A PROPÓSITO...
“Nos primeiros tempos, a comida era
praticamente intragável. As condições climáticas eram extremas - «calor
tórrido» e no inverno, «um frio cortante». Ao princípio, os presos africanos
eram obrigados a usar calções e sandálias durante todo o ano. Durante a semana,
trabalhavam no pátio a partir pedra com martelos. No início de 1965, começaram
a trabalhar na pedreira. Era um trabalho duríssimo”.
Muitas
das suas cartas nunca chegaram a ser expedidas como aquela que, em 9/12/1979,
escreveu à filha mais nova. Foi encontrada nos arquivos da prisão dezanove anos
depois de ter sido libertado, acompanhada de uma nota na qual um funcionário da
prisão escrevera que «ele não estava autorizado a enviar uma carta com um
cartão de Natal».
Nas
cartas que escreveu à família, revela-se carinhoso e atento aos mínimos
pormenores da sua vida. Exemplo é a que, em 23.6.69, enviou às duas filhas mais
novas, então com 9 e 10 anos que nunca o tinham visitado porque só era
permitido a maiores de 16 anos.
Começa
por lhes falar da prisão da mãe e da falta que ela lhes fará.
“A
nossa querida mãe foi presa mais uma vez. Terão de viver muito tempo como
órfãos, sem um lar e sem pais, sem o amor e a proteção que a mamã vos dava. Não
vão ter festas de Natal ou de aniversário, não vão ter presentes nem vestidos
novos. Já lá vão os dias em que, depois de um banho quente à noite, se sentavam
à mesa com a mamã para saborear a sua comida boa e simples. Longe vão as camas
confortáveis, os cobertores quentes e as roupas lavadas que ela vos arranjava.
Ela não vai estar presente para vos contar histórias à noite e responder às
vossas muitas perguntas”.
Depois enaltece a figura da mãe. “O que quero
que tenham sempre presente é que temos uma mamã corajosa e determinada que ama
o seu povo de todo o coração. Quando forem adultas e pensarem bem nas
experiências desagradáveis pelas quais a mamã tem passado, vão compreender a
importância do seu contributo na luta pela verdade e a justiça.”
E
termina com palavras de conforto.
“Não
se preocupem, meus amores, um dia a mamã e o papá vão voltar e não serão mais
órfãos sem lar. Havemos de viver felizes e em paz. Entretanto, têm de estudar
com afinco, passar nos exames e portarem-se como boas meninas. A mamã e eu
vamos escrever-vos muitas cartas”.
Em
todas as cartas vem ao de cima a firmeza de caráter, a força das convicções, a
defesa intransigente da dignidade humana, a resistência ativa à opressão. Sem
palavras de ódio ou violência. Sem retaliações nem vinganças. O mais exemplar
líder mundial cujo retrato tentei esboçar em “Mandela fala de si” (cf. VP,
25/2/2014).
(26/2/2020)
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