O Tanoeiro da Ribeira

quarta-feira, agosto 31, 2016

"TOADA DE PORTALEGRE"


 

Portalegre, cidade/ do Alto Alentejo, cercada/ de serras, ventos, penhascos, oliveiras e sobreiros (…) Toda aberta ao sol que abrasa,/ao frio que tolhe, gela /e ao vento que anda, desanda (…) Serras deitadas nas nuvens,/vagas e azuis da distância.”

Foi este poema que me levou a visitar a cidade que José Régio adotou como sua.

E duas surpresas me esperavam.
 
 
A primeira foi na Casa de José Régio onde, para além do poeta, fui encontrar o colecionador que, em Cântico Negro, escreveu: ” Não sei por onde vou, /Não sei para onde vou /- Sei que não vou por aí!”. Avesso a imposições, presou acima de tudo a liberdade e buscou um caminho próprio de realização pessoal. Ao percorrer os espaços em que viveu, de 1928 a 1967, senti que o apelo à transcendência em Cristo, o Homem-Deus, o ajudou a dar sentido a uma vida que foi “ um vendaval que se soltou.“. Os visitantes demoravam-se a observar o espólio de arte sacra e de artesanato local, mas era, em religioso silêncio, que paravam frente aos muitos “Cristos” e “Nossas Senhoras” que povoam toda a casa. Esse recolhimento quase sagrado fez-se ainda mais forte na sala maior
junto a um enorme Crucifixo e
à imagem de Nossa Senhora que ele canta no poema: "Tenho ao cimo da escada, de maneira/que logo, entrando, os olhos me dão nela,/uma Nossa Senhora de madeira/arrancada a um Calvário de capela”. Senti uma particular emoção ao ver, junto à imagem, este poema, assinado pelo autor, que termina: – “Porque choras, Mulher?” – docemente a repreendo./ Mas à minh’alma, então, chega de longe a sua voz /que eu bem entendo:/ – “Não é por Ele…”/– “Eu sei! Teus filhos somos nós.”

A segunda surpresa deu-se na Sé Catedral, iniciada em 1556, onde sobressai a arte maneirista. “O que se lhe pôs de barroco, a preencher o espaço de obras levadas pelo tempo ou vontade de «actualizar», à custa do antigo, não teve força, nesta Sé, para minimizar o conjunto harmonioso do seu Maneirismo que irrompe na pintura, relevo e estatuária, na talha dos festões e das predelas, na embriaguez dos dourados” (Catedral de Portalegre). As variações formais que se verificaram ao longo de 48 anos não roubaram unidade às noventa e seis pinturas, o maior conjunto maneirista existente em Portugal. Ao percorrer as capelas (Capela- mor, Santíssimo Sacramento, S. Pedro, Senhora da Luz, Senhora do Carmo, S. Crispim e S. Crispiniano, Santa Catarina de Sena, Santo António, Chagas, S. Mauro, Nome de Jesus, e S. Jorge,) os nossos olhos fixam-se nas pinturas que rodeiam e explicam o retábulo.
Em 7 de abril, a União Europeia,distinguiu-a com o prémio “Europa Nostra”, afirmando que o trabalho “escultórico e pictórico da catedral é particularmente notável”.
Por muitas e variadas razões, Portalegre é digna de ser conhecida.  ( 31-8-2016)