O Tanoeiro da Ribeira

quarta-feira, janeiro 25, 2017


São Bom Homem

Na semana passada, falei de São Bom Homem e logo alguém me perguntou quem foi este santo.

Segundo a hagiografia, viveu no século XII em Cremona. Era filho dum comerciante que o batizou com o nome de Homobono, ou seja, Bom Homem. Na família, cultivou a probidade e a honradez. Seu pai, para além do industriar na arte do seu ofício, inspirou-lhe o horror à fraude e à injustiça. Aprendeu a ser rigoroso no seu trabalho de comerciante: os seus livros estavam sempre na melhor ordem, seus pagamentos com toda a pontualidade. Fazia da sua profissão uma condição providencial para ser bom cidadão e cristão virtuoso e exemplar.

São Bom Homem sofreu, com enorme paciência, o capricho, a injustiça e a arrogância de muitos com quem tinha de conviver. Com o seu paciente silêncio, as brandas respostas ou retribuindo as injúrias com favores, sempre venceu a malícia que o rodeava.

Considerava que a caridade com o pobre, que todo o cristão deve praticar, deve ser mais vivida pelo comerciante para não se deixar “dominar pela avidez de amontoar o vil metal”. E de tal modo exerceu esta virtude que, não só distribuiu pelos necessitados o dízimo da fortuna deixada por seu pai, como ia “procurá-los às choças, socorria-os, e com tal liberalidade, que sua esposa queixava-se de que daria cabo de tudo”. Ao que ele respondia: “dar esmola é pôr a juros no banco de Deus, que Jesus Cristo se obrigava a pagar na razão de cento por um”. O seu hagiógrafo assegura que Deus, muitas vezes, o  recompensou, aumentando-lhe o que tinha depositado nos armazéns.

 Apesar do muito trabalho com o seu negócio, arranjava sempre tempo para a oração e para ir, todas as noites, à igreja de S. Gil assistir às matinas e só de lá voltava depois de ouvir a missa da manhã. Era tal a sua devoção que inspirava nos outros os mesmos sentimentos: os tíbios tornavam-se fervorosos e muitos pecadores se convertiam com o exemplo da sua vida e a unção da sua palavra. A 13 de dezembro de 1197, encontrava-se, como de costume, a assistir às matinas. Ajoelhou diante do cruxifixo até se iniciar a Santa Missa. Ao Glória in excelsis, abriu os braços em forma de cruz. Pouco depois, caiu de rosto no chão. Pensando tratar-se dum ato de devoção, os circunstantes só se aperceberam da sua morte quando, após o Evangelho, viram que ele não se levantava. E assim expirou.

O bispo de Cremona solicitou a Roma a sua canonização que, após aturado processo de investigação, foi decretada pelo Papa Inocêncio II.

Com Nossa Senhora de Agosto, é padroeiro da Confraria dos Alfaiates e a sua imagem, única em Portugal em tamanho natural, é venerada na capela dos Alfaiates.

Amigo leitor, se a quiser conhecer, aceite o convite da VP para assistir à sessão comemorativa de S. Francisco de Sales.

(25/1/2017)

 

quarta-feira, janeiro 18, 2017


CAPELA DOS ALFAIATES



 

Quem conhece esta capela? Onde se localiza? Quem já a visitou? Donde lhe advém o nome? Que outro nome tem? Já ouviram falar de São Bom Homem?

O Porto esconde na sua malha urbana jóias arquitetónicas de grande valor mas, na sua grande maioria, desonhecidas do grande público

No ano passado, a Voz Portucalense, na Festa de S. Francisco de Sales, deu-nos a conhecer a Capela de Fradelos e os preciosos azulejos de Jorge Colaço. Este ano, leva-nos à Capela dos Alfaiates também conhecida como Capela de Nossa Senhora de Agosto - “Monumento nacional” desde 1927, é, no Norte de Portugal, o melhor testemunho da passagem do gótico para o maneirismo com claras evidências flamengas. Acontecerá no dia 29 deste mês, com início às três horas da tarde.

Em 1554, foi construída uma capela em frente à fachada principal da Sé Catedral, em honra de Nossa Senhora da Assunção que, ainda hoje, é a padroeira da diocese e da Sé Catedral. Porque a sua festa se realiza no mês de agosto o povo começou a invocá-la como “Nossa Senhora de Agosto”. Em 1853, sofreu obras de beneficiação a expensas da Confraria dos Alfaiates. Expropriada pela Câmara Municipal do Porto,  em 1935, para a abertura do Terreiro da Sé, foi reedificada,  em 1953, no local onde agora se encontra, perto da Praça da Batalha. Nessa mesma data, foram restaurados os painéis que representam a Anunciação, a Adoração dos Reis Magos, a Visita a Santa Isabel, a Natividade, o Menino Jesus entre os Doutores e a Fuga para o Egito.

O portal principal, de feição renascentista, é ladeado por duas colunas coríntias e rematado por um nicho com decoração flamenga que abriga a imagem da padroeira da capela. No retábulo da capela-mor, um conjunto de oito painéis, de origem flamenga, pintado entre 1590 e 1600,  representa a vida de Nossa Senhora.  Ao centro, a imagem em calcário de Nossa Senhora de Agosto com clara influência do Norte da Europa.  À direita do altar-mor, a imagem em madeira de São Bom Homem, do século XVII.

Nossa Senhora de Agosto e São Bom Homem são os patronos da Confraria dos Alfaiates.

Caro leitor, já poderá responder às perguntas iniciais. E compreenderá o que levou a VP a realizar, nesta capela,  a festa comemorativa de S. Francsico de Sales.

Se outros motivos não houvesse, - e sabemos que há – este bastaria para aceitarmos o convite da Voz Portucalense. Aproveitemos a oportunidade para conhecer tão bela capela…
 
 

(18-1-2017)

quarta-feira, janeiro 11, 2017


SANTUÁRIO DO MONTE DA VIRGEM

 


Minha mãe, nascida em 1905, falava-me das grandes peregrinações ao Monte da Virgem em que seus pais participavam quando ela era criança. Numa, contou-me, levantou-se, de repente, enorme ventania com um barulho que metia medo e assustou os cavalos da guarda que iam esmagando a multidão. Mas bastou o senhor bispo levantar a mão e tudo ficou sossegado. Esta áurea de mistério gravou-se na minha alma de menino.

Há dias, mão amiga fez-me chegar o livro “Monte da Virgem”, do P. Manuel Leão. Não encontrei qualquer referência ao possível “milagre”, mas vi confirmadas as grandes peregrinações do início do século passado.
 
A primeira concentração, com cerca de 100.000 pessoas, aconteceu em 25 de junho de 1905, na bênção da “ pedra fundamental do Monumento à Imaculada”, por D. António Barroso.
 
 A segunda foi “em janeiro de 1906, embora não tão concorrida como a do ano anterior”. Em 17 de junho, nova peregrinação para a bênção da capela. “Em 23 de Junho de 1907, no primeiro aniversário da capela, houve outra peregrinação. D. António Barroso entrou no desfile no Colégio do Sardão”. Em fins de junho de 1908, peregrinação em que D. António Barroso voltou a integrar-se no Colégio do Sardão. Em 10 de outubro de 1909, outra peregrinação vinda do Porto e presidida novamente por D. António Barroso. A última, antes da implantação da República, aconteceu no dia 11 de setembro de 1910.”D. António Barroso veio esperar pelo cortejo no Sardão, às nove horas da manhã”.

“ A partir desta data, fez-se silêncio.” A capela foi fechada e seus bens arrolados em favor do Estado. Mas os cristãos não se alhearam. Constituíram uma confraria e o culto voltou a organizar-se num ambiente sociopolítico hostil. Foi notável o contributo do “Grupo de Defesa e Propaganda Católica do Porto” a que pertenceu o pai de D. Januário, apoiado pelo seu pároco, P. Adriano Martins, de Santo Ildefonso. Em agosto de 1928, o J.N. já falava em cerca de 20 000 peregrinos que subiram o monte num espetáculo “grandioso e belo, único”.

É tempo de ouvir, novamente, o apelo à contemplação e ao louvor a “Jesus por Maria”, vindo do monte sobranceiro à “Cidade da Virgem”. E razões não nos faltam neste ano pastoral em que a diocese tem por lema “Com Maria renovai-vos nas fontes da alegria” e se vai celebrar o centenário das aparições de Fátima. E, ainda, porque se aproxima o centenário da morte de D. António Barroso que, no dizer do P. Luís (VP, 6/12/2016) foi o grande apóstolo da devoção coletiva a Maria Santíssima neste lugar “estando sempre pronto a vir presidir às peregrinações, chegando a fazê-lo várias vezes ao ano”.

O Monte da Virgem espera a nossa visita para uma oração de louvor e gratidão!...

Gostaríamos de a fazer, no “7.º Dia da Voz Portucalense”..
(11-1-2017)

quarta-feira, janeiro 04, 2017

NASCEM PEQUENINOS


Picos de Urbião

As nascentes dos rios sempre me encantaram. Essa atração já me levara até ao Mondeguinho, onde nasce o Mondego. Mas o maior desejo era ver a origem do Douro.

E o sonho concretizou-se. De Sória, seguimos para Duruelo de la Sierra, que, logo à entrada, expõe os brasões do concelho (onde o Douro nasce) e do Porto (onde desagua): “Ciudades Hermanadas”.
 
 
Sentindo-nos em casa, subimos de carro até próximo de Castro Viejo onde uma seta indicava a direção para “Fuentes de Urbión”.
Seguiu-se uma estrada de macadame até um grande largo. Era o fim. E agora? Um simpático espanhol informou-nos que, para chegar à nascente do Douro, eram precisas mais duas horas a pé.
 
Assim fizemos, por carreiros íngremes, entre pinheiros alpinos e faias de grande porte.
 
 
A partir de certa altura, o arvoredo acaba dando lugar à penedia entrecortada por vegetação rasteira de alta montanha.
 
 
Uma paisagem lunar abre-se em largos horizontes que, por montes ondulados, levam o nosso olhar para bem longe. E lá no cimo, dois grande cabeços graníticos escalvados. São os “picos de Urbión” que separam três províncias: Sória, Logroño e Lugo. É aqui, nesta aridez pedregosa, que nasce, tímido, o nosso Douro.  
 
 É um fio de água que se esgueira por entre pedregulhos e se esconde no meio das ervas. Ao vê-lo tão pequenino, apetece pegar-lhe ao colo. Com que meiguice o colhemos na concha da mão! Com que ternura ouvimos o seu balbucio de bebé!
 

 Sentado numa pedra, a 2080 metros de altitude, comentei com a minha companheira de aventura: - Mesmo os grandes nascem pequeninos… Quem poderia imaginar que, neste fiozinho de água que nos refresca os pés, está a origem dum grande rio ibérico: o terceiro em cumprimento depois do Tejo e do Ebro; o segundo em caudal, logo após o Ebro; o primeiro em bacia hidrográfica que, com 97 603 km2 de superfície, é bem maior que Portugal? Que desce, impetuoso, da montanha, alarga-se tranquilo no planalto, contorce-se nos profundos vales transmontanos e, depois de percorrer 897 km, acaba a descansar num amplo estuário antes de se fundir com as águas do Atlântico?

Depois foi a descida, bem cautelosa, por causa da caruma e das pedras soltas onde os sapatos escorregavam. Agarrávamo-nos aos arbustos … Mas valeu a pena! Agora quando, na Ribeira do Porto, o vejo passar, majestoso, apetece-me dizer-lhe: Olha que eu vi-te nascer!...

Caro leitor, que o novo ano, que ainda corre pequenino, traga coisas boas e nos ajude a crescer “em sabedoria e graça diante de Deus e dos homens” (Lc, 2, 52)

(VP, 4-1-2017)