O Tanoeiro da Ribeira

quarta-feira, março 18, 2020

A PRIMAVERA ESTÁ A CHEGAR...

 
Ao acordar, gosto de, com S. Francisco, cantar loas ao Criador: “Louvado sejas, meu Senhor, com todas as tuas criaturas, especialmente o meu senhor irmão Sol, o qual faz o dia e por ele nos alumia. E ele é belo e radiante, com grande esplendor: de ti, Altíssimo, nos dá ele a imagem.”

 Como sabe bem dar graças por mais um dia que se abre ao sonho… Vem de longe este gosto, de tempos em que ainda não conhecia o “Cântico das Criaturas”. Aprendi-o com as aves e as flores quando, bem menino, guardava o gado na solidão dos montes. Ainda hoje me parece sentir o chilreio dos passarinhos na ramagem dos carvalhos e as campainhas brancas a florir nos valados.

Porque são pobres as minhas palavras, sempre que posso, escondo-me na voz da poesia que é, dizia Sophia, “sinal vivo de uma pátria anunciada” (Obra Poética).
Nos últimos tempos, acompanha-me Daniel Faria (Poesia) que, em “Se fores pelo centro de ti mesmo”, me leva a revisitar recantos bíblicos iluminados pelo clarão do seu espírito.

No «Génesis», escuto as palavras sofridas de Abraão, na hora da «Separação de Lot (Gn 13)»: “Se fores pela direita/ Olharei em redor/ Se fores pela esquerda e descansares/ Olharei em redor. / O meu olhar há-de acompanhar-te/ Como a poeira à volta dos teus pés. / Se desceres à planície/ E fizeres a tenda com o véu da mulher/ Não desviarei o olhar/ Não dividirei a túnica. / Se fores pelo centro de ti mesmo/ Tactearei/ Abrirei a mão e estarás próximo/ Basta respirares/ E olharei em redor.”

Quem amamos, mesmo quando partiu para uma viagem sem retorno, habita sempre o mais íntimo o nosso coração que o revê em cada pormenor.

Nos «Provérbios», louvo o «Elogio da mulher (Pr 31,14»: “O coração da mulher é alto/ mas nem só por isso a mulher oscila/ Ela é como o navio mercante/ Que chega carregado de grão. / A mulher é o tear dentro da vida/ Nem só por isso a mulher é mais que a vida/ Ela é como o navio mercante/ Que chega carregado de grão.”.”

Em S. João, (8,11) ouço os lamentos d’«A Mulher Adúltera»: “Não turbam a água dos meus olhos/ As pedras que me atiram sobre o corpo/ As tuas mãos vazias este muro/ Branco me doem muito mais”.

Serviram-me de meditação no «Dia da Mulher». A mulher-mãe doba a vida dentro de si. Oferece o grão que germina e alimenta. É regaço que não vacila. Mais que os punhos, ferem os silêncios e os desprezos.

Em S. Lucas, (19, 1,10), faz-me pensar nas palavras de «Zaqueu» - rico cobrador de impostos - que se fez criança para ver Jesus: “A árvore foi a forma de te ver/ E desci para abrir a casa. / De me teres visitado e avistado/ Entre os ramos/ Fizeste-me passagem/ Do sol ao voo do pássaro/ Do sol à doçura do fruto. / Para me encontrares me deste/ A pequenez”.

Ainda hoje quando visitamos Jericó, somos levados a ver o sicómoro onde ele, qual gaiato, se empoleirou.
A humildade faz-nos “passagem” para os outros e mais visíveis aos olhos de Deus.
(18/3/2020)