O Tanoeiro da Ribeira

quarta-feira, junho 28, 2017


 BARRELAS- "CAPITAL ECOLÓGICA"

 
 
 

Quem já viu esta cruz? Em que paróquia?


O “Malhadinhas” de Aquilino diz ser a “cruz do rei Vanda” e classifica a sua igreja como “6ª Maravilha do Mundo com obras de talha como não há em Portugal ”. Desculpe-se o exagero…

Trata-se duma igreja do século XVII, de feição arcaizante, com elementos anteriores como a coluna que suporta o coro, resto da igreja românica do século XII. A capela-mor é uma obra-prima: no altar-mor em talha dourada, sobressai um camarim profundo com um trono encimado pelo “místico cordeiro”; no teto, 49 caixotões do século XVIII descrevem a Genealogia de Jesus. A nave está, igualmente, recoberta de caixotões, com figuras da Igreja Celeste. Um verdadeiro catecismo para iletrados. É um deslumbramento….

No museu paroquial, podemos admirar a cruz que encima esta crónica. É uma rara joia de arte, produzida numa oficina de Coimbra no final do século XI. “O Cristo é esguio, vivo, «Rex Majestatis», triunfante com coroa real (não a de espinhos) na cabeça.” A haste esquerda tem gravado um touro, a direita um leão, na haste vertical, uma Águia. “O reverso da Cruz é uma ornamentação mozárabe ou talvez mudéjar, sincretismo de bizantino, românico e árabe.” (Igreja Museu)

Só isto já justificava uma visita a estas terras que Aquilino chamou do Demo, não por serem “terras de pecado, mas porque a vida é dura, pobrinha, castigada pelo meio natural”. Pobrinha mas rica em gente de inexcedível simpatia, a começar pelos serviços do turismo até ao pároco, assinante da Voz Portucalense.

Abundante em monumentos megalíticos, e não só… Basta falar nos canastros, museu e “orca”, de Pendilhe; no Centro de Memória Judaica, em Vila Nova à Coelheira; na praia fluvial de Fráguas e nas pinturas da sua igreja matriz; na igreja neogótica de Alhais onde Aquilino foi batizado; no santuário do Sr. da Boa Sorte em Touro, terra natal de D. Alberto,…

 Merece especial realce o Parque Botânico Arbutus do Demo que “acolhe mais de um milhar de diferentes espécies botânicas, dispostas por famílias, usos etnobotânicos e industriais, propriedades medicinais e características aromáticas”. Oásis em terra agreste. Sinfonia verde de sol e sombras. Paraíso onde o canto das aves se cruza com o rumorejar das fontes, e as plantas nos inebriam de cheiro e cor…. Silêncio…Paz.. Plenitude. Só este parque justificaria o título de “Capital Ecológica”.

Estamos em Vila Nova de Paiva que, antes de 1883, se chamava Barrelas. Quem não ouviu falar das sentenças do “Juiz de Barrelas”?

Uma visita que vale a pena...

( 28/6/2017)

quinta-feira, junho 22, 2017


 DEUS ME LEVE...


“Nosso Senhor esqueceu-se de mim.” “ Só estorvo!” “Coitados dos meus filhos…”

Quem não ouviu estes ou desabafos semelhantes a pessoas idosas que não querem ser empecilho para os outros?

Para além de razões de ordem médica, ética e religiosa, parece-me que estas vivências nos devem levar a refletir quando se pensa na eutanásia.

Já não me refiro à violência física cada vez mais vulgarizada: filhos ou netos que maltratam pais e avós. Falo, sim, da violência silenciosa que as telhas encobrem. Ai se elas falassem… “Portugal é o que trata pior os idosos entre sete países europeus.”(JN,11-5-2017)

 “Ando exausto.” Já não me chegavam os filhos, agora ainda tenho o meu pai…” “Minha mãe está impossível!”
Estes ou outros lamentos similares quem os não ouviu? Anda toda a gente muito cansada… quando é preciso cuidar dos velhos… Deixemo-nos de eufemismos…

Pergunto-me se a legalização da eutanásia não poderia vir a constituir mais um motivo de sofrimento para quem se sente sobrecarga para os outros? E poderia camuflar mais uma forma refinada de violência psicológica sobre os velhos mais fragilizados. E nem é preciso que os familiares pressionem ou lhes lembrem a eutanásia… Basta um rosto mais carrancudo, uma palavra de enfado, um gesto de irritação… Vítimas do “complexo de culpa”, logo se vêm como culpados do sofrimento dos filhos. Atualmente, haverá quem peça ao “Senhor que o leve”. Outros limitar-se-ão a aceitar as leis da natureza (o suicídio é exceção). Se a eutanásia for legalizada, haverá sempre uma possibilidade em aberto… Terão de enfrentar uma decisão carregada de angústia. Que fazer? Prolongar os dias derradeiros, obrigando a família a suportá-los? Fazer sofrer quem ama só para ser fiel ao mandamento “não matarás…”? Continuar a infernizar a vida dos filhos ou libertá-los desse peso? Opção dolorosa, porque antinatural, sempre violenta e geradora de má-consciência. Quanta angústia! Será esse o caminho para uma morte digna? Merecerá tal pena quem passou a vida a “consumir-se” pelos outros? Poderá vir a ser legal mas nunca será justa para aqueles a quem tanto devemos. Não vemos pais a passar privações só para ajudar os filhos? Não há tanta gente a querer ser cremada só para não dar trabalho “aos-que-cá-ficam”?

A legalização da eutanásia iria tornar mais agonizantes os tempos derradeiros em que, mais do que a “bem morrer”, precisamos de quem nos ajude a “bem viver”.

A todos os que sofrem, deixo um pensamento de Paul Claudel: “é pelo sofrimento que podemos sair de nós próprios e pelo sofrimento podemos deixar entrar o outro”. E o testemunho do P. Luís, de Oliveira do Douro: Eu bendigo a dor não somente porque o Divino Mestre a santificou, mas ainda porque, no padecimento próprio, avalio melhor o alheio.”

(22/6/2017)

 

terça-feira, junho 20, 2017


A BONDADE do SILÊNCIO

 

 



 Ainda há dias, num programa sobre Fátima, no Porto Canal, onde também participava o biblista Frei Fernando Ventura, a teóloga Teresa Toldy interrogava-se sobre o significado do longo silêncio que cerca de um milhão de pessoas observou enquanto o Papa rezava na “Capelinha das Aparições”. E é de facto de enfatizar tal atitude quando vemos as assistências dos estádios de futebol preencherem “um minuto de silêncio” com um “imbecil” bater de palmas… Quando se inaugurou o metro do Porto, dava gosto  aproveitar o silêncio da manhã para ler ou meditar.  Agora, toda a gente fala ao telemóvel como se estivesse no mais recôndito de suas casas: barafustam, ralham, trocam meiguices, discutem negócios… Já para não falar daquela jovem com o telemóvel colada à orelha, enquanto, no carrinho, o seu bebé não parava de chorar… Sentimo-nos, simultaneamente, intrusos e invadidos…

Mesmo nos locais mais convidativos ao silêncio… Ainda há dias, numa tranquila manhã de praia, quando o marulhar do mar nos envolvia em ondas de silêncio, uma senhora, ao telemóvel, “berrava” com o filho que, em casa, estava atrasado para as aulas… E eu pensava: quando é que as pessoas se aperceberão que estão a expropriar um bem dos outros - o silêncio?

E como ele é tão necessário… Não é por acaso que, hoje, alguns professores iniciam as suas aulas com um tempo de meditação silenciosa. E também não foi por acaso que a visita que, com o Grupo Boa Memória, fiz ao Parque Arbutus do Demo em Vila Nova de Paiva, terminou com uns momentos de olhos fechados para sentirmos o cheiro da verdura e os sons do silêncio. Foi uma delícia…
 

Tempos atrás, ao visitar o mosteiro cisterciense de Sobrado dos Monxes, na Galiza, surpreendi-me com várias pessoas em silêncio, no parque do mosteiro: umas liam; outras olhavam as folhas ou orientavam o olhar para as lonjuras… Quando meu neto, na traquinice dos cinco anos, começou a cantar, o Torres Queiruga, que nos acompanhava, fez-lhe sinal e explicou: estão num “Encontro de Silêncio”. Um “Retiro” diferente…
 

Precisamos de meter silêncio dentro de nós. Conheço pessoas, como fez Frei Alfredo, dos capuchinhos de Fidenza, que percorrem os caminhos de Fátima e de Santiago para meditar e respirar silêncio.

Como faz bem! É urgente educar para o silêncio. Mesmo nas famílias, mesmo nas igrejas…

Deus está no murmúrio de uma brisa suave… (cf.IRs, 19,12) Quem o poderá ouvir?

(14/6/2017)

quarta-feira, junho 07, 2017


 

RECONHECIMENTO...


Foi em 1976. Um estágio juntara-nos numa cidade do interior. Unia-nos a satisfação da meta alcançada mas também a dor do afastamento das famílias. Éramos uns estranhos. Tu, o mais velho, chegaste no dia seguinte mas logo procuraste criar laços entre nós. Nas primeiras aulas, descobriste que a mãe dum aluno tinha um pequeno restaurante onde servia moiras com grelos. E, por sugestão tua, lá fomos nós apreciar esses petiscos transmontanos. A partir daí, esbateram-se barreiras e construímos amizades que ainda perduram.
 
 

 Soubemos então que nasceste numa família pobre e trabalhadora. Foste criado nos campos até ires para o volfrâmio nas minas da Borralha. Com o pouco que aí amealhaste, compraste uma vaca que puseste a engordar em casa dum vizinho. E depois outra e mais outra… Com o quinhão que te cabia na venda, pagaste a tua frequência no colégio onde, mais tarde, foste professor de História. Estudaste e fizeste o Curso do Magistério. Professor primário, lecionaste também na telescola e abriste-te ao serviço à comunidade, como presidente da Junta de Freguesia e vereador da Câmara Municipal. Já bem adulto, entraste na Faculdade de Letras do Porto onde te licenciaste. E, com mais de 50 anos, sujeitaste-te a novo estágio pedagógico. Os vossos três filhos frequentavam, então, um seminário missionário. Colaboravas na tua paróquia onde eras muito estimado. Com muito sacrifício, tinhas comprado uma quinta, a “menina dos teus olhos”, que passou a ser lugar de encontro de amigos e familiares.
 
No domingo de pascoela, dá gosto ver a tua alegria quando os congregas para receber o compasso. Com que felicidade dás a cruz a beijar! Nos primeiros anos, o sacerdote era o “Abade de Singeverga”, D. Gabriel de Sousa. Quanto apreciávamos a sua conversa! E devemo-lo a ti e à tua esposa que sempre te acompanhou. Nas bodas de ouro matrimoniais, quisestes que o Coro Gregoriano do Porto fosse solenizar a Eucaristia na aldeia serrana onde vos tínheis casado. Mesmo não vivendo na nossa diocese, inscreveste-te na Voz Portucalense e angariaste vários assinantes. Todos os anos, envias a sua lista com o pagamento. Por isso, no último “Dia Voz Portucalense”, quando acabavas de celebrar o teu 92º aniversário, foste agraciado com o “Diploma Reconhecimento”. Infelizmente, como aconteceu a outros, a saúde não te deixou vir recebê-lo ao Monte da Virgem. Que Deus te conserve.

Foste sempre um “fazedor de pontes”, na linha das palavras do Papa Francisco em Fátima: “devemos antepor a misericórdia ao julgamento e, em todo o caso, o julgamento de Deus será sempre feito à luz da sua misericórdia. Possamos, com Maria, ser sinal e sacramento da misericórdia de Deus que perdoa sempre, perdoa tudo”.

Dou graças a Deus pelos amigos que pôs no meu caminho…

(7/6/2017)