O Tanoeiro da Ribeira

quinta-feira, fevereiro 28, 2019

NO 50º ANIVERSÁRIO DA SUA MORTE

 

Lembrei-o ao ler a mensagem do Santo Padre para o «Dia da Paz» deste ano.

Um homem bom. Humanista. Íntegro. Gentil. Aberto ao diálogo. Preocupado com os mais pobres. Discreto, à maneira do Evangelho: “Não saiba a tua mão esquerda o que faz a tua direita”(Mt 6,3).

Faleceu no dia 6 de março de 1969. Era, então, Presidente da Câmara Municipal do Porto que, a título póstumo, atribuiu o seu nome ao “Bairro Dr. Nuno Pinheiro Torres”.

 

O P. Lino Maia disse dele: “Seguiu a política de fomento habitacional e deu o impulso inicial para a renovação da Ribeira-Barredo. Enquanto jovem, foi presidente da Direcção Diocesana do Porto da Juventude Independente Católica. Mais tarde, distinguiu-se como presidente da Liga dos Homens da Acção Católica, na Diocese de Vila Real, presidente da Junta Arquidiocesana da Acção Católica e destacado membro do Conselho Superior de Portugal da Sociedade de S. Vicente de Paulo”.

 

Sem o seu contributo, a “Obra dos Bairros” – nome inicial da Obra Diocesana de Promoção Social – talvez nunca passasse dum sonho lundo. Foi ele quem patrocinou a sua criação com um avultado subsídio anual e a cedência de instalações nos bairros, como foi lembrado nas suas «bodas de ouro», em 2014: “ Gerada no coração de um bispo, acalentada pelo humanismo de um presidente da Câmara, ganhou vida na dedicação e saber de uma mulher. O bispo foi D. Florentino, o presidente foi Dr. Nuno Pinheiro Torres; a mulher chamava-se D. Julieta Cardoso. Este é o tripé em que assenta a origem da Obra Diocesana”.

 

 Para o «Senhor Presidente», a Obra era uma bênção para as populações desalojadas, como claramente expressou nas palavras que lhe ouvi: “A Câmara procura dar casas às pessoas. Mas isso não basta. É preciso dar-lhes alma. E essa tarefa nós não sabemos nem podemos fazer. Vós, sim. Por isso, vos apoiamos”.

 

Sempre considerou a ação pastoral nos bairros como um bem precioso. Apoiado por D. Florentino, edificou capelas na Pasteleira e no Cerco do Porto e pediu-lhe sacerdotes para esses bairros a quem forneceu casa para viver. Assim nasceram as paróquias de Nossa Senhora da Ajuda e Nossa Senhora do Calvário. O pároco desta última recordou-o, em 2017, nas «bodas de ouro» da sua criação: “No dia 1 de novembro de 1966, foi sagrada a capela do Cerco do Porto por D. Florentino com a presença do Dr. Nuno Pinheiro Torres. Nessa data, não podia imaginar que, passado pouco tempo, iria celebrar aí várias missas por sua alma e do seu motorista, vítimas de brutal acidente na Estrada Nacional nº 1, na zona da «Branca». Era um amigo da Obra Diocesana e da nossa paróquia”.

 

Seria ingratidão não o evocar nos cinquenta anos da tragédia que o vitimou quando regressava de mais uma reunião de trabalho em Lisboa. Memória e louvor! Paz à sua alma. E um sincero bem-haja!

( 27/2/2019)

 

 

 

 

 

 

 

terça-feira, fevereiro 19, 2019

MESTRE, COMO É BOM ESTARMOS AQUI!


 

Evoquei esta fala de S. Pedro (Lc  9,33) quando, na “Festa da Sagrada Família”, participei na Eucaristia, em S. Domingos de Silos. Foi cantada em gregoriano. Esta melodia, embalada por ársis e tésis, eleva-nos para Deus com imagens esbatidas da Eternidade. Foi a atração por esta música que congregou, naquele recanto de Castela, uma enorme assembleia num ambiente de profundo recolhimento. Como foi bom!...

A partir da segunda metade do século XX, o mosteiro de Silos ganhou destaque mundial com as gravações de canto gregoriano. Só o álbum «Canto», lançado em 1994, vendeu 700 mil cópias em todo o mundo.”

Após a Missa, fascinado pela riqueza artística do claustro, decidi mergulhar na história deste mosteiro beneditino.

 Com início obscuro no período visigótico de que restam ainda alguns vestígios, a vida monástica tornou-se pujante no final do primeiro milénio. Em 954, a comunidade adotou a “Regra de S. Bento”. No seu “scriptorium”, os monges copistas produziram manuscritos notáveis de que, ainda hoje, se conservam três exemplares, datados de 928, 945 e 970. Porém, no final do século X, a vida do mosteiro entrou em decadência, devido às razias muçulmanas.

Providencialmente, em 1041, chegou São Domingos que reorganizou a abadia a que presidiu até à morte, em 1073. Toda a história de Silos ficou marcada pela sua presença. Com ele, nasceu um grande mosteiro, com relevo para o genial claustro românico que centraliza toda a atividade dos monges e onde convergem todos os edifícios. Foi grande a sua atividade cultural com destaque para a escola monástica, o “scriptorium”, a oficina de ourivesaria, a farmácia. O túmulo de S. Domingos, que se encontra na ala norte do claustro, tornou-se um polo de peregrinações. Ao longo dos séculos, floresceu a vida espiritual dos seus monges e a assistência aos pobres e peregrinos. Porém, em 1835, tudo foi interrompido pela “desamortização” imposta pelo Estado espanhol que levou à expulsão dos religiosos dos seus conventos. A desordem que se lhe seguiu provocou grande dano ao mosteiro e ao país. Desapareceram manuscritos preciosos, joias acumuladas ao longo de mais de um milénio e grande parte do património artístico. A perda só não foi maior porque, em 1880, um grupo de beneditinos franceses, orientados por um monge da Abadia de Solesmes - famosa pela restauração do canto gregoriano, onde o nosso saudoso P. Luís Rodrigues, da igreja da Lapa, aprofundou seus estudos - tomou conta do mosteiro e salvou-o da catástrofe total. Recuperou o antigo prestígio e expandiu-se com a criação de novas casas religiosas em Espanha e na América Latina. Hoje é um centro importante da Ordem beneditina.

 São mais de mil e cem anos de vida monástica contínua apenas interrompida por um breve mas desastroso hiato de 45 anos. Admirável!...

(19/2/2019)

 

 

 

 

 

quinta-feira, fevereiro 14, 2019

CADA UM POR SI E TODOS PELO PORTO

 
Era este o lema do espetáculo «100% Porto», comemorativo dos 87 anos do Teatro Rivoli, que “traça o perfil demográfico e social do Porto naquele que é um autêntico mapa cartográfico vivo”. Uma radiografia antropológica merecedora dos maiores encómios.

Ao longo de duas horas, 100 protagonistas, selecionados nas diversas freguesias do concelho de acordo com o número dos respetivos habitantes, representaram os 214 588 habitantes do Porto. Foi respeitada a percentagem da “pirâmide etária” da cidade: 12 (0-14 anos); 11 (15-24); 54 (25-64 anos); 23 (+65 anos): 46 homens e 54 mulheres, sendo 95 portugueses; 3 estrangeiros; 2 de dupla nacionalidade.

Excelente pela qualidade artística e pela riqueza do conteúdo, foi uma espécie de sondagem, em direto, sobre temas de grande pertinência. Posta a questão, cada um respondia, de forma livre e pessoal. Não sendo possível precisar a variedade das perguntas nem a diversidade das respostas, apresento apenas algumas das que me ficaram na memória.

À pergunta «quem frequenta a Igreja?», foi uma minoria a que respondeu afirmativamente. O grupo tornou-se muito maior quando se lhe juntaram aqueles que acreditam num Deus, seja ele qual for. Mas o que mais me questionou foi o significativo número daqueles que não acreditam em nenhum. Quão necessária é uma “igreja-em-saída”, inculturada e sem tiques autorreferenciais!

Quanto à cidadania, muitos adultos afirmaram não votar nas eleições. Foi muito grande o número dos que não acreditam nos políticos. E maior ainda o que declarou confiar mais nos militares que nos políticos. Um brasileiro, angustiado, alertou para o perigo das ditaduras militares. Foi essa ameaça, disse, que o levou a vender tudo o que tinha no Rio de Janeiro e vir para Portugal. Senhores políticos, isto é muito sério. Deixem-se de “guerras de alecrim e manjerona”…

No que se refere a questões éticas, foram muitos os que disseram que já tinham pensado em fazer aborto. E mais ainda os que afirmaram querer decidir o momento da sua morte. Não poucos defenderam a pena de morte. Surpreendeu -me o número dos que já pensaram em suicidar-se e os muitos que sofreram depressões. Cidade cinzenta como o granito em que se alicerça?

Apesar das divergências, todos, conforme o lema, convergiam na admiração pela sua terra, como prova o «slogan» que cada um lhe dedicou: “Pessoas genuínas com coração”; “Graniticamente invictos”; “Duro e forte, é resistente”; “Uma cidade com caráter”; “É único”; “Alma e coração”; “Porto é casa”; “Porto, porta aberta”; “Porto é um estado de espírito”; “O Porto é lindo!”; “Cidade da ternura”; “Porto é um sonho”.
Mas ninguém disse que é uma “cidade feliz”…

Uma ecografia da maneira de ser e pensar das gentes do Porto. E quantas interrogações… 

(13/2/2019)

 

 

 

terça-feira, fevereiro 05, 2019

OS AVÓS . SANTUÁRIO ESPIRITUAL

 
Foi no dia 11 de janeiro. A comunidade paroquial de S. Nicolau reuniu-se para, como os “Reis Magos”, adorar o Deus-Menino.

Na saudação, o P. Jardim disse que estávamos ali para, através do teatro religioso à maneira da Idade Média, mergulhar no grande mistério de Deus que desceu do Céu para entrar na nossa carne. E que o fazíamos em família, à maneira dos primeiros cristãos. Olhei «o pequeno resto» da zona ribeirinha do Porto. E vi a alegria do Natal espelhada nos olhos das crianças, na felicidade dos pais, na serenidade dos avós, no garbo dos atores do grupo de teatro do Centro Social, no esmero carinhoso dos catequistas e no aprumo afinado dos coros... A celebração aqueceu-nos os corações e, no final, a partilha do bolo-rei (e não só…) fez-nos esquecer o frio daquela noite de inverno. É uma graça participar nesta comunidade.

Ao olhar os rostos enrugados dos avós, lembrei-me do que tinha acabado de ler: “Podem roubar um manto a um rei, mas não a sua majestade. Este homem também não se deixa injuriar pelo tempo, pelos hálitos e pelos fungos. Nem pela força da gravidade que lhe foi moendo as vértebras e encaracolando a coluna”. (Que Importa a Fúria do Mar)

Também àqueles avós os anos podem roubar-lhes o vigor da juventude, mas não a dignidade de serem elos na transmissão da vida. De uma vida cujas origens se perde nos primórdios dos tempos. Por quantas gerações teve que passar para chegar até eles!.. E, através deles, por quantas se prolongará? Mistérios duma «ponte» a unir um «ontem», que se esconde nas lonjuras originais, a um «amanhã» de horizontes indefinidos. São um «presente» de Deus. Como disse o Papa Francisco: “Um povo que não respeita os avós é um povo sem memória e, consequentemente, sem futuro”.

Os avós sorriam porque se sentiam gratificados como transmissores da Fé, a“herança mais preciosa” que receberam de seus pais. E que, ali e  agora, se alimentava e manifestava em seus netos. Diz o Papa Francisco: “Os avôs e as avós formam o «coro» permanente de um grande santuário espiritual, onde a oração de súplica e o canto de louvor apoiam a comunidade que trabalha e luta no campo da vida”.

Como me sinto feliz quando os netos rezam a «Avé Maria» que aprendi ao regaço de minha mãe! Como é bom  rezar com eles o «Pai Nosso», na Missa em que, mensalmente, lembramos os familiares já falecidos.! Quão doce é, ao deitar, dar graças a Deus com  eles e cantar: «O dia chegou ao fim. Silêncio a noite desceu. Boa noite. Paz em Deus»! Obrigado, Jesus!

 “Aos avós que receberam a bênção de verem os netos, foi confiada a tarefa de transmitir a experiência de vida, a história da família e partilhar com simplicidade a sabedoria e a fé, que é a herança mais preciosa.” (Papa Francisco, 26/7/2016)

Maravilhosa missão! Que desafio! E que honra!...
(6/2/2019)