O Tanoeiro da Ribeira

quarta-feira, maio 30, 2018

PARA O "DIA DA CRIANÇA"


 
Foi no dia 15 – “Dia Internacional da Família” (ONU) - numa “escola primária” do Porto. Enquanto visitavam os desenhos dos filhos sobre o tema, alguns pais falavam das suas “angústias” à hora da refeição. Então, um casal mais velho aproximou-se e contou:
 -“Já lá vão uns anitos… No dia 15 de agosto, fomos a uma festa em Soutelo do Douro. À hora do almoço, o nosso filho, de quatro anos, pouco comeu. Não insistimos mas avisámo-lo que, durante a tarde, nada lhe seria dado, mesmo que tivesse fome. E assim foi… Ao fim do dia, os altifalantes anunciaram que, à porta da Confraria, iria ser distribuído pão com marmelada às crianças que se encontrassem no recinto. E, surpresa, quem era o primeiro da fila? Ele mesmo, o mais pequenito de todos. E com que vontade, comeu dois pães!…

Esta conversa fez-me lembrar uma reportagem (JN, 2/9/2017) com o resultado dum estudo em que 20% das 959 crianças analisadas apresentavam “perturbações alimentares” devido a uma “restrição alimentar severa” que faz com que crianças muito pequenas “recusem novos alimentos ou, por exemplo, só comam fruta ou apenas iogurtes de determinada marca ou sabor”.

Uma educadora comentava: “A família tem que comer sopa, fruta, legumes, se quer que a criança também coma”.

E um pediatra acrescentava: “Conheço pais cansados e crianças mal-educadas. O problema está nos pais e não nas crianças. Se forem habituadas a comer de tudo, comem de tudo. As crianças comem o que lhes sabe melhor e o que não lhes custa a mastigar. Cabe aos pais, pelo exemplo e pela perseverança, ensinar o resto”. E explica: “São muito raros os distúrbios em crianças. Ninguém morre de fome numa casa onde há comida”. E aconselha: ”Se a criança não come sopa ou sólidos, por exemplo, o meu conselho é que não lhe ofereçam mais nenhum alimento até que coma o que se pretende. Muita paciência e calma para os pais e esperar que a criança tenha fome”. E acrescenta: “É claro que as crianças têm direito a ter o seu paladar, mas são sempre os pais que mandam. E os adultos não podem dispensar essa função nem deixar a criança decidir o que come. Tem que comer de tudo”.

A refeição pode ser um momento de especial tensão onde a autoridade dos pais deve ser exercida com firmeza mas sem ansiedade nem autoritarismos exagerados, e sem palavras ríspidas nem ameaças. Muito menos aos berros… Acima de tudo, vale o exemplo. Como se pode obrigar uma criança a comer sopa se nenhum dos adultos presentes o faz nesse momento?

É na meninice que se forma “o núcleo mais duro” da nossa personalidade, a que o filósofo François Jacob chama “estátua interior”.
É na infância que se alicerça “o nosso banco de dados” de que fala o psiquiatra Augusto Cury. “Em adulto, as nossas escolhas são pautadas pela base de dados que já temos.”
A sabedoria popular diz, simplesmente: “de pequenino se torce o pepino” e “menino farto não é comedor”. 
(30/5/2018)

 

FILOSOFIA DA SAUDADE


No passado dia 19, recebi esta mensagem: “Vou estar en Porto e quero avisarte, por se podemos vernos. Trátase dun Colóquio. Mándoche o programa. Andrés”.

Quem é Andrés?

Presbítero doutorado em teologia e em filosofia, é o criador duma multifacetada obra de investigação teológica e de reflexão filosófica.

Era um jovem professor de teologia do Seminário de Santiago quando, em 1970, o apresentei a D. António Ferreira Gomes, “aquel obispo valiente“ que enaltece no livro “Repensar a Teoloxia, Recuperar o Cristianismo - Homenaxe a Andrés Torres Queiruga”. É professor jubilado da Universidade de Santiago.

Nascido, de pai pescador, em Aguiño, Andrés é filho dum povo que arrisca a vida no mar da “Costa da Morte” com “longas ausências mortais” como dizia o poema de Rosalia de Castro. Não admira, pois, que a saudade inspire sua filosofia. Dos pais, recebeu o dom da fé, bem expresso no epitáfio que colocou no seu túmulo: “xuntiños na terra xuntiños no ceo” e na resposta que deu quando lhe perguntaram como conciliava a Fé com a busca teológica: “Procuro manter a Fé de minha mãe”. Não é por acaso que, na teologia, enfatiza o Deus-Amor que é Pai/Mãe, o “Abbá” de Jesus. (cf. “Um teólogo com coração”- VP, 6/6/2012)

Que colóquio me anunciava?

No programa constava: “Sobre a Saudade - VI Colóquio Luso-Galaico – Homenagem a Andrés Torres Queiruga“, organizado pelo Instituto de Filosofia Luso-Brasileira; Universidade do Porto, Centro Português de Vigo, Universidade de Santiago, Universidade Católica Portuguesa, Movimento Internacional Lusófono, Revista NOVA ÁGUIA.

Desenvolveu-se em três cidades e oito painéis, num total de 14 comunicações.

Os três primeiros ocorreram, em 24 de maio, em Lisboa com conferencistas de renome como António Braz Teixeira

No dia 25, no Centro Regional do Porto da U. C, decorreram os painéis IV, V, VI, de que realço as conferências: “A universalização do tema da saudade no pensamento de Andrés Torres Queiruga”, por Jorge Cunha; “Radicalização e fronteira, o estatuto pré-ontológico da saudade: aproximação teológica à filosofia da saudade de Andrés Torres Queiruga”, por José Pedro Angélico:

Em Vigo, na tarde do dia 25, foi apresentado o VII painel. E, no dia seguinte, o VIII, com, entre outros, os temas: “Sobre Andrés Torres Queiruga e a Saudade”; “Filosofia e Saudade: a propósito de Andrés Torrres Queiruga”.

Magnífico colóquio pela variedade e densidade temática e pela excelência dos apresentadores. Uniu “dois povos irmãos que a história traz separados”. Lembrou-me o “Movimento Nós” e, muito especialmente, Teixeira de Pascoaes que dizia: “Temos de voltar a viver espiritualmente em comum”. Parabéns aos seus organizadores e a Torres Queiruga, o filósofo que sabe conciliar a subtileza de espírito com o “lirismo saudoso” que nos identifica.(30/5/2018)

 

quinta-feira, maio 24, 2018

O BOM SENSO



A celebração do “Dia Mundial das Comunicações Sociais” fez-me recordar a homilia que, há tempos, ouvi na igreja de Santo Ildefonso em Madrid. O celebrante começou por perguntar às crianças: - “Quais os sentidos que conheceis”. E elas lá foram dizendo: visão, audição, tato, gosto, olfato. – “Falta um, continuou o sacerdote, falta o sexto que é o «bom senso» e que muita falta faz…”

E o que é o bom senso?

O filósofo R. Descartes, na introdução ao “Discurso do Método”, escreveu:

O bom senso é a coisa do mundo melhor partilhada, pois cada qual pensa estar tão bem provido dele, que mesmo os que são mais difíceis de contentar em qualquer outra coisa não costumam desejar tê-lo mais do que o têm. (…) O poder de julgar de forma correta e discernir entre o verdadeiro e o falso, que é justamente o que é denominado bom senso.” O bom senso radica na capacidade de se assumir uma posição reflexiva face aos problemas que levará a bem julgar.

Já o teólogo Leonardo Boff escreveu:

O Papa Francisco revoluciona o pensamento da Igreja remetendo-se à prática do Jesus histórico. Ela resgata o que hodiernamente se chama “a Tradição de Jesus”.

O que mais ressalta em Jesus é o bom-senso. Dizemos que alguém tem bom senso quando para cada situação tem a palavra certa, o comportamento adequado e quando atina logo com o cerne da questão. O bom-senso está ligado à sabedoria concreta da vida. É distinguir o essencial do secundário. É a capacidade de ver e de colocar as coisas em seu devido lugar. O bom-senso é o oposto ao exagero. Por isso, o louco e o gênio que em muitos pontos se aproximam, aqui se distinguem fundamentalmente. O gênio é aquele que radicaliza o bom-senso. O louco, radicaliza o exagero.

Jesus evidenciou-se como um gênio do bom-senso. Um frescor sem analogias perpassa tudo o que diz e faz. Deus em sua bondade, o ser humano com sua fragilidade, a sociedade com suas contradições e a natureza com seu esplendor comparecem numa imediatez cristalina. Não faz teologia. Nem apela para princípios morais superiores. Nem se perde numa casuística tediosa e sem coração. Suas palavras e atitudes mordem em cheio no concreto onde a realidade sangra é levada a tomar uma decisão diante de si mesmo e de Deus.

Esse bom-senso tem faltado à Igreja institucional (Papas, bispos e padres), não à Igreja da base, especialmente em questões morais. Aqui é severa e implacável. Sacrifica as pessoas em sua dor aos princípios abstratos. Rege-se antes pelo poder do que pela misericórdia. Como é diferente o Papa Francisco…”

Se Descartes valoriza o pensar, L. Boff acentua o agir segundo a “Tradição de Jesus”

Termino com uma afirmação que vem do século XVII: “ Raramente atribuímos o bom senso aos outros, a não ser àqueles que estão de acordo connosco”.

Quão necessário ele é em nossos dias…

(24/5/2018)

 

 

 

quarta-feira, maio 16, 2018

TERRORISMO DE SACRISTIA



Desculpem a violência do título. Hesitei. Impeliram-me as palavras do Santo Padre. Eu conto.

Há dias, meu amigo Zé Miguel enviou-me, por correio eletrónico, um vídeo onde se vê o Papa Francisco a falar com jovens, em Roma, no dia 19 de março.

O Papa, com o humor que lhe conhecemos, começa por contar “uma piada sobre uma fofoqueira”.

“Um cardeal simpático me contou que conheceu um sacerdote com um grande senso de humor que tinha na paróquia uma mulher muito fofoqueira que falava de todos e de tudo e vivia tão perto da igreja que, da janela do seu quarto, podia ver o altar. A senhora ia à Missa todos os dias e, depois, passava as outras horas do dia andando pela paróquia, falando dos outros. Um dia, ela ficou doente e ligou para o sacerdote para dizer: “Estou de cama com uma gripe muito forte. Por favor, você pode trazer a comunhão para mim?”. O sacerdote respondeu: “Não se preocupe. Com a língua grande que você tem, da sua janela você consegue chegar ao tabernáculo”. O Santo Padre sorriu e ouviram-se risos na sala.

E o Papa continuou, já com um ar mais sério, enquanto na sala os risos se iam progressivamente apagando…

 “Mas, diga-me, em uma paróquia onde os fiéis fofocam todo o dia contra todos e contra o sacerdote, o pobre sacerdote está sozinho e sem o testemunho de Cristo na comunidade”.

O rosto do Papa vai-se tornando cada vez mais sombrio… E explica:

“Menciono o tema da fofoca porque, para mim, é uma das coisas mais feias nas comunidades cristãs”. Suspende a palavra para enfatizar: “Sabiam que a fofoca é terrorismo?” Com o semblante, já muito carregado, insiste: “A fofoca é um terrorismo?”

E com muita firmeza na voz e gravidade no rosto, responde:

“Sim, porque um fofoqueiro faz a mesma coisa que um terrorista: aproxima-se, fala com a pessoa, joga a bomba da fofoca, destrói e vai-se embora.”

A denúncia dos mexeriqueiros é uma preocupação permanente do nosso Papa. Noutras ocasiões, chama-lhe hipócritas até porque, por vezes, essas línguas viperíneas são das mais enfronhadas nos serviços da Igreja.

Face às suas palavras, três atitudes são possíveis:

A primeira é de indiferença, não ligar importância e esquecer que ele é o nosso Pai na Fé.

A segunda é olhar à volta e começar a murmurar - Olha fulano… é isto mesmo. E beltrana, ela é que devia ouvir estas palavras…

A terceira é parar para pensar: Não terei eu alimentado a coscuvilhice, falando ou ouvindo? Se dizer mexericos é mau, ouvi-los não é melhor, mesmo quando fazemos um ar de piedoso espanto… Qual vai ser a minha?

 (Nota: O “Dicionário Houaiss” enumera 74 sinónimos de mexerico, tais como alcovitice, bisbilhotice, boato, chocalhice, coscuvilhice, dito, diz-que-disse, enredo, falatório, fofoca, indiscrição, intriga, lambança, maledicência, murmuração, novidade, onzenice, pauzinhos, tramoia, trica…)
(16/5/2018

quarta-feira, maio 09, 2018

"CAPITAL DO NORTE"



Já falei dos direitos de cidadania que D. Hugo concedeu aos cidadãos do Porto. Hoje, socorro-me, novamente do estudo “Os Bispos do Porto na Construção da Cidade” de Ribeiro da Silva, para realçar a vertente económica do Foral do Porto.

Aquando da sua doação (1120) o velho Portucale, como, no século V, ainda aparece na Crónica de Idácio, já é nomeado “Portu Dorii” na Bula do Papa Calixto de 2 de março de 1120 ou simplesmente de «Portu», no testamento de D. Sancho I em 1188. Na Inquirição de 1287 aparece já com o nome de Poorto ou Porto.

O seu território, para além do Morro de Penaventosa, “incluía a Cividade, situada na colina entre o que haveria de ser o Corpo da Guarda e o mosteiro de S. Bento da Ave Maria e, sem dúvida, a «vila baixa», isto é, a zona ribeirinha que foi habitada desde tempos muito antigos”. «Cidade mínima» no dizer de Armindo de Sousa, não passaria de “um lugarejo minúsculo e humilde, embora com um território anexo de extensão razoável”.

 D. Hugo, ao conceder o seu foral em 1123, para além de garantir alguns direitos de cidadania, quis favorecer o seu desenvolvimento habitacional e económico. Para isso, concedeu várias regalias, tais como:

- “Quem quisesse erguer casa no Porto, o meirinho (funcionário da justiça) dar-lhe-ia lugar, mediante o foro anual fixo de um soldo. E não perderia o seu investimento no caso de desejar ou precisar de ir morar para outro lugar, porque poderia vender ou dar a sua casa a outro morador, embora fosse necessário obter previamente licença do Bispo e ao mesmo Bispo ficasse reservado o direito de preferência.

- Quem quisesse arrotear montes ou vales, isso ser-lhe-ia facilitado e até se lhe garantia a propriedade plena do terreno arroteado, embora ficasse obrigado a dar ao Bispo ¼ das suas colheitas. As mesmas condições eram fixadas para quem se decidisse a plantar vinhas fora das muralhas, nos lugares indicados pelo meirinho. Mas até a vinha produzir vinho não pagaria senão o dízimo do que fosse gastando.”

Para atrair fornecedores externos e fomentar o comércio, o foral estabelecia que “os produtos de primeira necessidade, como o pão, seriam completamente isentos de portagem. E também os bragais (roupas brancas de casa que também se utilizavam para cobrir e levedar a massa do pão) ”.

Em síntese… Foi um “foral liberal e inovador sob o ponto de vista económico, com resultados benéficos para a cidade. Como escreveu Armindo de Sousa, «passados duzentos anos o Porto tinha virado outra urbe». Como assim? Basta atentar nos artigos das inquirições de 1339 ordenadas por D. Afonso IV: a cidade era a capital económica da metade centro e norte de Portugal e a barra do Douro era a via de e para a Europa rica”.

Vem de longe a “Capital do Norte”. E, na sua origem, esteve um bispo do Porto…

(9/5/2018)

quarta-feira, maio 02, 2018

CASA DOS GIRASSÓIS



Bonito nome. Nobre função. Auspicioso prenúncio…

D. Manuel Linda, depois de ter visitado, na 2ª feira, a “Casa Sacerdotal”, residência de padres e bispos fragilizados pela idade e pela doença, e, na terça, a Ala Pediátrica do Hospital de S. João onde esteve com crianças e seus familiares, terminou a primeira semana de Bispo do Porto na inauguração dum “ Centro de Dia”.
Foram três “sinais indicadores do seu bom carisma de pastor”, como escreveu Rui Osório no JN (22/4/2018).
A Associação Nun’Álvares de Campanhã – a mesma que acolheu D. António Francisco na primeira noite de Natal que passou na Diocese e ouviu palavras de louvor no seu último ato público em território diocesano (cf. VP, 22/11/2017) – pode reivindicar a honra de ter recebido D. Manuel Linda no seu primeiro, creio, ato público após a entrada na diocese. Aconteceu em 21 de abril, na inauguração, abrilhantada pelo Coro Paroquial de Campanhã, da “Casa dos Girassóis. E fê-lo na presença do vereador Fernando Paulo, em representação do Presidente da Câmara, de Manuel Pizarro, vereador que acompanhou Rui Moreira na cerimónia do lançamento da primeira pedra em dezembro de 2013, de Ernesto Santos, presidente da Junta de Freguesia de Campanhã, de Paulo Morais que, quando vereador da Câmara do Porto, esteve na origem da doação do terreno onde o novo edifício foi construído, para além de outros convidados incluindo muitos dos futuros utentes do Centro agora inaugurado.
D. Manuel Linda, antes de proceder à bênção, elogiou esta Associação pelo bem que, ao longo de mais de 80 anos, tem prestado à comunidade, acentuando a sua vertente humana e cristã e dando relevo ao humanismo e à preocupação pelos mais débeis como imperativos evangélicos.
O presidente da direção, Albino Magalhães, depois de agradecer a presença de todos e dizer que esta Associação nasceu no seio da Igreja, afirmou que gostaria de citar Fernando Pessoa. Porém, não o fazia porque o sonho inicial – o “Lar de Idosos”- não se realizou por falta de apoios. Enalteceu o empenho do senhor Presidente da República, que não pôde estar presente, em favor dos “sem-abrigo”. Mas realçou que esses são gritos, bem fortes, que a sociedade não pode varrer para debaixo do tapete. Há, porém, muitos outros que, silenciados, vivem, em suas casas debaixo do tapete. Especialmente nesta zona da cidade que continua às escuras apesar de, como diz o seu pároco, Cónego Fernando Milheiro, “o sol quando nasce no Porto, passa em primeiro lugar em Campanhã”. Este, a seguir, acrescentou: São pessoas que nos olham como nossos pais nos olharam e esperam quem as ouça e lhes dê voz.
O vereador Fernando Paulo ouviu o apelo e, a encerrar, completou o poema de Pessoa: Deus quer, o homem sonha, a obra nasce. Assim o desejamos e esperamos…
(/5/2018)