O Tanoeiro da Ribeira

quarta-feira, dezembro 20, 2017


 

 

UMA ESTRELA NOS GUIA...
 
Sentados num penhasco, admirávamos a grandiosidade da paisagem. A serra vestira-se de sol. Mas uma pequena nuvem manchava de cinza o azul do céu e a neblina ofuscava os horizontes mais longínquos…

Mesmo nas horas mais felizes, há sempre uma nuvem, uma neblina a turbar-nos o coração… Saudades… Recordações… Olhos que se alagam… Corações que choram.

Foi então que nos veio à mente a lenda da serra que tão bem nos acolhia naquela tarde de outono.

«Era uma vez um jovem pastor que vivia numa aldeia remota e tinha como única companhia um cão. Ao longe, via uma serra enorme que esperava escalar para contemplar as terras que existiam para além dela. E uma noite sonhou que uma estrela lhe tinha segredado que lhe serviria de guia. Acordou, olhou para o céu e verificou que, para além das estrelas habituais, havia uma diferente – a sua estrela. O sonho repetiu-se; e uma noite o pastor decidiu-se, pegou nos seus poucos haveres, chamou o cão e, movido pela fé na estrela, abalou em busca do seu sonho.

Os anos passaram – primeiro acompanhado pelo cão e depois sozinho porque este morrera- o pastor continuou a caminhar ao encontro da serra, mas, por mais que caminhasse, ela parecia andar à frente dele, ficando sempre à mesma distância. Quando, já velho, atingiu o topo da montanha, pôde finalmente respirar a liberdade total, face ao maravilhoso horizonte que lhe foi dado contemplar. O seu desejo acalmou por fim.

Um dia o pastor morreu, os pastores que olharam então a estrela viram que ela brilhava mais que habitualmente. Em memória do pastor, a serra ficou a chamar-se «Serra da Estrela» (cf. Descobrir…Portugal)

 

Os olhos secaram... A nuvem desaparecera… e os horizontes alongaram-se…

Como o pastor… É o sonho que, “por verdes prados” nos pinta de esperança as dores de cada dia. A Fé leva-nos a atravessar sem temor “o vale escuro”. A estrela “guia-nos pelas veredas da justiça”(Salmo 23).

Também os Reis Magos foram movidos por uma estrela. E nós?

O sonho dos profetas realizou-se em Belém onde o “Verbo se fez carne e habitou entre nós“(Jo 1,14)

 

O Natal aproxima-se…Sorrisos e lágrimas. Deixemo-nos envolver pela ternura transcendente do Menino-Deus! Ele é a Estrela sempre presente, mesmo quando parece esconder-se…

 

Como é bela a mensagem do Papa Francisco de 2015: “Natal és tu, quando te dispões, todos os dias, a renascer e deixar que Deus penetre a tua alma. O pinheiro de Natal és tu, quando com a tua força, resistes aos ventos e dificuldades da vida. A estrela-guia de Natal és tu, quando consegues levar alguém ao encontro do Senhor. A ceia de Natal és tu, quando sacias de pão e esperança qualquer carente ao teu lado. Tu és a noite de Natal, quando, humilde e em silêncio, recebes o Salvador do Mundo”.

Santo Natal!

 (20/12/2017)

quarta-feira, dezembro 13, 2017


TERRA DE SANTA MARIA
 

 Foi no funeral de D. António Francisco que decidi escrever, em sua honra, dois textos a publicar nas proximidades da Festa da Imaculada Conceição. O primeiro em memória do nosso último encontro que aconteceu na única paróquia do Porto que tem Santa Maria como padroeira. O segundo para agradecer suas palavras em 4 de junho passado - “Dia da Voz Portucalense”- e o interesse com que seguiu a visita ao “Monumento à Imaculada”, no Monte da Virgem.

Perde-se no tempo a devoção dos portugueses a Nossa Senhora que, bem cedo, a invocaram como Santa Maria. Nem é preciso remontar ao apóstolo São Tiago que a tradição coloca na origem de Nossa Senhora da Oliveira, dedicada a Santa Maria, em Guimarães. E ainda hoje a medieval “Rua de Santa Maria”, que lhe fica junto, é a menina bonita dos vimaranenses.

No século X, já a região litoral do Entre Douro e Vouga tinha o nome de Terra de Santa Maria. E, no século XI, no Algarve existiu a taifa de Santa Maria, como demonstra a evolução do nome da cidade de Faro. Ossónoba, de origem fenícia, manteve-se até ao séc. V quando passou a chamar-se Santa Maria de Ossónoba. No séc. IX, o termo Ossónoba desaparece dando lugar a Santa Maria do Ocidente. No século XI, após o governo de Said Inb Harun, na taifa de Santa Maria, passa a designar-se Santa Maria Ibn Harun. No séc. XIII, os portugueses chamam-lhe Sancta Maria de Faaron, que, no século XVIII, passa a ser, simplesmente, Faro.

 No século XII, já as catedrais de Braga, Coimbra, Porto, Lamego eram dedicadas a Santa Maria. E São Pedro de Balsemão, perto da cidade de Lamego, de origem suevo- visigótica, - “ a igreja mais antiga de Portugal”- tem uma capela em honra de Santa Maria mandada construir pelo bispo do Porto, D. Afonso Pires, no século XIV, que escolheu esta igreja para a sua sepultura.

D. Afonso Henriques e seu pai, Conde D. Henrique, concederam à Sé bracarense grandes privilégios, elevando-a à categoria de templo nacional. Santa Maria de Braga passou a ser padroeira do Portugal nascente. Antes da batalha de S. Mamede (24/6/1128), para além doutras doações, “ O Conquistador” confirmou o couto à sé de Braga e acrescentou que, se alguém violasse essas concessões, incorresse na indignação da “Rainha Sancta Maria”.

Miguel de Oliveira, em “Santa Maria na História e na Tradição Portuguesa” diz: “Santa Maria! Até ao fim da Idade Média, era esta a invocação mais comum e o mais divulgado título da Mãe de Deus (…) Os poetas dedicavam-lhe trovas com o nome de «Cantigas de Santa Maria». Os livros dos seus devotos chamavam-lhe «Horas de Santa Maria». As igrejas que se lhe consagravam, as festas litúrgicas em sua honra, as terras que a tomavam por padroeira eram todas de «Santa Maria». O velho solar lusitano orgulha-se de ser conhecido por Terra de Santa Maria”.
 

SENHORA DA CONCEIÇÃO, RAINHA DE PORTUGAL
Vem de longe a devoção à Imaculada Conceição, na Península Ibérica. Já em 656, no Concílio de Toledo em que participou S. Frutuoso, bispo de Dume, se fixou o dia 8 de dezembro como data da sua festa.

No início do século XIII, festejava-se a Imaculada, no Mosteiro de Pombeiro, em Felgueiras. E em 1320, o bispo de Coimbra, por influência de Santa Isabel, decretou: “Estabelecemos e mandamos que na nossa igreja catedral de Coimbra façam festa em cada um ano, no oitavo dia do mês de Dezembro, no qual dia a Virgem gloriosa Santa Maria foi concebida”. (A Virgem Maria – Padroeira e Rainha de Portugal)

Na Idade Média, deu-se grande incremento à devoção mariana por influência de S. Bernardo, de Santo António, e dos reis S. Luís, de França e S. Fernando, de Castela. O povo peregrinava em massa para os santuários que iam surgindo em sua honra.

Nos finais do século XIV, D. Nuno Álvares Pereira, Condestável do Reino, dedicou, em Vila Viçosa, uma capela a Nossa Senhora para a qual mandou vir de Inglaterra a imagem de Nossa Senhora da Conceição. E assim a Casa de Bragança, de que é fundador, e Vila Viçosa ficarão para sempre ligados ao culto à Senhora da Conceição. A devoção de D. Nuno era tal que, quando deixou as lides militares, se recolheu ao Convento do Carmo por ele fundado, em 1389, e adotou o nome de Frei Nuno de Santa Maria. Hoje, veneramo-lo como São Nuno de Santa Maria.

Em dezembro de 1644, D. João IV, o primeiro rei da Dinastia de Bragança, escreveu à Universidade de Coimbra avisando “haver resoluto e ordenado que todas as cidades, vilas e lugares de seus reinos tomassem por Padroeira a Virgem Nossa Senhora da Conceição”.

Em 25 de março de 1646, nas Cortes de Lisboa, os três Estados do Reino decidiram aclamá-la Padroeira do Reino. E o rei sancionou esta deliberação com uma provisão régia que dizia: “E da mesma maneira prometemos e juramos, com o Príncipe e Estados, de confessar e defender sempre, até dar a vida, sendo necessário, que a Virgem Senhora Mãe de Deus foi concebida sem pecado original”.

Como sinal, a partir dessa data, nenhum rei português usou a coroa real na cabeça, direito que passou a pertencer apenas a Nossa Senhora. Em cerimónias solenes, a coroa era colocada em cima de uma almofada, ao lado do rei. Facto único no mundo.

A declaração de D. João IV pode ser lida na lápide que ornamenta a face poente do “Monumento à Imaculada”, no Monte da Virgem.

Quando se aproxima o centenário da morte de “O Bispo dos Pobres” e ainda choramos “O Bispo do Povo, o Monte da Virgem é um bom local para rezar e invocar a memória destes bem-amados bispos do Porto: D. António Barroso que, em 25 de julho de 1905, benzeu a “pedra fundamental” do Monumento à Imaculada e D. António Francisco que, em 4 de junho passado, aí presidiu ao “Dia da Voz Portucalense”. Louvor e ação de graças.

(13/12/2017)