O Tanoeiro da Ribeira

quinta-feira, novembro 05, 2015

NO PRINCÍPIO ERA O ESPANTO



Aristóteles, o grande pensador grego cuja filosofia, “batizada” por S. Tomás de Aquino, esteve na base da “escolástica”, dizia que ”o que na origem levou os homens às primeiras procuras filosóficas foi, como hoje, o espanto”. 
Do espanto nasce a interrogação que motiva a busca intelectual. O óbvio não suscita interrogações. Quem acha tudo normal e tem resposta para tudo não questiona nem se questiona.. Mas quem se se surpreende, esse, sim, procura encontrar respostas. 
Por isso se fala da filosofia espontânea das crianças que se espantam e nos surpreendem com as mais inusitadas perguntas. Ora profundas, como as do meu sobrinho de três anos que um dia levei a passear e que, ao ver o rio, as árvores, me questionava sobre a essência, origem e finalidade do seres: “O que é? Quem deu? Para que serve?”. Ora perturbantes, como a daquele menino a quem os pais disseram que a bisavó “tinha ido para o Céu” - “Foi de avião ou de foguetão?”

Mas o espanto não motiva apenas interrogações, também está na origem das emoções. Estas surgem, ainda os bebés não andam nem falam. Experimento-o todos os dias com a minha neta Clara. Tudo a emociona e faz vibrar. É uma pomba que debica, uma gaivota que esvoaça, uma migalha sobre a mesa, um crucifixo na parede, uma folha que mexe, um gato que passa, uma luz que se acende... Logo balbucia: ôh...ôh... e sorri. Como admira os presépios, as imagens, o relógio da Livraria Voz Portucalense... E a música?!...A clássica acalma-a, a rítmica fá-la baloiçar e bater almas.


O sorriso e o espanto são das primeiras manifestações humanas. O sorriso expressa e difunde bem estar, o espanto desperta o saber que elucida e as emoções que temperam e dão relevo à vida. Sem elas, o quotidiano torna-se monótono, sensabor, raso, plano (chato). E há tantas vidas rotineiras sem sorrisos nem surpresas...
O tema desta crónica nasceu-me no dia 19 passado quando, às 18 horas, assistia, na estação de S. Bento, a um concerto do “Festival Internacional de Órgão do Porto” e reparava nas reações dos transeuntes. Dos que iam para o comboio, uns nem se apercebiam do que se passava; outros, espantados, olhavam para o relógio e continuavam a caminhar mas de cabeça virada para trás; havia ainda os que paravam e se aproximavam. Dos turistas, um casal fazia “selfies”, uma senhora fotografava os belíssimos azulejos da estação, sem a mínima reação; outros sorriam de espanto e paravam. Como gostei de ver aquelas duas crianças francesas que se abeiraram do organista e ficaram imóveis durante todo o concerto, a menina com as mãos carinhosamente pousadas nos ombros do irmãozito!

Era bom que a nossa capacidade de sorrir e admirar não se desvanecesse com os anos. É o melhor “elixir da longa vida”. (4/11/2015)