O Tanoeiro da Ribeira

sábado, agosto 04, 2007

“O PRIMEIRO DIA…”


Foi na Sé Catedral do Porto que me ordenei sacerdote em 4 de Agosto de 1963, faz hoje 44 anos. Neste aniversário sacerdotal, data que sempre comemoro, novamente procurei responder à pergunta, já muitas vezes repetida: o que me fez ir para o seminário aos doze anos de idade?

Na escola…
Corria o mês de Fevereiro de 1951 e eu frequentava a quarta classe na Escola dos Moirais. No decorrer de uma aula, a professora, D. Beatriz, sem qualquer reflexão prévia, perguntou, “à queima-roupa”: - Quem é que, para o ano, vai estudar?
Ninguém se levantou a não ser eu. – Para que é que queres ir estudar? – Para padre. – Já falaste com o teu pai? - Não senhora, mas vou falar. Toda a gente ficou surpreendida: a professora, os meus colegas e eu próprio. Nunca tinha falado disto a ninguém, nem sequer me lembro de algum dia ter pensado nisso. Saiu-me naquele momento. Foi um impulso. E não consigo explicar porquê.
A partir dessa data, a senhora professora, para me treinar para pregador, como dizia, mandava-me fazer um discurso para os meus colegas, todos os sábados na aula da Mocidade Portuguesa. Os temas eram os mais variados… E eu gostava. Recordo que, depois disso, quando andava a tocar os bois no “Engenho da Barge”, durante horas e horas, ocupava o meu tempo a fazer discursos e sermões…Era do que eu mais gostava… Lá missas…e rezas…
Os meus colegas metiam-se comigo dizendo: - ó Dias, tu vais ser capado. Os padres são todos capados… Eu ria-me e não retorquia. As raparigas para me aferroarem diziam: - Olha o padreca”. Disso é que eu não gostava nada… Ainda me lembro de umas sapatadas que dei numa delas, creio que foi na Jerónima Mendes (ou foi na Tina ou na Custódia?). Começava a segregação…

Porquê?
Interrogo-me: - Por que é que eu estava disposto a aguentar isso? Não sei. Sinceramente, não sei…
Foi porque fui obrigado? Não, antes pelo contrário (Meu pai disse-me que, se eu quisesse, dava-me uma bicicleta e eu ia estudar, como externo, para o Colégio de Ermesinde.). Porque minha mãe queria? Não, nunca me falou nisso.
Minha família era católica praticante mas não eram pessoas de andar muito pela igreja. Iam à missa ao domingo e cumpriam as suas obrigações como cristãos. Mas não eram muito de novenas, nem minha mãe tinha tempo para ir à missa à semana e raramente ia ao terço ao domingo à tarde. Como zeladora do Sagrado Coração de Jesus, o seu trabalho limitava-se a receber as quotas dos associados e entregá-las na igreja. Tinha uma fé muito profunda no Santíssimo Sacramento, no Sagrado Coração de Jesus, no Espírito Santo e em Nossa Senhora, mas não era nada que se parecesse com uma beata…Não era de muitas promessas nem gostava de bisbilhotar… Tinha mais que fazer com uma casa de lavoura e cinco homens em casa…
Meu pai, para além de ser da Confraria das Almas, não tinha qualquer outra função na paróquia. Eu e meus irmãos íamos à missa ao domingo. Como criança, confessava-me e comungava nas primeiras sextas-feiras de cada mês e, com os colegas da escola, íamos ao terço ao domingo à tarde, para no fim jogarmos futebol. Não tinha qualquer outro contacto com o senhor Abade. Só me lembro de, sempre que me ia confessar, ele me perguntar: - “Então, a minha pipa já está pronta?” (Minha família era e é conhecida como os “Tanoeiros da Ribeira”, por causa do meu bisavô que era tanoeiro de profissão). Mas em ir para o seminário, nada.
Nunca em minha casa se falou em eu ser padre.. Era assunto que nunca foi abordado, não fazia parte das preocupações da família. Meu pai lamentava o facto de não ter deixado o meu irmão António ir estudar para advogado como ele queria e desculpava-se: - O António não pôde ir estudar porque, nessa data, não havia possibilidades mas o João, se quiser e aprender bem, poderá ir. Nunca foi dito para quê.
Eu, desde pequenino quando andavam a abrir a estrada que passava à minha porta, sempre disse que queria ser engenheiro. O António aconselhava-me a ir para advogado que foi sempre o seu sonho. Ainda pouco tempo antes de falecer, desabafava comigo: - Eu só tenho pena de não ter sido advogado.
Na minha família nunca houve um padre e só depois de eu ter dito que queria ir para o seminário é que minha mãe me falou num filho da prima da capela, o Manuel Joaquim, que andava no seminário e a quem ia pedir para me ensinar a ajudar à missa. Hoje somos “como irmãos”, mas, naquela época, não convivia com ele nem tinha consciência de alguém da família que frequentasse o seminário. Eu nem sabia o que era isso do seminário. Por isso, não disse que ia para o seminário mas sim que ia para padre. A minha vida de criança corria tranquila, entregue aos trabalhos da família, à escola e às minhas brincadeiras com os colegas ao fim-de-semana.
Nem teve nada a ver com o acidente que tivera aos sete anos. Já tudo passara e era uma criança perfeitamente integrada nas brincadeiras da minha idade: até tínhamos criado o “Futebol Clube Ribeirense” (Que grande discussão sobre o nome: Futebol Clube Ribeirense, à maneira do F.C do Porto ou Ribeirense Futebol Clube, à maneira do Boavista F. C.? Ganhou a primeira opção) e já havíamos cortado os pinheiros num baldio na Seixosa, que depois soubemos que era da Cerqueda, onde fizemos o nosso campo de futebol…
Isto que estou a escrever já o escrevi há muitos anos (andava no 8º ano do Seminário) para uma revista dos Padres Redentoristas. E a conclusão é sempre a mesma: não encontro nada que explique aquela minha frase à professora. Numa linha de fé, sempre interpretei como sendo uma questão de vocação. Não encontro outra explicação.

Em casa
Nessa tarde, logo que cheguei a casa, fui ajudar meu pai que andava a podar na cortinha: eu juntava os gravetos que ele cortava e transportava-os para a cozinha para minha mãe os usar no lume. Ainda estou a ver a cena. Meu pai estava em cima do cavalete e com a tesoura preparava-se para cortar mais um ramo da videira.
Pai, eu quero ir estudar para padre…
Meu pai pára, olha para mim, faz silêncio e, depois, diz:
- Isso fica muito caro e eu não tenho dinheiro.
Se o pai não pode, deixe-me ir pelos pobres (ir pelos pobres queria dizer que ia para os missionários onde não se pagava, como me tinha informado a senhora professora). A conversa acabou por aqui. Terminado o trabalho, subi para a cozinha onde contei tudo a minha mãe que também ficou muito surpreendida. Depois falei com meus irmãos a quem pedi para intercederem junto do pai para ele me deixar ir. Não sei o que se passou. Só sei que, passados uns dias, o meu irmão António veio dizer-me muito satisfeito:
- O pai está de acordo e deixa-te ir estudar para padre.
Fomos falar com o senhor Abade que também ficou surpreendido e me perguntou:
- Então tu queres ser padre? – Quero, sim senhor…- E porquê? É para teres um cavalo como o meu? (O senhor Pe. Carlos, assim se chamava o senhor Abade, tinha um bonito cavalo que montava sempre que se deslocava pela freguesia e que a criançada muito admirava) – Não senhor. Quero ser padre. E disto não saía.
Nas férias, o Manuel Joaquim da Sofia, que já tinha feito o quarto ano, ensinou-me a ajudar à Missa. Foram três semanas a ir para a sua casa na Capela. E aprendi a papaguear o latim. Já me sentia quase padre…

O Exame de Admissão ao Seminário
Não fiz qualquer preparação especial para o exame de admissão porque a senhora professora dissera que não era preciso, que eu estava bem preparado, até tinha ficado distinto no exame da 4ª classe.
Pelo sim ou pelo não, com o sábio conselho de meu irmão António, fiz uma promessa: se passasse no exame de admissão, atravessava a “Cavada de Vertido” descalço e sem olhar onde punha os pés (era a cavada onde havia mais tojo-arnal grande).
No dia do exame de admissão (seria Agosto?) lá fui eu até ao Seminário de Trancoso, em Gaia, acompanhado por meu pai. Fui na camioneta da “Valongueira” até à Travessa de Passos Manuel. Depois, seguimos a pé até Gaia. Foi a primeira vez que passei na ponte de D. Luís.
Sei que para esse dia meu pai mandou fazer-me um fato novo que me ficava muito largo porque eu estava a crescer… Meu irmão António que, nesse dia, andava no campo do Traganhal, costumava dizer, a rir, que eu, ao passar, parecia um cabide com o casaco a bambolear… Os sapatos ainda eram os da Comunhão Solene (meu pai comprava tudo grande para aguentar vários anos – recordo-me que me comprou um sobretudo quando andava no 4º ano que me deu até ser padre…).
Desse exame, lembro-me do Freitas Soares que fez oral a seguir a mim (foi o início de uma amizade que ainda hoje perdura…- é o meu padrinho de casamento) e de seu pai que falou com o meu e disse que era tecelão e era do Marco (disse-me agora o Freitas Soares que ofereceu o tear do pai ao Museu Soares dos Reis que o utiliza quando faz exposições de artesanato). Do exame só me recordo do tema da redacção que era, mais ou menos, o seguinte: “por que quero ser padre”. Fiquei aflito. Só sabia que queria ser padre. Mas o porquê... Que havia de dizer? Que gostava muito de ir à missa? Ia porque era obrigação. Que gostava muito de rezar o terço em casa? Também não, nunca mais acabava. Que gostava de ir ao terço ao domingo à igreja? Só quando acompanhado por outros colegas para jogarmos a bola no recreio da escola. Que desde pequenino queria ser padre? Não, apenas falei nisso na quarta classe. Que gostava de vestir uma da saia da mãe e rezar missas para os meus colegas? Não, nunca tal me passara pela cabeça. Que minha mãe queria muito que eu fosse para padre? Não, nunca me falara nisso. Que gostava muito do senhor Abade e queria ser como ele? Não, não tinha qualquer convivência especial com ele. Que fora a minha a minha catequista, a “Mestra Maruja”que me influenciou? Não, já tinha feito a comunhão havia dois anos. Que era para ser um apóstolo e salvar as almas dos pecadores? Era demais para mim. Que havia de escrever? E tinha de dizer qualquer coisa, se não reprovava. Então, lembro-me, em síntese, de ter contado que fizera uma “operação de barriga aberta”quando tinha sete anos. Que agora não podia fazer esforços e, por isso, não poderia ser lavrador. Tinha pensado em ser engenheiro e meus pais estavam de acordo. Mas na escola vi que não tinha jeito para o desenho… E, por isso, ia para padre… Que grande motivação!... Aqui estava o salvador do mundo!... Não sei o que pensaram os padres mas deveriam ter-se rido com a minha sinceridade… A verdade é que lá me desenrasquei e fiquei aprovado.
Meu pai para festejar, ao passar na Praça da Batalha, entrou num café ( actualmente, é o “Café Java”) e pagou-me um galão com uma bola de berlim. Que bem me soube aquela bola!... Que nostalgia sinto sempre que entro naquele café, sempre que como uma bola de berlim…

O cumprimento da promessa
E a promessa? O António não me deixou esquecer.... Uma tarde, logo após o jantar (o almoço), sem dizer nada à mãe que ignorava a minha promessa (só o António sabia), dirigi-me à Cavada de Vertido. Lá chegado, subi para cima da parede e olhei… Os tojos estavam grandes, havia pinheiros… A promessa dizia que não podia olhar para onde punha os pés… e, nesse momento, assaltou-me um medo terrível: - E se eu calco uma cobra?... (Sempre tive e tenho muito medo das cobras, é uma verdadeira fobia, um horror…e constava que naquela cavada havia cobras…). Pensei, ainda: - Na promessa, eu não disse se atravessava a cavada ao comprido ou à largura… E à largura era muito menos que ao comprimento. Houve hesitações…Mas não, é ao comprimento. Arregacei as calças para não as rasgar e, zás, botei a correr como um doido, só me desviava dos pinheiros. Quando cheguei ao fundo da cavada, foi um alívio… As pernas sangravam… mas a promessa estava cumprida e não tinha calcado nenhuma cobra…
Minha mãe, que desconfiara ao ver-me sair de casa sem dizer para onde ia, veio atrás de mim para se certificar do que se passava, mas manteve-se à distância a conversar com a tia Isaura junto da casa nova que ela construíra.
Ao ver-me a mancar e com as pernas a escorrer sangue, perguntou-me o que eu fizera e tive que lhe contar… Coitada… passou o resto da tarde a curar-me as pernas com aguardente e a tirar-me os picos dos pés… Mas não ralhou comigo. Promessas são promessas…

A entrada para o Seminário
A entrada para o Colégio de Ermesinde onde funcionava o primeiro ano do seminário (o 2º e o 3º era no Seminário de Trancoso), deu-se no início de Outubro. Creio que, nesse ano, só aconteceu em 14 de Outubro por causa das cerimónias da inauguração da Cruz Alta em Fátima no encerramento do Ano Santo que ocorreu no dia 13 de Outubro. Antes minha mãe teve que preparar todo o enxoval da roupa que deveria levar para o seminário: lençóis, fronhas, cobertores, colchas, toalhas, roupa interior, sapatos, e..e..e… Tudo o que era necessário: um enxoval completo. E mais, todas as peças deveriam ser marcadas com um número para não se misturarem com a dos colegas quando fossem para a lavandaria. Calhou-me o número 536. Coitada de minha mãe, com tanto que fazer em casa… O que valeu foi a Madrinha Margarida de Baguim que se encarregou de bordar a vermelho o meu número em todas as peças. Foi também ela que comprou uma mala/caixa de madeira que me acompanhou durante todo o seminário onde guardava o que me pertencia.
Não ficou barata a minha frequência do seminário. Foram doze anos, e eu nunca reprovei. Meu pai nunca me falou no dinheiro que gastava comigo, mas lembro-me de ter ouvido falar que, só pelo internato, teve que pagar, logo no primeiro ano, três contos e seiscentos. Não sei se esta quantia está correcta, só sei que paguei sempre a anuidade máxima, contrariamente a muitos dos meus colegas que pagavam muito menos. Para isso bastaria uma declaração do meu pároco, afirmando que éramos pobres mas meu pai nunca lha pediu porque considerava que não seria honesto da sua parte nem queria ficar a dever favores… Homem íntegro e de rígida têmpera…
No domingo anterior ao meu ingresso no seminário, convoquei todos os meus amigos de infância. Reuni-os na eira da casa e reparti por eles todos os meus objectos de maior valor: as rodas e ganchetas; as bolas feitas com meias de lã velhas; os piões, uns de lança e outros de bico, e as baraças; os botões (muitos eram novos, tinha-os ganho a jogar com a Lia que era a criada da Tia Isaura que negociava em panos e botões…). Era o total desprendimento… Era o fim do mundo da minha infância, um mundo confinado ao espaço limitado do meu lugar. Um mundo novo nascia, um mundo aberto à imensidão de uma diocese. Era a abertura à universalidade…
No dia aprazado, foi a despedida de casa. Lágrimas engolidas em silêncio. O Tio Adão, para disfarçar, imitava os robertos das feiras: - “Ai!... Ai!...Quem há-de comer da tua tigela?... E sorríamo-nos com um sorriso embaciado de saudade…
- E mais uma vez, lá partimos nós, meu pai. Companheiro sempre presente: acompanhaste-me ao hospital da Ordem do Carmo no dia da minha operação; acompanhaste-me à capela da Senhora da Encarnação, no dia da minha primeira comunhão; acompanhaste-me à Escola dos Moirais, no meu primeiro dia de aulas; acompanhaste-me à Escola do Calvário em Valongo, no dia do meu exame de 4ª classe; acompanhaste-me ao Seminário de Trancoso em Gaia, no meu exame de admissão e acompanhaste neste que, verdadeiramente, foi “o primeiro dia do resto da minha vida”. Lembras-te? Viemos na Valongueira até à “Estrada dos Garotos”. Depois, a pé, passámos por casa da Madrinha Margarida em Baguim e seguimos até ao Colégio de Ermesinde. Tudo para mim era novo. Recordas-te da minha admiração quando vi aquele cão enorme embalsamado colocado logo à entrada do Colégio? Não, não te lembras das minhas lágrimas de saudade quando tu te despediste de mim porque eu as sufoquei. Mas, à noite, quando me escondi debaixo dos lençóis, as lágrimas rebentaram nos meus olhos. Passava as noites a sonhar com minha aldeia. Esta foi a minha grande contradição: eu queria ser padre mas tinha umas saudades imensas da nossa casa… Especialmente a seguir às férias do Natal. Que sofrimento, meu Deus!... Lembras-te de, numa dessas ocasiões, me teres dito: - Filho, se não quiseres ir, não vás e vais estudar como o João Lino do Dr. Vale: estudas como externo no Colégio de Ermesinde. – Não, eu quero ser padre…Ainda hoje, meu coração se enegrece quando passo junto do Colégio de Ermesinde e, muito especialmente, perto do Seminário de Trancoso… Ainda hoje me interrogo como aguentei tal pressão… Só no quarto ano, já no Seminário de Vilar, é que as saudades começaram a aliviar… Obrigado, meu pai, pela liberdade que sempre me deste…E tu, minha mãe, obrigada pela tua partilha silenciosa de sofrimento.

Passados 56 anos…
Termino esta evocação, transcrevendo alguns excertos do texto que, a meu pedido como organizador do Encontro, o meu condiscípulo Ferreira de Brito escreveu para a festa comemorativa dos 50 anos da nossa entrada no Seminário.
Vínhamos dos quatro cantos da Diocese. Com um magro enxoval e um número gravado a vermelho em cada peça. Cabia tudo num baú de madeira de pinho ou numa mala mais vistosa. Todos trajando de negro, em geral com botas de pneu multiuso ensebadas para aguentarem longas temporadas. Um traço de ingénua ruralidade enformava a quase totalidade dos nossos rostos e das nossas atitudes. Marcas contrastivas da nossa proveniência geográfica também não faltavam denunciando um quadro geográfico e linguístico alargado, em que uns tinham dores de dentes e outros dores de dentes; em que uns nasceram a sessenta quilómetros e outros a poucos quilhómetros de distância. Os que pronunciavam evidentemente eram baionenses, amarantinos, marcoenses, a que se juntavam os mais isolados arouquenses. (…)
Éramos 91 rapazolas movidos por uma vontade inicial ou iniciática de um projecto de vida não sei se sociologicamente condicionado, se espiritualmente inspirado. (…) Estávamos todos à partida, vocacionados para algo de transcendente e marcados, para o bem ou para o mal, por uma segregação, imposta ou assumida. Éramos, ao que nos diziam, um grupo de eleitos que se preparariam, pelo estudo e pela ascese, para um dia, quem sabe, penetrar nos arcanos do ministério sacerdotal. (…)
Gratas recordações deste espaço multiplicam-se em cada um de nós neste dia, numa gama cromática de emoções eufóricas e disfóricas (…)
Pelo que, se me fosse dada a possibilidade de voltar atrás nos cinquenta anos vividos, eu calçaria de novo as minhas botas de pneu ensebadas, encomendaria o mesmo baú de pinho, que a minha mãe transportou à cabeça desde a estação de Ermesinde até ao Colégio, num dia quente de Outubro, em que as vendedeiras apregoavam:” bilha e água quinze tostões”.

Parabéns, amigo Brito, velho companheiro de bons e alongados caminhos, por este teu belíssimo texto que, com a ajuda prestimosa do Zé Felismino, incluí no opúsculo “FIGURAS DA(S) DAS MEMÓRIA(S) que distribuímos a todos os colegas e professores que connosco participaram no “ENCONTRO JUBILAR-1951/2001 – 06 DE OUTUBRO DE 2001” e de que irei fazer uma nova impressão para dar aos condiscípulos que me pediram.

É verdade, também eu voltaria a distribuir pelos colegas os meus botões, voltaria a verter lágrimas de saudade…
... E reiniciaria essa caminhada que me trouxe até aqui.