NO PRINCÍPIO ERA O ESPANTO
Aristóteles, o grande pensador grego
cuja filosofia, “batizada” por S. Tomás de Aquino, esteve na
base da “escolástica”, dizia que ”o que na origem levou os
homens às primeiras procuras filosóficas foi, como hoje, o
espanto”.
Do espanto nasce a interrogação que motiva a busca
intelectual. O óbvio não suscita interrogações. Quem acha tudo
normal e tem resposta para tudo não questiona nem se questiona..
Mas quem se se surpreende, esse, sim, procura encontrar respostas.
Por isso se fala da filosofia espontânea das crianças que se
espantam e nos surpreendem com as mais inusitadas perguntas. Ora
profundas, como as do meu sobrinho de três anos que um dia levei a
passear e que, ao ver o rio, as árvores, me questionava sobre a
essência, origem e finalidade do seres: “O que é? Quem deu? Para
que serve?”. Ora perturbantes, como a daquele menino a quem os pais
disseram que a bisavó “tinha ido para o Céu” - “Foi de avião
ou de foguetão?”
Mas o espanto não motiva apenas
interrogações, também está na origem das emoções. Estas surgem,
ainda os bebés não andam nem falam. Experimento-o todos os dias com
a minha neta Clara. Tudo a emociona e faz vibrar. É uma pomba que
debica, uma gaivota que esvoaça, uma migalha sobre a mesa, um
crucifixo na parede, uma folha que mexe, um gato que passa, uma luz
que se acende... Logo balbucia: ôh...ôh... e sorri. Como admira os
presépios, as imagens, o relógio da Livraria Voz Portucalense... E
a música?!...A clássica acalma-a, a rítmica fá-la baloiçar e
bater almas.
O sorriso e o espanto são das
primeiras manifestações humanas. O sorriso expressa e difunde bem
estar, o espanto desperta o saber que elucida e as emoções que
temperam e dão relevo à vida. Sem elas, o quotidiano torna-se
monótono, sensabor, raso, plano (chato). E há tantas vidas
rotineiras sem sorrisos nem surpresas...
O tema desta crónica nasceu-me no dia
19 passado quando, às 18 horas, assistia, na estação de S. Bento,
a um concerto do “Festival Internacional de Órgão do Porto” e
reparava nas reações dos transeuntes. Dos que iam para o comboio,
uns nem se apercebiam do que se passava; outros, espantados, olhavam
para o relógio e continuavam a caminhar mas de cabeça virada para
trás; havia ainda os que paravam e se aproximavam. Dos turistas, um
casal fazia “selfies”, uma senhora fotografava os belíssimos
azulejos da estação, sem a mínima reação; outros sorriam de
espanto e paravam. Como gostei de ver aquelas duas crianças
francesas que se abeiraram do organista e ficaram imóveis durante
todo o concerto, a menina com as mãos carinhosamente pousadas nos
ombros do irmãozito!
Era bom que a nossa capacidade de
sorrir e admirar não se desvanecesse com os anos. É o melhor
“elixir da longa vida”. (4/11/2015)
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