O Tanoeiro da Ribeira

quarta-feira, julho 15, 2015

O Ateísmo Freudiano (II)


    Freud reconhece a pouca firmeza da sua argumentação: “Se as ideias religiosas não podem, racionalmente, ser provadas também não podem ser negadas”. Ao ler seus escritos sobre religião (Actos Obsessivos e Práticas Religiosas, 1907; Totem e Tabu, 1913; O Futuro duma Ilusão, 1927; Moisés e o Monoteísmo, 1939), ficou-me a impressão de que, ao longo de 32 anos, buscou argumentos para justificar a sua tese. Porquê esta fixação? Por que é que Freud nunca ousou psicanalisar o seu ateísmo?
    Três factores costumam ser apresentados.
    1. A psicanálise nasce ligada ao cientismo do século XIX. O conhecimento científico assumia-se, então, como o único válido e absoluto. A. Comte, paladino do positivismo, “ensinara mesmo que as explicações científicas dos fenómenos naturais e sociais deveriam ser complementadas com a institucionalização de uma nova religião” (Amadeu Araújo, Um erro de Afonso Costa)
    2. Em criança, teve uma ama católica que o levava a assistir aos atos religiosos. Severa perante as transgressões, ameaçava-o com o fogo do inferno. Esta “velha pré-histórica” fora despedida de sua casa por ter roubado. Sofreu e sentiu uma grande desilusão quando soube a motivação. Também em criança, viu o pai, por ser judeu, ser humilhado pelos vizinhos.
    3. Abrigava preconceitos contra o cristianismo em geral, a religião que através dos séculos havia infligido tão incontáveis sofrimentos ao seu povo. Sentia-se marginalizado e em 1938, com a invasão nazi, teve de fugir de Viena e refugiar-se em Londres onde morreu em 1939.
Concluindo... Viviam-se dias de incerteza. Como escreveu Brecht em1928, “Porque eu já o tinha esquecido/ao trucidado, e faz-me lembrar/Diariamente de vós, que estais vivos,/De vós que não fostes abatidos./Afinal porque não?” Freud é filho desse tempo e duma nação vítima do holocausto. O seu pessimismo leva-o a negar Deus porque “seria bom de mais que ele existisse”. Isto, porém, não retira pertinência à sua análise de cariz antropológico. Seria fácil dizer que não passa duma teoria sem base histórica ou experimental como seria de exigir ao “pai da psicanálise”; que o que estava a seu favor também podia ser contra; que a religião de que fala não é cristã; que lhe falta fundamentação teológica... Mas a verdade é que, ainda hoje, há práticas, ditas cristãs, que continuam a dar-lhe argumentos.
Para terminar lembro as palavras introdutórias da Encíclica “Fé e Razão” de João Paulo II: “A fé e a razão constituem como que as duas asas pelas quais o espírito humano se eleva para a contemplação da verdade. Foi Deus quem colocou no coração do homem o desejo de conhecer a verdade e, em última análise, de O conhecer a Ele, para que, conhecendo-O e amando-O, possa chegar também à verdade plena sobre si próprio.”

(15/7/2015)