O Tanoeiro da Ribeira

segunda-feira, fevereiro 04, 2008

EM DIA DE NOSSA SENHORA DAS CANDEIAS…

UM MODO DE CONHECER O PORTO

Caro leitor, ao iniciarmos esta nossa conversa sobre o Porto, inspirada pela festa de Nossa Senhora das Candeias, gostaria de lhe contar um episódio que se passou, há já uns anitos, com o meu amigo Almeida. Tinha ele, à época, uma loja de tecidos no Largo dos Lóios. Para se manter a par da moda, todos os anos se deslocava a Paris. Numa dessas idas, chegou atrasado ao almoço que tinha marcado com o seu agente. Para se desculpar, começou por dizer que subira à Torre Eiffel e se demorara a contemplar o panorama. E enaltecia o Sena e suas pontes, a Catedral de Notre-Dame, os Inválidos. O amigo ouvia, ouvia e, no fim, confessou:
- Interessante, eu, que vivo aqui, nunca subi à Torre Eiffel. O meu amigo Almeida, todo empertigado, logo verberou a falta de cultura de um parisiense que não conhecia o “ex-libris” da sua cidade. Que parecia impossível!... E mais isto e mais aquilo… O outro ouvia, cabisbaixo, a reprimenda e, interrompendo-o, acrescentou:
- Interessante, nunca subi à Torre Eiffel, mas já subi à Torre dos Clérigos, “ ex-libris” do Porto. E começou a descrever a paisagem, o casario que descia até ao Rio dourado pelo sol, os reclames das Caves do Vinho do Porto que se levantavam do lado de Gaia, coroados pela mancha verde a perder-se no horizonte. E continuava… O meu amigo Almeida ouvia, ouvia e, no fim, muito timidamente, confessou:
-Eu nunca subi à Torre dos Clérigos (E o Largo dos Lóios fica mesmo ali à beira) E eu pergunto ao meu leitor:
-Já subiu à Torre dos Clérigos? E mais ainda, já percorreu as íngremes e tortuosas ruas do Porto Histórico? Não será daqueles que se desculpam com a falta de segurança? Ainda hoje, ao passar na rua da Bainharia, meti conversa com a D. Rosa, nada e criada nesse bairro, que me dizia: - Ó meu senhor, aqui vive muita gente honrada! Se for preciso há mais roubos nos centros comerciais do que aqui. Os portugueses é que têm medo… Isto está cheio de estrangeiros e não lhes acontece nada de mal.
E tem razão a D. Rosa. Também eu gosto de passear por ali e nunca fui maltratado, bem pelo contrário, sempre encontrei bom acolhimento.

Alexandre Herculano, que escolheu para viver uma casa no coração do Porto Medieval, assim o caracterizou: “ O Porto é a terra das minhas saudades (…) O seu aspecto é severo e altivo (…) Não façais caso de certo modo áspero e rude que lhe haveis de notar; trazei-o à prova e achar-lhe-eis um coração bom, generoso e leal”.

Leal, que bonita palavra hoje tão pouco usada! Faz parte da divisa da nossa cidade que está inscrita no seu brasão “ Antiga, mui nobre e sempre leal e invicta Cidade do Porto”. Camões, nos Lusíadas, escreveu:” Lá, na leal Cidade”. Esta honra fora-lhe reconhecida, já no século XV, pela patriótica fidelidade das suas gentes à causa do Mestre de Avis que escolheu a Sé do Porto para celebrar o seu casamento. Se o local representou um sinal de gratidão à lealdade das gentes do Porto, já a data foi escolhida para agradecer à Virgem a sua ajuda na estrondosa vitória sobre os castelhanos em Aljubarrota e que o levara a mandar edificar o Mosteiro de Santa Maria da Vitória (Mosteiro da Batalha), onde construiu o seu panteão real.



Cidade da Virgem





O casamento realizou-se no dia 2 de Fevereiro – Festa da Purificação de Nossa Senhora, vulgarmente conhecida por “Nossa Senhora das Candeias” - de 1387 , faz hoje precisamente 621 anos ( estou a escrever em 2 de Fevereiro de 2008). O local e a data convergiam no louvor à Virgem. Como reconhece a Sagrada Congregação dos Ritos, “ Na cidade do Porto, que, já desde a Idade Média, inscreveu piedosamente no seu brasão de armas as palavras “Civitas Virginis”, a Bem-aventurada Virgem Maria Imaculada é honrada com especial devoção.”
Não foi por acaso que, para além de Nossa Senhora de Vandoma cuja imagem coroava a Porta de Vandoma da antiga cerca e hoje se encontra na Sé Catedral, quase todas as portas da muralha fernandina, como nos informa Germano Silva, estavam sob a invocação da Virgem: Senhora do Socorro na Porta de Miragaia; Senhora do Ó na Ribeira; Nossa Senhora da Consolação na Porta das Hortas; no Postigo da Esperança, Nossa Senhora da Conceição e, na Porta de Cimo de Vila, Nossa Senhora da Batalha.”
Foi, por isso, com imenso agrado para os Portuenses que, no dia seguinte à festa da Senhora das Candeias, em 3 de Fevereiro de 1964, “A Sagrada Congregação dos Ritos, em virtude das faculdades que lhe foram concedidas por Sua Santidade, (…) constituiu e declarou a Beatíssima Virgem Imaculada Padroeira principal da Cidade do Porto” Porque somos a “Civitas Virginis”, orgulhamo-nos do brasão da nossa cidade que, no início do século XVI, começou a integrar a imagem de Nossa Senhora de Vandoma com o Menino ao colo entre as duas (antigas) torres da Sé. (A este propósito, aproveito para informar que o Coro Gregoriano do Porto projecta apresentar, no próximo mês de Maio, um CD temático dedicado a Nossa Senhora e em homenagem à nossa Cidade da Virgem.)

Casamento de D. João I
Amigo, se vivesse nesse ano já distante, certamente seria um dos muitos portuenses que se apinharia junto da Sé para assistir ao casamento do Rei com D. Filipa de Lencastre. Deliciemo-nos com a descrição feita pelo cronista Fernão Lopes.

E fizeram muito à pressa uma grande praça ante São Domingos da rua do souto,(…), onde justavam e torneavam grandes fidalgos e cavaleiros (…) E na Quinta-feira foram as gentes da cidade juntas em desvairados bandos de jogos. (…) As principais ruas por onde a festa havia de ser, todas eram semeadas de desvairadas verduras e cheiros. (…) A gente era tanta que se não podiam reger nem ordenar pelo espaço que era pequeno dos paços à igreja e assim chegaram à porta da Sé (…) onde dom Rodrigo, bispo da cidade, já estava festivamente em pontifical revestido, esperando com a cleresia. O qual os tomou pelas mãos, e demoveu a dizer aquelas palavras que a Santa Igreja manda que se digam em tal sacramento. Então disse a missa e pregação; e acabou seu ofício, tornaram El Rei e a Rainha aos paços donde partiram com semelhante festa, onde haviam de comer. (…) E o mestre-sala da boda era Nuno Álvares Pereira, Condestável de Portugal(…)

Caro leitor, se, como eu, não pertencesse à Nobreza, ao Alto Clero, nem à grande Burguesia do Porto, certamente não estaria convidado para a boda real, restar-nos-ia descer a Rua de S. Sebastião e assistir aos torneios na “Cruz do Souto”, o grande largo, ponto de encontro das duas vias de acesso ao velho burgo portuense: a que descia das alturas da “Porta do Olival” em direcção à Sé e a que subia da “Porta da Ribeira” para a “Porta de Cimo de Vila”. Nesse largo, confluem as ruas da Bainharia, do Souto, dos Pelames e a Rua Escura. - Já por lá passou?.

Um convite
Gostaria de terminar esta nossa conversa, fazendo-lhe um convite: venha percorrer as velhas ruas do Porto. Comece pela Sé e aí faça-se contemporâneo de todos aqueles que nela rezaram, imagine-se a participar no casamento de D. João I, contemple, no transepto, as imagens de Nª Senhora da Silva e de Nª Senhora de Vandoma. Depois, desça pela rua de São Sebastião até à Rua Escura. Na Cruz do Souto, vire para a Rua da Bainharia, suba a Rua de Sant’Ana. Ao passar no Arco, observe a imagem de Sant’Ana e as flores sempre frescas com que a devoção popular a venera, atravesse o Largo do Colégio, entre na igreja dos Grilos, vá até ao transepto e, aí, extasie-se perante o admirável retábulo de talha dourada que a Congregação dos Mercadores, no século XVIII, mandou construir em honra da sua Padroeira. É o mais belo altar que conheço dedicado a Nª Senhora da Purificação. Será uma forma de honrar Nossa Senhora e de partilhar deste meu modo de ver o Porto. Fica o convite.