O Tanoeiro da Ribeira

quarta-feira, dezembro 21, 2016


 

Razões dum pseudónimo
 
Os vários textos que, com muto agrado, escrevi para o Boletim de D. António Barroso sempre foram assinados por João da Ponte. No número  de Janeiro/Março deste ano, uma nota da redação esclarecia qual o meu verdadeiro nome. E a pergunta poderá ter surgido: A que se deve este pseudónimo? 

Em 1911, os “carbonários” expulsaram da residência paroquial, junto da igreja matriz, o “Senhor Abade” da minha terra, S. Martinho de Campo, Valongo. Sem ter onde residir, foi acolhido numa quinta que, por ficar próxima da ponte-aqueduto sobre o rio Ferreira, recebia o nome de “Casa da Ponte”. O seu proprietário, pessoa bem respeitada na freguesia, era conhecido como “ João da Ponte”. Nessa data, minha mãe tinha apenas seis anos (nasceu em 1905). Toda a sua infância foi passada com o “Senhor Abade” a viver em sua casa e ficou marcada pela perseguição dos carbonários com episódios de violência por ela vivenciados. E falava-me também do “Senhor Bispo de barbas brancas que era um santo e sofreu como Nosso Senhor”. Se me disse seu nome, não o retive. Só sei que, para ela, era um santo que muito sofreu. Também não sei se alguma vez terá vindo a sua casa visitar o “Senhor Abade que esteve muito doente”. Mas era com muito carinho que me falava dos dois, associando-os no mesmo calvário. Também seu pai foi atormentado por ter dado guarida ao “Senhor Abade” que a arruaça anticlerical atacava.  

Com o pseudónimo que adotei, numa publicação dedicada a um bispo a quem minha mãe tanto amava, quis dar graças a Deus pelo meu avô materno , de quem recebi o nome e cuja imagem amiudada e bondosa se esbate no tempo, pois morreu era eu ainda menino.  E, nele, quis homenagear os cristãos, de rígida têmpera, que arrostavam com a sanha antirreligiosa  para defenderem os seus “pastores”. Sem esquecer minha mãe que, em solteira, era a Maria Rosa da Ponte.
(Dezembro de 2016)
 
 


Pelos Pirenéus…




Castelo de Xavier - Espanha

Apaixonado por ciclismo, há muito alimentava o sonho de percorrer, de carro, as etapas pirenaicas da “Volta a França” para homenagear Ribeiro da Silva - “O Herói do Tourmalet”- grande ciclista, natural de Lordelo, Paredes que o perenizou numa estátua.

 Em outubro, fiz-me à estrada… A primeira paragem significativa foi, já nas fraldas dos Pirenéus, no castelo onde nasceu S. Francisco Xavier, o “Apóstolo das Índias”, o primeiro a levar o Evangelho até ao Japão, em 1549. (cf. VP. 7/12/2016, pág.15). Ao percorrer a igreja, deparei, na base do altar de Nª Sª do Carmo, com a inscrição “AQUI NACIÓ SAN FRACISCO JAVIER – 7 de ABRIL DE 1506”.
 
 Foi um momento de recolhimento e ação de graças por todos os jesuítas que marcaram a história da Igreja, a começar por Santo Inácio, de Loiola, ali bem perto, até ao nosso papa Francisco, sem esquecer S. João de Brito que, ao partir para o Oriente, se despediu do Porto numa varanda do atual Seminário Maior; S. Francisco de Borja que fundou o primeiro colégio jesuíta do Porto, na rua do Barredo que recebeu o seu nome; P. António Vieira, mestre da nossa Língua e defensor de escravos e índios.
 

Depois, foi subir até Roncesvales por onde, ao longo dos séculos, passam os peregrinos do Caminho de Santiago francês, e onde, em 778, se deu a batalha que inspirou a “Canção de Rolando” , a mais antiga das “canções de gesta” que, na Idade Média, os jograis cantavam por toda a Europa.
 
 
 
Vale a pena uma paragem não só para mergulhar na história e descansar o olhar no verde das faias, mas também para admirar a igreja gótica da Real Colegiada, do século XIII, e, no altar-mor, a imagem de Nossa Senhora de Roncesvales.


Passada a fronteira francesa, foi descer em direção a Lourdes. E aí mais uma paragem para participar na eucaristia dominical na Basílica de S. Pio X. Lugar paradisíaco que descansa o corpo e faz bem à alma.

Reconfortado o espírito, há que subir ao cume do mítico Tourmalet, a 2115 metros de altitude, onde um monumento recorda os “heróis da estrada”.
 
 
 
 
 
Lá nas alturas, elevei o pensamento até Deus e pensei em Ribeiro da Silva, que, ali, venceu em 1957. Passou por estas curvas e contracurvas arrepiantes sobre precipícios medonhos sem qualquer acidente e acabou por morrer, em 1958, com apenas 23 anos, num desastre bem perto da sua terra… O mesmo aconteceu ao grande Joaquim Agostinho… Mistérios da vida...

Mistérios… E o que é o Natal se não a celebração do grande Mistério da Vida feita plenitude em Jesus?

Um Santo Natal para todos.

(VP- 21/12/2016)

quarta-feira, dezembro 14, 2016

E OS SINOS REPICARAM FESTIVOS...


 

Foi no dia 5 de dezembro. Os jornais tinham anunciado. Para participar nessa festa, desloquei-me até junto da antiga ponte de S. Domingos que, outrora, ligava o Largo de S. Domingos à velha rua de S. Crispim, hoje, travessa da Bainharia. Aí se encontram as duas colinas do centro histórico do Porto. Das bandas do nascente, levanta-se o morro da Pena Ventosa, encimado pela Sé Catedral – cidade episcopal – que, feito burguês no século XIII, desce até ao rio da Vila. Do lado poente, ergue-se o morro do Olival, coroado pelo imponente mosteiro de S. Bento da Vitória – cidade monástica - que se aburguesou com a rua das Flores, no século XVI.

As doze badaladas caíram lá do alto da torre da Sé. E logo um bando de pombas levantou em alvoroço do beiral da igreja da Misericórdia. Também as gaivotas se agitaram e voavam, desordenadas, num céu azul que o sol iluminava. E, durante vinte minutos, os sinos repicaram, alegres. Uns, pesados e lentos vindos dos lados da Sé, outros mais finos e irrequietos chagavam-nos das bandas da Vitória. Ali se cruzavam sons e tons numa profusão que impossibilitava a identificação das igrejas donde provinham. S. Lourenço? Sé? Terço? Congregados? Clérigos? S. João Novo? Vitória? Misericórdia? S. Nicolau?

E as gentes, de cabeça no ar, paravam, interrogativas, e deliciavam-se. Porquê esta sinfonia? Não, não era pelo 2º aniversário da minha neta que, ali bem perto, dormia tranquila o sono da manhã.

A razão de toda esta festa veio de longe, da cidade de Mérida, no México. Já lá vão 20 anos… Foi aí que, no dia 5 de dezembro de 1996, “o Centro Histórico do Porto foi acrescentado à lista dos sítios classificados como Património Mundial pela UNESCO, tendo por base o critério IV (cultural), considerando que este bem possui valor universal pelo seu tecido urbano e pelos seus inúmeros edifícios históricos que testemunham o desenvolvimento ao longo do último milénio de uma cidade europeia virada para o ocidente pelas suas ligações comerciais e culturais. Atualmente o bem denomina-se Centro Histórico do Porto, Ponte Luís I e Mosteiro da Serra do Pilar”. Assim reza o livro “20 ANOS – PORTO PATRIMÓNIO MUNDIAL – 20 IMAGENS” ,  apresentado, na tarde desse dia, na Biblioteca do Seminário Maior. O Presidente da Câmara, que presidiu, realçou o valor desse título: “Se não fosse essa classificação, se calhar, não tinha sobrado nada do Centro Histórico”.

 Como a velha Fénix, o Porto renasceu das cinzas…

Até ao dia 8 de janeiro, esta cidade rejuvenescida ganhou nova luz, muito especialmente, à noite, com sete instalações luminosas na Cordoaria, Largo do Amor de Perdição, Clérigos, Largo dos Lóios, Estação de S. Bento e Bairro da Sé.

Deixo-vos o convite: “Venha ver o Centro Histórico com outra luz”…
 

(14/12/2016)

terça-feira, dezembro 06, 2016


MI - Monte da Virgem


D. António Barroso

Há dias, ao visitar o Monte da Virgem, fui surpreendido pelo medalhão que encima este texto. E interroguei-me: Porquê? A resposta logo me surgiu numa placa que diz: “Bênção da pedra fundamental  XXV-VI-MCMV ”.  Não havia dúvida. Foi D. António Barroso quem presidiu a esta bênção. Confirma-o uma inscrição latina: “A Diocese do Porto dedica à Imaculada Virgem Maria este Monumento de amor, cuja primeira pedra colocou o Prelado D. António Barroso a 25 de junho de 1905”

Ao caminhar para a capela, deparei-me com o busto do Padre Luís, com a inscrição: “Legou-nos o Monte da Virgem (…) e o seu santuário consagrado à Imaculada Conceição. Tão grande era o seu amor pelos pobres que se despojava das suas roupas para os agasalhar. Pediu que continuassem a sua Obra”. E a “Obra do Padre Luís” aí está a atestar que sua vontade foi cumprida…

Na sacristia, consultei o livro, editado em 1956, com o título: “O Monte da Virgem” (As minhas recordações). E qual não foi o meu espanto ao verificar que o seu autor era exatamente o bondoso Padre Luís. É uma relíquia e um tesouro, exemplar único que bem merece ser reeditado…

 Começa assim: “No primeiro dia de Janeiro de mil novecentos e cinco, um grupo de cinco homens, unidos pela mesma amizade, subia lentamente o “Monte Grande”, erguido em frente da cidade do Porto, num extremo da freguesia de Oliveira do Douro”. O Padre Luís, um desses amigos, esclarece que, no ano anterior, um deles tinha gravado “numa das rochas do Monte Grande, em homenagem a Nossa Senhora, as iniciais de “Maria Imaculada” (MI). O grupo sentado em volta do rochedo decidiu: “O Monte Grande, futuro pedestal do monumento a Maria Imaculada, chama-se desde esta hora “Monte da Virgem”.

A respeito de D. António Barroso, o P. Luís esclarece “ O Monte da Virgem ficou sempre um dos lugares preferidos do seu coração e do seu amor a Nossa Senhora. Muitas vezes o subia a pé, recitando o terço, em companhia de algum sacerdote do Paço. Dizia que isso lhe servia de descanso, e ao mesmo tempo lhe permitia recordar as suas jornadas de missionário em Angola e Moçambique”. E afirma: ”Ficou sendo um dos prelados de maior relevo na história da Diocese: genuína têmpera de português antigo e invulgar modelo de missionários, de sacerdotes e de bispos”. Autorizado testemunho!

Que belo lugar para lembrar D. António Barroso e rezar pela sua beatificação…
 
 
 

( 6/12/2016)