E TORNAM A VIVER
O Francisco, na curiosidade dos seus 4
anos e telespetador atento do “Sid Ciências”, gosta de fazer
perguntas à maneira do Sid, um menino que começa cada episódio com
uma interrogação. Tempos atrás, ao ver os penedos da serra da
Aboboreira, perguntou: - Avô, as pedras crescem? - Não. - E porquê?
- Porque não são seres vivos. - E o que são seres vivos? - São as
árvores e os animais que nascem, crescem e morrem, respondi. - E
tornam a viver, acrescentou ele. Fiquei a pensar... Habituado a ir ao
cemitério regar as flores do tio Zé que “morreu e agora vive
junto de Jesus”, estende a imortalidade a todos os seres vivos.
Mais ainda, quando falámos da minha infância, sempre pergunta: - E
eu onde estava? Sem a noção de tempo abstrato, para a criança, ele
e os que ama sempre existiram e existirão. Esta experiência faz-me
lembrar as “ideias inatas” cartesianas, sementes de verdade que
nascem connosco e trazem consigo a marca do Criador. Vivemos como se
fôssemos eternos. A caducidade do humano sempre nos acompanha mas
nós ignoramos. Sentimos a finitude mas não nos deixamos acabrunhar
porque o futuro ilumina sempre os nossos horizontes. Quando acontece
uma desgraça, logo nos consolamos: “melhores dias virão”; “a
esperança é a última a morrer.”. E esta abre-nos ao futuro. Há
sempre um desejo por realizar. Estamos em construção permanente.
Ser temporal que vive no “hoje” projetado num “amanhã” que a
morte inibe, há no homem uma falha ontológica que só a eternidade
poderá colmatar. A sorrir, costumo aconselhar os jovens a concordar
com os pais quando, aborrecidos, lhes dizem “até parece que não
és bem acabado”. De facto, estamos num processo construtivo e
nunca terminado. Se a morte fosse o fim, o homem permaneceria como
ser irrealizado para sempre. E a vida redundaria num fracasso...
Quando nisto pensava, participei num
funeral em que o celebrante disse: “Nem tudo morreu neste irmão
que vamos agora acompanhar ao cemitério. Não enterramos as memórias
que perduram, o bem que semeou, as marcas que em nós deixou. Não
sepultamos a pessoa mas apenas os restos mortais. Pelo batismo, foi
enxertado em Cristo Ressuscitado. Um ramo separado do tronco seca e
morre, mas, quando enxertado faz-se um só com o novo tronco que lhe
dá vida. Assim, nós ao sermos batizados, deixámos de
“ser-para-a-morte” e passámos a “ser-para-a-Vida”. Deus não
nos deu uma vida para ser destruída mas para ser construída. Essa a
nossa responsabilidade em cada dia”.
A pessoa, único valor absoluto que não
tem preço mas dignidade, no dizer de Kant, donde emanam os “direitos
humanos”, clama pela transcendência. A vida humana,
contrariamente ao que diz o existencialismo ateu, ultrapassa os
limites da morte.
(30/9/2015)
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