UM MAR DE ESPERANÇAS
Vem de muito longe o meu fascínio pelo
Alentejo. Remonta à meninice quando meu pai, nas longas noites de
inverno à lareira, pegava na guitarra e, acompanhado à viola pelo
Ti Zé Branco, cantava: “Abalei do Alentejo/Olhei para trás
chorando/Alentejo da minh'alma/Tão longe me vais ficando”. Comecei
a sentir saudades dum Alentejo que ainda não conhecia. Por isso,
quando pude, fui à procura dessa terra dos meus sonhos. Já
acompanhado pelos filhos que, apaixonados pelo Asterix,
queriam encontrar romanos em todos os castelos. Numa Páscoa, apoiado
pelo Guia de Portugal da Gulbenkian, rumámos ao sul. Foi com
espanto que descobri, no coração do Alentejo, bem próximo do
Guadiana, um monte coroado por um castelo. Era Monsaraz. Nunca dele
ouvira falar. E foi com um misto de receio e deslumbramento que
subimos a estrada esburacada que serpenteava encosta acima e
calcorreamos as ruas da cidadela. Apesar do seu ar decrépito de
“velha senhora”, logo nos apaixonámos pela riqueza do
património, pela magia do silêncio, pela escuridão da noite
estrelada, pela paisagem sobre os campos alentejanos onde as papoilas
salpicavam de vermelho o verde dos trigais. Era um Alentejo, dourado
no verão, de pastores e rebanhos nos montes que bordejavam os
caminhos. Em cada taberna ouvia-se o “cante alentejano”. E as
pessoas como as senti acolhedoras! Numa tarde de verão, já lá vão
mais de 30 anos, parei o carro junto do castelo de Mourão. Logo um
pequenito me perguntou: - Quer visitar o castelo? Vou chamar o meu
tio que foi almoçar. - Não, para já o que queríamos era beber
água. - Venham comigo. E nós lá seguimos o Carlitos, era este o
seu nome. E qual não foi o nosso espanto quando o vimos bater a uma
porta e dizer: - Ó mãe, estão aqui uns senhores do Porto com os
meninos que querem água. Logo a mãe nos mandou entrar para a sala.
E, passado uns momentos, ofereceu-nos água nos mais fino serviço de
copos que teria. Amabilidade e finura de trato.
Os tempos mudaram. O Alentejo está
diferente. Mas as pessoas continuam amáveis. Há uns 5 anos, perto
do Alqueva, perguntei a um senhor onde haveria um barco para dar uma
volta pela albufeira. Disse-me: - Eu acompanho-o ao local. No carro,
fomos conversando. No regresso, pediu-me para estacionar à sombra
dum chaparro junto de sua casa. Saiu e chamou: - Ó Lurdes, a “sopa
de cação” também chega aqui para estes amigos do Porto? Chegou.
E que saborosa! E o melão com queijo? Que delícia... Ainda neste
verão ouvi um grupo de amigos cantar alentejano numa adega de
Mourão.
Das muralhas de Monsaraz, onde,
outrora, se via o verde do trigo, vê-se, agora, o azul do Alqueva,
o maior lago artificial da Europa. Que belas as margens e
refrescantes as suas águas! É um novo Alentejo a nascer...
( 2/9/2015)
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