O Ateísmo Freudiano (I)
Foi num funeral com a igreja cheia.
Muitos estavam ali por razões meramente sociais. O celebrante falou
como se estivesse perante uma pouco letrada assembleia de missa
diária quando a maioria tinha formação académica superior e
alguns uma perspetiva religiosa com forte influência freudiana. E
veio-me à mente um texto que li em maio de 1974. Dizia:
“Se,
no presente, as críticas feitas à religião seguem na linha de
Marx, parece-me que, as de futuro, estarão muito mais na linha de
Freud. Com as suas análises psicológicas, Freud vai muito mais
fundo. É o homem das grandes intuições e, por isso, as suas
conclusões, apesar de pouco fundamentadas teologicamente, devem
merecer à Igreja muita atenção.”
E
quais são essas as críticas?
Paul Ricoeur identificou três “mestres
da suspeita”: Nietzsche,
Marx e Freud. São estes os “pais”
do ateísmo contemporâneo. Se Marx fala da religião como “ópio
do povo” e, para Nietzsche,
o cristianismo nada mais é que um “platonismo popular”, já
Freud considera a religião como uma ilusão útil, mas transitória,
para uma sociedade em menoridade. O homem precisa de viver em
sociedade mas sofre com as suas exigências até porque “em cada
pessoa existem tendências destrutivas, anti-sociais e
anti-culturais”. A cultura, porque repousa sobre a obrigação de
trabalho e a renúncia dos instintos individuais, tem de possuir
meios de reconciliar o indivíduo consigo próprio e o recompensar
desses sacrifícios. Ela dá desgosto e prazer, priva e satisfaz,
proíbe e consola. Interdita mas, ao mesmo tempo, protege os homens e
reconcilia-os uns com os outros. A formação da consciência moral,
com a introjeção das normas parentais, substitui os meios externos
de coação. A religião, “a parte mais importante do inventário
psíquico duma civilização”, aparece como instrumento ideal ao
serviço da ambivalência cultural. Sentindo-se impotente perante a
natureza e a morte, o homem deseja libertar-se dessa angústia e ,
por isso, cria um pai todo poderoso, senhor do universo e da vida,
que o defende e recompensa. Assim como a
criança, quando cresce, deixa a nevrose infantil, assim também a
humanidade, à medida que se for tornando adulta, libertar-se-á das
ideias religiosas. Esta libertação terá de ser progressiva.
Inicialmente, o homem vai sentir-se só, vai encontrar-se consigo
mesmo sem alienações nem infantilismos. Aprenderá a aguentar os
reveses da vida sem consolações alienantes. Freud reconhece que a
ciência não poderá dar ao homem tudo o que a religião prometia,
ou seja, a realização dos seus desejos mais profundos. Porque isso
seria bom de mais, conclui que a religião não passa duma doce
ilusão. Não acreditava na felicidade. Não admitia a escatologia.
Renegava toda e qualquer “teologia da esperança”. (Continua)
(8/7/2015)
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