O Tanoeiro da Ribeira

domingo, novembro 08, 2009

Se não houvesse Eternidade

Era a tarde do “Dia de Todos os Santos”. Uma chuva miudinha e incomodativa levou-me a procurar aconchego num café de praia.
Entretinha-me a ver um “mar de inverno” que se confundia com o cinzento do céu.

À borda da água, gaivotas disputavam a comida. Uma delas, em tons acastanhados, afastou-se do bando e, bem perto de mim, aninhou-se numa cova da areia que a protegia do vento. E ali ficou tranquila, apesar da chuva. E eu interroguei-me: se não houvesse Eternidade, não seria o homem o mais infeliz dos animais?
Que falta àquela gaivota para, à sua maneira, ser feliz? Acabou de se alimentar; as penas protegem-na da chuva e a areia, do vento. Estará revoltada porque outra gaivota lhe roubou o melhor mexilhão? Estará preocupada com o que vai comer na próxima refeição? Com o que poderá acontecer aos seus filhos? – Não. Só vive o presente. Ao vê-la voar, perguntei-me: - Que fez ela para poder voar? – Nada. Nasceu completa: o seu aparelho instintivo e a sua constituição fisiológica permitem-lhe a sobrevivência como indivíduo e como espécie. E a sua morte? É o fim natural da sua vida, nada mais terá para realizar. A sua vida esgotou-se em cada momento que viveu. Se, pudesse falar, poderia dizer: cumpri o meu destino, nada me falta realizar.
E nós, os humanos?
Nascemos como “sinfonias incompletas”. Se o carinho dos pais não nos tivesse protegido, poucos dias sobreviveríamos. E a nossa aprendizagem da vida, como foi longa e custosa…
A fome de viver não se esgota no “hoje”. Este é sempre o ponto de encontro do “ontem” e do “amanhã”. Mesmo nos momentos de maior satisfação, a felicidade nunca é completa. Há sempre uma nuvem a ensombrar-nos o céu: recordações de um passado que não é reversível, incertezas de um futuro que desconhecemos. Quantas desilusões!... Quantos anseios. Também é verdade que, nos momentos mais amargos, é à memória e ao sonho que vamos buscar forças para continuarmos a lutar.
E a morte? Será natural? Para o homem, não. É sempre uma tragédia. Temos sempre um desejo, um sonho por realizar, mesmo os mais idosos: ver o nascimento dum bisneto, participar no casamento dum neto, ajudar um filho para quem a vida foi madrasta… E o que faz a morte? Corta cerce o futuro. E sem este, não há presente. Passamos a vida a completar, pela cultura, o que nos falta pela natureza, e morremos sem ver realizado esse desígnio.
O animal nasce completo e morre acabado. Nós nascemos incompletos e morremos inacabados. Que grande superioridade a do homem!.. Que ironia! Que triste sina seria a nossa!... Se não houvesse nada para além da morte, o homem não passaria de um eterno projecto adiado. Mas não.
Não nascemos para a morte. Nascemos para a vida e Vida em abundância. Trazemos em nós “sementes de Eternidade”. O presente é o tempo que nos foi dado para as fazermos germinar. Mas como? Vieram-me à mente as Bem-aventuranças. Indicam-nos o caminho: reconhece, agora, que és pobre, que tudo o que tens é dom de Deus e terás o Reino dos Céus; sê construtor de paz no teu dia-a-dia e serás chamado filho de Deus; chora com os que choram e serás consolado... É no tempo que se constrói a Eternidade.