O Tanoeiro da Ribeira

quarta-feira, janeiro 11, 2012

O Minho não separa


Os muitos galegos que, neste Natal, visitaram o Porto fizeram-me lembrar o teólogoTorres Queiruga que, em Dezembro, na Fundação António José de Almeida, iniciou a conferência sobre “Deus e o sentido da existência”, dizendo: não sei se sois vós que, aqui no Porto, estais no sul da Galiza, ou sou eu que, em Santiago, estou no norte de Portugal

Recordei, então, os padres galegos que, com ele, na Páscoa de 1970, tiveram uma longa conversa com D. António Ferreira Gomes, na sua casa de Milhundos, sobre o “Grupo Nós” e a matriz cultural luso-galaica. Este grupo de intelectuais, da primeira metade do séc. XX, deu à cultura galega uma dimensão que nunca antes tivera e criou a revista Nós em torno da qual se desenvolveu a vida política e cultural da Galiza entre1920 e 1936. Baseado na geografia, na história, na toponímia, na língua, defendia uma aproximação entre a Galiza e Portugal e afirmava a identidade matricial dos dois povos. Entre os portugueses que aderiram ao Nós, destacou-se o filólogo Rodrigues Lapa, que falava da Portugaliza : “Portugal estende-se naturalmente até às costas do Cantábrico. E, muito especialmente, Teixeira de Pascoaes.
Quando visitei o P. Fontes em Vilar de Perdizes, fiquei surpreendido ao ver que tinha todos os números da revista Nós. Logo no n.º 1, de 30 de Outubro de 1920, deparei com um texto que engrandecia o nosso poeta amarantino: Teixeira é o Revelador da Saudade, “esse sentimento que deu forma ao nosso lirismo, esse sentimento que está nas “ferbas das nossas almas e dos nossos corações” segundo a expressão de Cabanillas. Sentimento de que Teixeira fez “a Ética transcendente dos dois povos irmãos”. Portugal, diz em “Os Poetas Lusíadas”, revê-se na Galiza, encantado como num espelho maravilhoso que ao seu velho perfil restituísse o frescor, a graça, a luz de infância.
Nas cartas a um amigo galego, Pascoaes escreveu:” A Galiza é irmã e mãe de Portugal. Portugal saiu dos seios da Galiza; depois abandonou a Mãe e foi por esses mares fora, fugiu como filho pródigo. … Mas é chegado o tempo do seu regresso ao lar materno. Temos de voltar a viver espiritualmente em comum”.“ No outro mundo, há dois Espectros que se amam e vivem sempre juntos: Rosalia e Frei Agostinho. Confiemos no seu amor que nos há-de redimir do Estrangeiro”.


Se os políticos conhecessem a nossa cultura, certamente renovariam a “Linha do Minho” para facilitar o encontro destas duas pátrias irmãs que o rio “Minho não separa”. Talvez isso, como cria Pascoaes, nos pudesse ajudar a “redimir do Estrangeiro” que, hoje, dá pelo nome de Rating, Troika e outros “nomes feios” que conspurcam esta língua que traz em si o “lirismo saudoso” das “Ondas do mar de Vigo/ Se vistes meu amigo!”
Que a cultura lance pontes onde a política criou barreiras…

Quando os monumentos falam…

Deus, ao agraciar o homem com o dom da beleza, fez da arte uma das expressões mais sublimes do espírito humano.

“ Pela arte, o mundo torna-se mais inteligível, mais familiar. Ela permite um eterno intercâmbio entre nós e o mundo que nos cerca”.
A arte humaniza o espaço. Faz a ponte entre a subjectividade do artista que a cria ou do fruidor que a recria e o mundo onde se objectiva, seja na amplidão das ruas e praças, seja na intimidade das nossas casas. Com ela, o espaço, frio e opaco, torna-se significativo e acolhedor. Pela arte, o homem imprime a sua caducidade na perenidade da matéria. Ao deixar a sua pegada no tempo, satisfaz, de certa forma, a sua fome de eternidade. Miguel Ângelo morreu há 447 anos, mas continua vivo na Capela Sistina...
Com obras de arte, as cidades perpetuam a memória e seus valores e cada um de nós dá um cunho pessoal à sua casa.

Vem isto a propósito do livro D. ANTÓNIO BARROSO FALA NOS SEUS MONUMENTOS que, neste texto, cito em itálico. Com ele, o autor, P. Adílio Macedo, celebra os cinquenta anos da “inauguração do Monumento a D. António Barroso, erigido na donairosa freguesia de Remelhe”. E fá-lo com o simbolismo de três monumentos que evocam percursos complementares da vida de D. António Barroso. O de Barcelos, inaugurado em 1931, lembra “o seu trajecto missionário”. O de Remelhe, inaugurado em 1959, evoca o seu percurso humano. O do Porto, inaugurado em 1999, recorda o seu trajecto episcopal.
Para que D. António Barroso seja ouvido é preciso que os seus monumentos sejam pólos de atenção. Em Barcelos, toda a gente sabe que se encontra frente à Câmara Municipal. Pergunte-se em Remelhe e todos informarão que está ao pé da igreja. E o do Porto? Quem sabe onde se localiza? E, no entanto, como é rico de simbolismo! “ Ergue-se numa estrutura quadrilateral em bronze. (…) Sugere, intencionalmente um alto “padrão” a marcar a passagem do grande Missionário e Bispo por Angola, Moçambique e Índia. No lado da frente, aparece a figura de D. António, com uma expressão ao mesmo tempo serena e austera, senhora de uma grande sabedoria humana e cristã. A sua mão direita aponta a direcção da Sé que ele tanto nobilitou. No lado oposto, vê-se um pelicano alimentando os filhotes com a sua própria carne (…) com a legenda: Non sibi sed omnibus (Não para si mas para todos). No lado direito, três cabeças como que emergindo de um tufo de vegetação exótica, evocam a África, Ásia e Europa”.
O monumento, obra notável do escultor José Rodrigues, pela qualidade artística e pelo significado, bem merece que a cidade lhe dê maior visibilidade. Fica sugestão

terça-feira, janeiro 03, 2012

Ecos do “Ecce Homo”

O matrimónio mais que um compromisso é um acto de confiança no outro e em Deus. Este testemunho do casal Teresa e Filipe Postiga - com quem compartilho a alegria pelo salvamento dos seis pescadores seus conterrâneos - na 2ª sessão do “Eis o Homem”, recordou-me a frase: “O sacramento do matrimónio radica na grandeza do Humano e atinge a sua plenitude na beleza do Divino”.

Grandeza do Humano – A pessoa não se realiza fechada sobre si mesma mas atinge a plenitude quando se transcende:
- na abertura aos outros que a ajudam a crescer. A construção pessoal faz-se na convivência com o outro. O “Tu precede o Eu” e o Nós realiza-se na comunhão de ambos. Esta passagem do eu ao nós não se faz sem sofrimento”, disse D. Manuel Clemente.
- na vivência do tempo. O homem, como ser das lonjuras, é memória do “ontem” e construtor do “amanhã”. O “hoje” é um presente de Deus a ser vivido com gratidão e louvor;
- na busca de sentido para a vida. A Pessoa faz-se peregrina do Absoluto. No processo evolutivo da hominização, o enterramento dos mortos assinala o aparecimento do “homo sapiens”. Ao cuidar dos seus mortos, indicia a crença de que nem tudo acaba com a morte. É a abertura à Transcendência, ao grande Outro.

Beleza do Divino - “É grande este mistério: digo-o em relação a Cristo e à Igreja (Ef 5,32)
Grande mistério porque, no matrimónio, o homem e a mulher, em comunhão, são “imagem” do Deus-Amor que é unidade na pluralidade. O Matrimónio realiza e faz crescer o amor com que Deus enriqueceu o coração humano. A vida conjugal torna-se fonte de santificação para os esposos e a família constitui-se como Igreja doméstica. O matrimónio é sinal do Amor de Cristo à Igreja: uno, fiel e fecundo.
Como disse o Papa João Paulo II, O sacramento do matrimónio, que retoma e especifica a graça santificante do baptismo, é a fonte própria e o meio original de santificação para os esposos. (…)

Pelo sacramento do Matrimónio, construímos o Nós e o outro transforma-se num “alter Christus”. Todos os gestos de Amor conjugal ganham dimensão de eternidade e transformam-se em “caminhos de santidade”, como disse João Paulo II na homilia de beatificação do casal Quattrocchi: A riqueza de fé e de amor dos cônjuges Luís e Maria Quattrocchi é uma demonstração viva de quanto o Concílio Vaticano II afirmou sobre a vocação de todos os fiéis à santidade, especificando que os cônjuges procuram este objectivo segundo o próprio caminho. Para eles a fidelidade ao Evangelho e a heroicidade das virtudes foram relevadas a partir da sua existência como cônjuges e como pais.

O Matrimónio não é um fardo mas um (…) dom de Jesus Cristo que não se esgota na celebração do matrimónio mas acompanha os esposos ao longo de toda a existência.

Cantar é rezar duas vezes




Se este aforismo popular diz respeito a qualquer canto litúrgico, aplica-se, especialmente, ao gregoriano onde a música ora pontilha as palavras que fluem suaves, ora se demora a rendilhar uma sílaba que nos deixa no silêncio e na contemplação.




Não é por gosto passageiro que muitos coros estão a recuperar para a liturgia alguns dos motetes que povoam a nossa memória. Esse foi o caminho que levou à gravação do CD “Cantate Domino”.




A Missa Orbis Factor comunica-nos a magia dos tempos medievais, na penumbra de mosteiros e catedrais que alguns filmes celebrizaram. A Missa de Angelis põe-nos em comunhão com as grandes peregrinações de Fátima e recorda-nos a alegria das Missas de Festa.






O Rorate – Derramai ó céus, o vosso orvalho - faz-nos viver a alegria ansiosa do Advento, “tempo de espera e de esperança”. Para os que frequentaram o seminário, ele evoca a felicidade que sentíamos porque se aproximava o Natal que nos trazia o aconchego da lareira materna. As “Antífonas do O” lembram a Senhora do Ó, a Senhora da Expectação que aguarda, no silêncio e no segredo, o dia em que dará à luz o Emanuel, o “Deus Connosco”. O Hodie Christus natus est e Puer natus fazem-nos contemporâneos dos pastores da Judeia e de todos aqueles que, ao longo dos séculos, ouviram o anúncio: “Hoje, Cristo nasceu - Um Menino nos foi dado”. Se o Attende, Domine e o Parce, Domino nos levam à celebração penitencial da Quaresma, Et valde mane e Victimae Pascali transportam-nos para o mistério da Ressurreição e fazem-nos viver as alegrias pascais que o Cantate Domine prolonga e o Veni Creator culmina em dia de Pentecostes.




Ao cantarmos o Ave Verum, o Ubi Charitas e o Adoro-Te Devote é todo o mistério da Eucaristia que se faz presente. E na Solene Adoração do SS.Sacramento, cantamos Pange Língua -Tantum Ergo.




Os cânticos marianos são rosas para o regaço d’Aquela a quem salvamos como Mãe e Rainha: Salve Mater Misericordiae , Alma Redemptoris Mater, Ave Regina Caelorum; Regina Caeli. Ou simplesmente saudamos com as palavras do Anjo, Ave, Maria. Com a Senhora do Calvário, a Mulher forte e Mãe dolorosa, percorremos as estações da “Via Sacra”: Stabat Mater dolorosa. De todos os cânticos marianos, a Salve, Regina será certamente o mais conhecido, lembra Fátima onde é cantado e, a mim, traz-me a saudade dos tempos de infância, quando, após a ceia, todos nos levantávamos para terminar a oração do terço com a Salve-Rainha, mãe de misericórdia….



Neste tempo de medos e carências que, para os cristãos, deverá, ser “um tempo de esperança preenchida”, apetece-me continuar: esperança nossa, salve … a Vós suspiramos… neste vale de lágrimas.

Salmos para rezar

Em 1988, visitei Pitões da Júnias e "desci até ao rio que vai escondido pelas margens de salgueiros e bétulas. De onde a onde, abre o seu coração em pequenas cascatas e pias límpidas de rocha nua. Tão belo! Bem lá no fundo as ruínas do mosteiro e o moinho dos monges coberto de colmo.”

E fiquei intrigado porque, enquanto o mosteiro jazia em total abandono, no moinho, havia sinais evidentes de recente utilização. Um pastor, que passava com a vezeira, informou-me que, no ano anterior, ali vivera o P. Telmo dos Gaiatos.


Para quê? - "Retiro? Desejo irreprimível, dum encontro comigo e com o Senhor?"


E no fim? "Na alma muita areia e caliça que a mó do moinho não conseguiu moer".

Abri a porta e ainda encontrei a "tarimba para o colchão e, no centro, a grande mó de granito. É o meu moinho! Nele cozinho, leio, rezo e falo com o Senhor!"


A mó era mesa e era altar.


"O Rio engrossou. O som da cachoeira é mais cavo. De todas as rochas e barrancos escorrem fios de prata.

Celebrei a Eucaristia no moinho.

A mó

Foi o Teu altar!

Tanto grão

Nela se fez farinha!

Saiu pão

Que de novo

Veio à mó

Adormecida;
Porque sobre ela

O converti

No Senhor da Vida!"

Há dias, ao visitar o P. Fontes, em Vilar de Perdizes, ele mostrou-me um livro e disse: - São salmos para rezar.
Sentado no velho escano ao calor da lareira, deliciei-me com os poemas e pensamentos que P. Telmo escrevera nos oito meses que viveu no moinho.
Porque fiquei maravilhado, apressei-me a oferecer-vos este convite que, para ser mais doce, polvilhei com citações do livro “Mourela o Rio e o Moinho do Mosteiro”.


Amigo, se puder, suba até à Mourela.


"Nua de arvoredo, sempre vestida de erva, urze e carqueja. Cumes e encostas em semicírculo convergem para as colinas e vales, no fundo dos quais se aninham os telhados vermelhos de Pitões das Júnias.


Cuidado com "a bosta das vacas, honradas e puras".


No “Café do Preto”, adquira o livro cujo produto vai inteirinho para os Gaiatos de Angola.


Desça até ao moinho.

Extasie-se:


"O tom azulado das montanhas! Cantam os pássaros! As ervas e as urzes largam, agradecidas, uma a uma, gotas de luz! Desce a encosta íngreme o chocalho solene duma vaca barrosã".


Bendiga:


"TEU silêncio, meu Deus

Me envolve

Neste anel de ternura!

Mistério infinito

Que cicia

Na solidão dos penedos

E na quietude profunda

Dos cumes;

Na flor da carqueja,

Na urze que viceja

E no som dos rios

Que vem lá do fundo

E é sangue a correr

Em cada veia

Desta imensidão!!! "


Reze:


"Senhor!

Quisera ser pedra

No alto do monte:

Quieta e muda

Banhada pelo Sol

Batida pela chuva

Varrida pelos ventos

Ou nuvens apressadas

E, nos dias de brancura,

Com os campos de neve

- para TE adorar! "


Tonifica os músculos, purifica os pulmões e faz muito bem à alma!