O Tanoeiro da Ribeira

terça-feira, julho 14, 2015

O Ateísmo Freudiano (I)


Foi num funeral com a igreja cheia. Muitos estavam ali por razões meramente sociais. O celebrante falou como se estivesse perante uma pouco letrada assembleia de missa diária quando a maioria tinha formação académica superior e alguns uma perspetiva religiosa com forte influência freudiana. E veio-me à mente um texto que li em maio de 1974. Dizia:
“Se, no presente, as críticas feitas à religião seguem na linha de Marx, parece-me que, as de futuro, estarão muito mais na linha de Freud. Com as suas análises psicológicas, Freud vai muito mais fundo. É o homem das grandes intuições e, por isso, as suas conclusões, apesar de pouco fundamentadas teologicamente, devem merecer à Igreja muita atenção.”
E quais são essas as críticas?
Paul Ricoeur identificou três “mestres da suspeita”: Nietzsche, Marx e Freud. São estes os “pais” do ateísmo contemporâneo. Se Marx fala da religião como “ópio do povo” e, para Nietzsche, o cristianismo nada mais é que um “platonismo popular”, já Freud considera a religião como uma ilusão útil, mas transitória, para uma sociedade em menoridade. O homem precisa de viver em sociedade mas sofre com as suas exigências até porque “em cada pessoa existem tendências destrutivas, anti-sociais e anti-culturais”. A cultura, porque repousa sobre a obrigação de trabalho e a renúncia dos instintos individuais, tem de possuir meios de reconciliar o indivíduo consigo próprio e o recompensar desses sacrifícios. Ela dá desgosto e prazer, priva e satisfaz, proíbe e consola. Interdita mas, ao mesmo tempo, protege os homens e reconcilia-os uns com os outros. A formação da consciência moral, com a introjeção das normas parentais, substitui os meios externos de coação. A religião, “a parte mais importante do inventário psíquico duma civilização”, aparece como instrumento ideal ao serviço da ambivalência cultural. Sentindo-se impotente perante a natureza e a morte, o homem deseja libertar-se dessa angústia e , por isso, cria um pai todo poderoso, senhor do universo e da vida, que o defende e recompensa. Assim como a criança, quando cresce, deixa a nevrose infantil, assim também a humanidade, à medida que se for tornando adulta, libertar-se-á das ideias religiosas. Esta libertação terá de ser progressiva. Inicialmente, o homem vai sentir-se só, vai encontrar-se consigo mesmo sem alienações nem infantilismos. Aprenderá a aguentar os reveses da vida sem consolações alienantes. Freud reconhece que a ciência não poderá dar ao homem tudo o que a religião prometia, ou seja, a realização dos seus desejos mais profundos. Porque isso seria bom de mais, conclui que a religião não passa duma doce ilusão. Não acreditava na felicidade. Não admitia a escatologia. Renegava toda e qualquer “teologia da esperança”. (Continua)


(8/7/2015)