O Tanoeiro da Ribeira

quarta-feira, novembro 25, 2015

CARTAS PARA D. ANTÓNIO BARROSO


Em sintonia com a homenagem que, no passado dia 7, foi prestada em Barcelos a este "santo bispo", gostaria de realçar os “Inéditos sobre D. António Barroso – Duas cartas históricas para D. António Barroso dos últimos reis de Portugal”, de António Júlio Trigueiros, SJ, publicado no Boletim de D. António Barroso.
 A primeira carta foi escrita pela rainha D. Amélia, viúva de D. Carlos e mãe de D. Manuel II, no dia 1 de outubro de 1910, apenas 4 dias antes da sua partida para o exílio. 
“Meu caro Bispo do Porto, / Aproveito a occasião de lhe agradecer os objectos da sua Sé e que acabei de desenhar para lhe dizer quanto me sensibilizou o artigo de fundo do “Correio do Norte” do dia 28 de Septembro. O artigo é do Abundio da Silva que conheço, e cujo talento tenho muita vez occasião de appreciar mas sei que, meu caro Bispo do Porto, protege o jornal que tão sensatamente, com tanta justiça e desassombro tem levantado a voz, e por isso queria que soubesse fiquei muito penhorada com o “Correio do Norte”. E muito gostaria de particularmente o Abundio da Silva pudesse saber dos meus agradecimentos// Tenho os objectos encaixotados e peço ao Reverendíssimo Bispo me diga se os quer mandar buscar ou se quer – o que é tão fácil – que eu os mande.// Peço-lhe me creia sempre a com o maior respeito.// Sua muito affeiçoada // Amélia”.
Esta carta, que surpreende pela cordialidade, deixa-me três perguntas.
 1ª- A que objetos se refere?
 2ª- Quem foi Abundio da Silva? 
3ª- E o “Correio do Norte”? 
Respostas: 
1ª - O objeto era o busto relicário de S. Pantaleão a respeito do qual disse D. Manuel Clemente em 2011: “A cabeça relicário, pouco antes da República, foi para Lisboa para ser desenhada por Dona Amélia, como de facto aconteceu. Sobrevinda a revolução, ficou no palácio das Necessidades, donde passou para o Museu de Arte Antiga e depois para o Soares dos Reis”. 
2ª - Abúndio da Silva, professor, advogado, jornalista e político, formou-se na Universidade de Coimbra em Teologia e Direito. No Porto, fomentou o “movimento católico procurando afirmar a presença da inspiração cristã na vida social”. Condecorado, em 1909, pelo Papa Pio IX com a cruz de ouro “Pro Ecclesia et Pontifice” escreveu, em 1911, no seu livro A Igreja e a Política: “Não pedimos à República o privilégio, mas o direito comum, a liberdade de consciência, de culto, de imprensa, de proselitismo e de associação. Não queremos para nós, católicos, um único direito que não reclamemos também para os outros, mas não queremos nos outros uma única liberdade que nós não fruamos também. E com a liberdade, estamos certos de que será mais fácil converter uma República que nasceu ímpia, do que cristianizar uma monarquia constitucional que viveu hipócrita.”
Claro e frontal.
3ª - Abúndio da Silva, para melhor difundir a doutrina da Rerum Novarum de Leão XIII, fundou o jornal O Correio do Norte que apareceu em 3 de Julho de 1910 e terminou em 10 de fevereiro de 1911. No primeiro número, dirigindo-se a D. António Barroso, explica que se trata duma publicação “sem preocupações ou compromissos partidários de qualquer natureza ou espécie” e terá como objetivo “ a união de todos os esforços, dentro do campo da Igreja, suficientemente grande para abranger todos os combatentes, e todos serão poucos, se como é mister, escolherem o terreno da acção social e popular, onde há tanto que fazer na recolha de Jesus Cristo para a fé e para a moral ...”. Em resposta, D. António Barroso, em 25 de julho, louvou o surgimento deste jornal por ser “constante desejo animar o desenvolvimento da acção social católica (…) que encontra na imprensa o seu principal elemento de propaganda (…) que se propõe instruir e educar o povo segundo os ensinamentos da Santa Igreja”.
A segunda carta escrita a D. António Barroso é do Rei D. Manuel II. 
Ao saber que o Bispo do Porto, regressado do exílio em Remelhe, não poderia voltar a residir no antigo paço episcopal que tinha sido confiscado pelo Estado, escreve-lhe por seu próprio cunho uma carta do seguinte teor: “Para o Reverendíssimo D. António Barroso, Bispo do Porto // Fulwell Park, Twickenham, Middleses // 5-III-1914 // Meu querido Bispo do Porto// Chegou-me aos ouvidos rumores de uma notícia que antecipava os meus desejos: a de eu lhe ter offerecidoo Palácio das Carrancas para sua residência. Nada me pode ser mais agradável e do coração desejo que isso se possa realizar. Já escrevi ao meu administrador geral Fernando de Serpa Pimentel para estudar o caso com o meu Mordomo Mór Conde de sabugosa, pois em vista das leis vigentes que pesam sobre as minhas propriedades, ignoro se dellas posso dispôr. Felicito-o a si e ainda mais a diocese do Porto, pelo seu regresso onde finalmente vae retomar o logar que sempre honrou com tanta coragem e dignidade.// Creia-me sempre meu querido Bispo um seu muito amigo que, com o maior respeito beija o seu sagrado anel// Manuel R.
O projeto indicado nesta carta, que revela enorme afabilidade, nunca veio a realizar-se porque, entretanto, já uma comissão de senhoras tinha encontrado na Quinta de Sacais na rua do Heroísmo, o paço onde D. António viveria até à morte.
Se associarmos estas cartas, a que acresce a de D. Carlos revelada pelo P. José Adílio (VP, 9/9), à dor de povo no momento da sua morte que a imprensa enalteceu, vemos como D. António Barroso concitava a admiração de toda a sociedade portuguesa. Mesmo daqueles que, por razões ideológicas, tanto o fizeram sofrer.


quarta-feira, novembro 18, 2015

FOI HÁ 20 ANOS


Pelo sonho... Partimos. Vamos. Somos.” (Sebastião da Gama)

No próximo dia 29, na Eucaristia da 17 horas da igreja da Trindade, o Coro Gregoriano do Porto celebra o seu vigésimo aniversário.
- “Partimos” - O sonho germinou com o “Veni Creator” no mosteiro de Arouca, em abril de 1995, num encontro de antigos alunos dos seminários do Porto. E concretizou-se no 1º Domingo do Advento desse ano quando, por sugestão do P. Ferreira dos Santos, o grupo matricial cantou o “Rorate” na igreja da Lapa.
- “Vamos” - Realizou concertos em muitas localidades, desde Caminha, Melgaço e Miranda do Douro a Ferreira do Alentejo, passando por Óbidos, Covilhã e Lisboa, a convite das Universidades do Porto, Vila Real, Beira Interior e Coimbra, de Autarquias Locais, Museus, Associações, Paróquias e outras instituições de índole científica, cultural e religiosa. Efetuou um concerto na Assembleia da República a pedido do seu presidente. Solenizou a “Missa do Peregrino” na Catedral de Santiago de Compostela e múltiplas celebrações na Sé Catedral do Porto. Em 9 de maio de 2012, cantou o “Salve Mater Misericordiae” na Audiência Geral presidida por Bento XVI, na Praça de S. Pedro, em Roma. G(VP, 18/11/15)ravou quatro CD em: 2000, “Rorate”, na igreja do Seminário Maior do Porto (esgotado); 2004, “Gaudete”, na Sé do Porto; 2008, “Ecce Mater Tua”, também na Sé; 2011 “Cantate Domino”, na igreja de S. João da Foz. Solenizou várias iniciativas da Voz Portucalense, sua distribuidora discográfica. Três motetes marcam o seu peregrinar: “Veni Creator”, o inspirador; “Rorate”, o fundador; “Salve Mater Misericordiae”, o de louvor.

- “Somos” - Com sede na igreja da Trindade, onde canta a Eucaristia das 17 horas, no último domingo de cada mês, dedica-se à divulgação do canto gregoriano sob orientação do diácono Freitas Soares, por falecimento do seu fundador, Belarmino Soares.
O canto gregoriano, com raízes pré-cristãs nas sinagogas judaicas e influências da música mediterrânica, foi reorganizado, no final do VI, por S. Gregório Magno que lhe deu estatuto de canto oficial da Igreja. Daí, lhe advém o nome. São quatro os períodos da sua história: formação - do começo da Igreja, sensivelmente, desde o fim das perseguições (313) até S. Gregório Magno (590); apogeu e difusão - desde S. Gregório Magno (590-604) até ao século XIII; decadência - do século XIII à primeira metade do século XIX; restauro - da segunda metade do século XIX, até aos nossos dias. Música litúrgica por excelência, é um convite ao silêncio que nos transporta ao recolhimento dos claustros medievais.
Amigo leitor, se quiser partilhar da sua espiritualidade, procure participar na anunciada Eucaristia do dia 29 que será precedida dum breve concerto. Fica o convite.

( 18/11/2915)

quarta-feira, novembro 11, 2015

UM PADRE DO VATICANO II


No passado dia 3, nas exéquias do P. Leonel, D. António realçou o seu amor à palavra de Deus e a sua dedicação aos pobres. No dia seguinte, a VP transcrevia um testemunho: “Mais que um humanista cristão, Leonel Oliveira foi um cristão humaníssimo”. Desde os tempos do Padrão da Légua sempre o vi como um “Padre do Vaticano II” ao serviço duma “igreja em saída” para as “periferias existenciais”. Em sua homenagem, vou falar, não dele, mas da capela de Fradelos onde se centralizou a sua última atividade pastoral.
Dedicada a Nossa Senhora da Boa Hora, foi construída no início do século XIX, num “terreno delimitado pelas ruas de Santa Catarina, Fernandes Tomás, Bonjardim e Alto da Fontinha e atravessado pelo Rio Fradelos que desaguava no Rio da Vila. Neste terreno, existia uma fonte pública denominada Fonte de Fradelos, cujo frontispício ostentava uma imagem de Nossa Senhora da Boa Hora”. Era então uma zona rural perto da estrada medieval, atual rua do Bonjardim, que ligava o Porto a Guimarães. 
 Rebocada e caiada de branco, quis o P. Matos Soares, já no século XX, revesti-la com azulejos alusivos a Santa Teresinha.
Para além do altar-mor e do teto de estuque decorado, merecem especial atenção os azulejos de Jorge Colaço , inspirados no livro “História de uma Alma” de Santa Teresa de Lisieux. “O 1.º painel mostra o diálogo de Teresa com o pai Luís ( recentemente canonizado com sua esposa Maria Zélie, no Dia das Missões e em pleno Sínodo dos Bispos) onde lhe revela a intenção de ingressar no Carmelo. 2.º – Ao lado do pai e do bispo vestida de branco de vela na mão. 3.º – Integra uma procissão que evoca o dia da tomada do hábito (1889). 4.º e 5.º – Toda a vida professou uma devoção particular ao Menino Jesus. No 6.º, sentada no banco de jardim do convento. 7.º – Ajuda uma irmã. 8.º – Prepara os vasos para a celebração da Eucaristia. Por último, Teresa no leito da morte”. Na capela mor, do lado do Evangelho, “no alto, a Padroeira, a medianeira de todas as graças, a rainha das missões; em baixo, Santa Teresinha, com o atributo da grinalda de rosas. Co-padroeira das missões com São Francisco Xavier que aparece a seu lado. Acompanha-os um povo aventureiro e evangelizador, representado pelo Infante D. Henrique, e São Nuno de Santa Maria. Do outro lado, uma imagem emblemática que simboliza o ideal supremo de Santa Teresinha: “Viver de amor... é considerar a cruz como um tesouro”(Cf. Desdobrável da capela).
No ano em que se celebram os 500 anos do nascimento de Santa Teresa de Ávila e em que os pais de Santa Teresinha foram canonizados, que melhor ambiente para um oração que este sítio onde ainda se respira o silêncio dos seus tempos rurais? Que melhor local para rezar e recordar o P. Leonel?

( 11-11-2015)

quinta-feira, novembro 05, 2015

NO PRINCÍPIO ERA O ESPANTO



Aristóteles, o grande pensador grego cuja filosofia, “batizada” por S. Tomás de Aquino, esteve na base da “escolástica”, dizia que ”o que na origem levou os homens às primeiras procuras filosóficas foi, como hoje, o espanto”. 
Do espanto nasce a interrogação que motiva a busca intelectual. O óbvio não suscita interrogações. Quem acha tudo normal e tem resposta para tudo não questiona nem se questiona.. Mas quem se se surpreende, esse, sim, procura encontrar respostas. 
Por isso se fala da filosofia espontânea das crianças que se espantam e nos surpreendem com as mais inusitadas perguntas. Ora profundas, como as do meu sobrinho de três anos que um dia levei a passear e que, ao ver o rio, as árvores, me questionava sobre a essência, origem e finalidade do seres: “O que é? Quem deu? Para que serve?”. Ora perturbantes, como a daquele menino a quem os pais disseram que a bisavó “tinha ido para o Céu” - “Foi de avião ou de foguetão?”

Mas o espanto não motiva apenas interrogações, também está na origem das emoções. Estas surgem, ainda os bebés não andam nem falam. Experimento-o todos os dias com a minha neta Clara. Tudo a emociona e faz vibrar. É uma pomba que debica, uma gaivota que esvoaça, uma migalha sobre a mesa, um crucifixo na parede, uma folha que mexe, um gato que passa, uma luz que se acende... Logo balbucia: ôh...ôh... e sorri. Como admira os presépios, as imagens, o relógio da Livraria Voz Portucalense... E a música?!...A clássica acalma-a, a rítmica fá-la baloiçar e bater almas.


O sorriso e o espanto são das primeiras manifestações humanas. O sorriso expressa e difunde bem estar, o espanto desperta o saber que elucida e as emoções que temperam e dão relevo à vida. Sem elas, o quotidiano torna-se monótono, sensabor, raso, plano (chato). E há tantas vidas rotineiras sem sorrisos nem surpresas...
O tema desta crónica nasceu-me no dia 19 passado quando, às 18 horas, assistia, na estação de S. Bento, a um concerto do “Festival Internacional de Órgão do Porto” e reparava nas reações dos transeuntes. Dos que iam para o comboio, uns nem se apercebiam do que se passava; outros, espantados, olhavam para o relógio e continuavam a caminhar mas de cabeça virada para trás; havia ainda os que paravam e se aproximavam. Dos turistas, um casal fazia “selfies”, uma senhora fotografava os belíssimos azulejos da estação, sem a mínima reação; outros sorriam de espanto e paravam. Como gostei de ver aquelas duas crianças francesas que se abeiraram do organista e ficaram imóveis durante todo o concerto, a menina com as mãos carinhosamente pousadas nos ombros do irmãozito!

Era bom que a nossa capacidade de sorrir e admirar não se desvanecesse com os anos. É o melhor “elixir da longa vida”. (4/11/2015)