O Tanoeiro da Ribeira

quarta-feira, março 25, 2020

PARA QUE NÃO SE PERCA A HISTÓRIA

 
Foi com estas palavras que o P. Jardim iniciou a apresentação do seu livro “A Assembleia de Párocos da Cidade do Porto - Projeto de uma pastoral de conjunto para a Cidade”. As agendas e atas das reuniões, realizadas de «Outubro 1971 a Março de 1976», mostram o empenho dos párocos e a importância das suas temáticas. Como exemplo, o programa delineado na primeira reunião em 22 de Outubro de 1971.
 
. Pastoral do batismo: a) Preparação de pais – como se faz? - b) Esquema de encontros - c) Equipa paroquial ou pároco? - d) Equipa diocesana – para preparar equipas paroquiais? - e) Pagela para pais e padrinhos - f) Pais assinam o assento? - g) Catecumenato – cadernos de Lisboa
. Pastoral do Matrimónio: a) Preparação e sua duração – b) Párocos? Leigos? - c) Esquema do Curso – d) Folha para Assembleia.
. Catequese: -a) Atividade da equipa de párocos da cidade – b) Catecismos novos – presente o P. Jorge. - c) Curso sobre adolescência para párocos – d) Crisma: resposta ao Prelado?
. Curso de canto litúrgico – Presente o Dr. Santos
. Circular sobre Batismos - Cidade do Porto: - a) Apreciação e utilização - b) Importe a pagar.
. Pastoral das Exéquias: - a) Celebração na casa do defunto - b) Folha para a Assembleia.
. Encontro com os Párocos de Lisboa: - a) Origem da ideia - b) Possíveis vantagens - Adesões de Lisboa - d) Adesões do Porto - e) Local do Encontro – Fátima? Coimbra?
. Semana de Estudos Pastorais de Braga – Sameiro – dezembro p.f.;
. Relatos da “Semana Pastoral” em Paris – julho p.p., em que participaram vários párocos da cidade.

   Nessa reunião, participaram 18 párocos e dois coadjutores que elegeram a «Comissão Instaladora» A institucionalização da Assembleia concretizou-se em 21/1/1972, sendo, então, eleito o “Secretariado Permanente”, constituído por quatro párocos.

   Buscavam-se linhas comuns de orientação, no respeito pela autonomia e especificidade de cada comunidade. Não era fácil… Era grande a diversidade de idades e mentalidades.

   As tensões latentes afloraram em 19/6/1974 com o tema
 «Que sinais evangélicos descobre nos acontecimentos, desencadeados em Portugal pelo 25 de Abril: Na orientação política? Na reação do Povo? Na atitude da Igreja?
Que sinais negativos descobre nos mesmos acontecimentos? Que interpelação os referidos acontecimentos lançam à Igreja: Quanto a pessoas (Leigos e Hierarquias)? Quanto a estruturas eclesiásticas? Quanto à atuação profético-pastoral?»
 
 “O 25 de Abril, a dissolução da Equipa Presbiteral da Zona Ribeirinha e o clericalismo fortemente enraizado criaram uma implosão na pastoral da Assembleia da Cidade”.
   E assim terminou uma experiência séria de estudo e partilha. Procuravam-se caminhos novos para uma Igreja pós-constantiniana. Era o sopro do Vaticano II. Utopia? Mas, como disse o papa João XXIII, “sem uma pitada de loucura, a Igreja não cresce”.

(5/3/2020)

 

quarta-feira, março 18, 2020

A PRIMAVERA ESTÁ A CHEGAR...

 
Ao acordar, gosto de, com S. Francisco, cantar loas ao Criador: “Louvado sejas, meu Senhor, com todas as tuas criaturas, especialmente o meu senhor irmão Sol, o qual faz o dia e por ele nos alumia. E ele é belo e radiante, com grande esplendor: de ti, Altíssimo, nos dá ele a imagem.”

 Como sabe bem dar graças por mais um dia que se abre ao sonho… Vem de longe este gosto, de tempos em que ainda não conhecia o “Cântico das Criaturas”. Aprendi-o com as aves e as flores quando, bem menino, guardava o gado na solidão dos montes. Ainda hoje me parece sentir o chilreio dos passarinhos na ramagem dos carvalhos e as campainhas brancas a florir nos valados.

Porque são pobres as minhas palavras, sempre que posso, escondo-me na voz da poesia que é, dizia Sophia, “sinal vivo de uma pátria anunciada” (Obra Poética).
Nos últimos tempos, acompanha-me Daniel Faria (Poesia) que, em “Se fores pelo centro de ti mesmo”, me leva a revisitar recantos bíblicos iluminados pelo clarão do seu espírito.

No «Génesis», escuto as palavras sofridas de Abraão, na hora da «Separação de Lot (Gn 13)»: “Se fores pela direita/ Olharei em redor/ Se fores pela esquerda e descansares/ Olharei em redor. / O meu olhar há-de acompanhar-te/ Como a poeira à volta dos teus pés. / Se desceres à planície/ E fizeres a tenda com o véu da mulher/ Não desviarei o olhar/ Não dividirei a túnica. / Se fores pelo centro de ti mesmo/ Tactearei/ Abrirei a mão e estarás próximo/ Basta respirares/ E olharei em redor.”

Quem amamos, mesmo quando partiu para uma viagem sem retorno, habita sempre o mais íntimo o nosso coração que o revê em cada pormenor.

Nos «Provérbios», louvo o «Elogio da mulher (Pr 31,14»: “O coração da mulher é alto/ mas nem só por isso a mulher oscila/ Ela é como o navio mercante/ Que chega carregado de grão. / A mulher é o tear dentro da vida/ Nem só por isso a mulher é mais que a vida/ Ela é como o navio mercante/ Que chega carregado de grão.”.”

Em S. João, (8,11) ouço os lamentos d’«A Mulher Adúltera»: “Não turbam a água dos meus olhos/ As pedras que me atiram sobre o corpo/ As tuas mãos vazias este muro/ Branco me doem muito mais”.

Serviram-me de meditação no «Dia da Mulher». A mulher-mãe doba a vida dentro de si. Oferece o grão que germina e alimenta. É regaço que não vacila. Mais que os punhos, ferem os silêncios e os desprezos.

Em S. Lucas, (19, 1,10), faz-me pensar nas palavras de «Zaqueu» - rico cobrador de impostos - que se fez criança para ver Jesus: “A árvore foi a forma de te ver/ E desci para abrir a casa. / De me teres visitado e avistado/ Entre os ramos/ Fizeste-me passagem/ Do sol ao voo do pássaro/ Do sol à doçura do fruto. / Para me encontrares me deste/ A pequenez”.

Ainda hoje quando visitamos Jericó, somos levados a ver o sicómoro onde ele, qual gaiato, se empoleirou.
A humildade faz-nos “passagem” para os outros e mais visíveis aos olhos de Deus.
(18/3/2020)

 

quarta-feira, março 11, 2020

HÁ PENITÊNCIAS E PENITÊNCIAS...

 
No primeiro domingo da Quaresma, participei na Eucaristia na diocese de Braga. Na homilia, o celebrante, a propósito das tentações da atualidade, começou por falar dos receios do Papa Francisco: "Fico com medo quando escuto alguns líderes das novas formas de populismo. Parece-me ouvir os discursos que semearam medo e ódio na década dos anos 30 do século passado”. Os populismos invadiram o nosso dia-a-dia. Enchem as nossas televisões. Inundam as redes sociais. Contaminam as nossas conversas. Exploram os sentimentos mais primários e egocêntricos. Apresentam uma visão maniqueísta da sociedade que agrada porque bons, somos nós; maus, são sempre os outros…

E contou a lenda das Sirenes, seres da mitologia grega, parte mulher e parte pássaro, que viviam numa ilha rodeada de rochedos. Cantavam com tal doçura que os marinheiros, ao ouvi-las, esqueciam-se dos penedos contra os quais seus navios acabavam por colidir e afundar. Um dia, o comandante ordenou aos marinheiros que colocassem cera nos ouvidos e amarrou-se ao mastro do navio, recomendando que não o soltassem em nenhuma hipótese. E assim passaram ilesos.

Para esta quaresma, deixou uma sugestão de penitência “Não é preciso colocar cera nos ouvidos como os marinheiros da mitologia, mas vamos repudiar os apelos ao radicalismo; vamos tapar os ouvidos ao populismo que, no dizer do Santo Padre, «oferece terreno fértil ao ódio»; vamos fugir de conversas onde se diga mal de alguém; vamos evitar invejas e discórdias”.
 
Curiosas coincidências…

. Na semana anterior, num almoço de amigos, um disse: “Já resolvi qual vai ser a minha penitência quaresmal. Não vou ler nenhum «site» que diga mal da Igreja ou critique o Papa Francisco”.

. Na semana seguinte, li a catequese papal na Audiência Geral de Quarta-feira de Cinzas (26 de fevereiro):

 “A Quaresma é o tempo de renunciar a palavras inúteis, conversinhas, fofocas, mexericos e se aproximar do Senhor. É o tempo de se dedicar a uma ecologia saudável do coração, fazer uma limpeza nele. Vivemos num ambiente poluído por muita violência verbal, por muitas palavras ofensivas e nocivas, que a rede amplifica. Hoje, insulta-se como se dissesse «Bom dia». Somos submersos em palavras vazias, publicidades e anúncios falsos. Acostumamo-nos a ouvir tudo sobre todos e corremos o risco de cair num mundanismo que atrofia os nossos corações”.

. Nessa mesma semana, recebi, via facebook, um texto que sintetiza os jejuns que agradam ao Papa Francisco:

“Jejum de palavras negativas e dizer palavras bondosas; - Jejum de descontentamento e encher-se de gratidão; - Jejum de raiva e encher-se com mansidão e paciência; - Jejum de pessimismo e encher-se de esperança e otimismo”.

Quão saudáveis penitências…Que o Santo Padre seja nosso timoneiro. As sereias não nos encantarão… E nosso coração ficará mais limpo para celebrar a Páscoa.
(11/3/2020)