O Tanoeiro da Ribeira

quarta-feira, fevereiro 19, 2020

RESSONÂNCIAS E CONSONÂNCIAS...

 
Dias atrás, o JN publicou dois artigos de que com vénia, me faço eco.

No primeiro, Valter Hugo Mãe, escritor, começa por dizer: ”Está à porta a discussão e provável aprovação da despenalização da eutanásia em Portugal e eu não sinto folia nenhuma no facto e não julgo que seja de celebração fácil. Julgo que nenhum sistema pode avançar com a eutanásia sem garantir que opera cuidados paliativos de modo irrepreensível.”

Esclarece as suas reservas. “A vulnerabilidade das pessoas, por doença ou velhice, favorece estados depressivos e de abandono que podem propiciar a fantasia da morte. Tendo em conta o horrível que é a solidão, e tendo em conta o horrível de muitas famílias, pouco solidárias ou disfuncionais, confusas ou oportunistas, imagino bem que pelo cansaço ou pela fúria, por vingança ou ganância, muitos elegíveis para a eutanásia se verão encurralados, como se pedir a morte fosse a única coisa decente a fazer.”

E confessa.” Horroriza-me que, aberta a oportunidade institucional de morrer, usemos a morte como resposta obrigatória para aqueles que viveriam apaziguados num contexto de cuidado e carinho”.
Depois de afirmar que não é “naturalmente, contra a opção lúcida de alguém que, assistido por uma bateria de médicos especialistas, encontre apenas na morte uma solução”, vai mais longe: “O que me parece impossível de conter é a precipitação para a morte dos que se deprimem, dos que se fragilizam sobretudo por falta de um sistema de acompanhamento humano, afetivo e pragmático que os manteria justificados na vida.

Reafirma: “Ao invés de se investir na valorização das pessoas mais velhas, ocupando-as e acompanhando-as, cria-se lentamente a ideia de que são uma excrescência da sociedade. Considero um horror. O que mais vejo são velhos à míngua de atenção, apressados para a morte porque parecem servir para nada”.
E termina com um vaticínio de arrepiar. “Fácil será de imaginar que, progredindo sem cuidado na despenalização, chegaremos a muito suicídio que não será senão uma forma de homicídio perpetrado pelo interesse de alguns e pela desfaçatez de todos.” (9/2/2020)

No segundo, Fernando Calado, presbítero, escreve: “Mesmo que venha a ser aprovada (a despenalização da eutanásia), a Igreja Católica deve continuar a lutar pela vida. Muitas vezes, as pessoas que pedem a eutanásia, o que estão verdadeiramente a pedir é que lhes tirem o sofrimento. A eutanásia surge-lhes como a única forma de o conseguir. O que a Igreja tem de demonstrar é que se pode viver a doença e a velhice com uma tal qualidade que não fará sentido desistir da vida.

 E acrescenta: ”Deve ainda a Igreja preparar os seus fiéis para enfrentar a doença e a velhice com uma atitude crente e confiante em Deus que os ajude a viver melhor essas contrariedades e não desistir de viver. Isto dará sentido ao seu sofrimento”(10/2/2020).

Concluo com uma «Folha Dominical»: “Mesmo que a totalidade da população aprovasse uma técnica de morte, esta seria sempre deplorável. Mas mais deplorável seria se 150 ou 200 pessoas impusessem os seus critérios a largos milhões de cidadãos”.
(19/2/2020)
 
 
 
 

(VP, 19/2/2020)