo do “Ecce Homo” deste ano, um jovem casal, interrogado sobre o que o casamento mudou na sua vida, respondeu: “Tudo e nada. Tudo, porque passámos a ser casados; nada, porque, com os nossos familiares e amigos, continuamos a fazer o que antes fazíamos, mas agora a dois. E isso foi um enriquecimento para nós e para eles”.

O amor conjugal é como a água de um copo. Quando é muito, transborda e vai fecundar o que está à sua volta. Se é pouco, estiola no interior do casal. Assim como a criação resultou do Amor de Deus que transbordou para fora da Trindade, assim, o matrimónio só é sinal deste Amor transbordante de Deus quando se torna fecundo.
Ao gerar os filhos, os pais participam do poder criador de Deus. Por isso, os nossos bispos alertam os jovens casais: “Se afogados na onda de egoísmo que invade a nossa sociedade, se recusam a um generoso serviço à vida, privam o seu lar do mais precioso dos bens do matrimónio, que é o dos filhos.”
Os filhos são a incarnação do amor dos pais. Não são exteriores nem concorrem com o amor que os gerou. Em caso de divórcio, os pais, mais que exigirem os seus direitos, devem interrogar-se sobre o que fazer para atenuar o sofrimento da criança que não pediu para nascer nem compreenderá a separação dos pais que ama. É criminoso usá-las como de arma de arremesso.

Os filhos, o corolário natural do amor dos pais e sua excelência, não esgotam a fecundidade do casal. Pelo casamento, cada cônjuge faz-se dom para o outro. Quem se dá com alegria, procurará melhorar a prenda em que se tornou. É feio oferecer uma prenda estragada. E, pior ainda, ouvir dizer: “ele sempre me saiu cá uma prenda!...” Respeitando sempre a originalidade de cada um, o amor conjugal deve incentivar o aperfeiçoamento mútuo dos cônjuges.

O “nós” é o primeiro fruto do matrimónio do qual flui toda a fecundidade. Perante os “mostrengos” que têm de enfrentar na vida, cada cônjuge poderá gritar, como no poema de Pessoa , «Sou mais do que eu». Ou dizer, como no filme “Um homem e uma mulher” : “Tudo é possível na esperança, na recusa e na vontade”.
As dificuldades são como uma chapa de zinco ondulada que se vai metendo debaixo dos pés à medida que o casal caminha. O que é preciso é avançar com coragem.

E essa força do “Nós” irá fecundar os familiares e amigos que deixarão de ser “ meus e teus” e passarão a ser “nossos”. E estender-se-á aos diversos campos da nossa vida em sociedade, desde as relações de vizinhança e de trabalho até ao voluntariado.
…“é perdoando que se é perdoado”.