O Tanoeiro da Ribeira

quarta-feira, maio 29, 2019

AVÔ, CONHECIAS OS PAIS DE JESUS? (II)


Por volta dos dois anos, (estádio pré-operatório), a criança começa a reproduzir gestos e sons. Imita o adulto mas na sua ausência. É uma imitação em diferido. Surge o «pensamento simbólico» que se expressa através do desenho. Recordo o que A. Saint-Exupéry conta em “O Principezinho”. Diz ele que, depois de fazer um desenho, mostrou-o “a pessoas grandes e perguntei-lhe se o meu desenho lhes metia medo” E qual não foi a sua deceção… “Elas responderam -me: — Porque é que um chapéu haveria de meter medo? O meu desenho não representava um chapéu. Representava uma jiboia a digerir um elefante.”

Todos nós já vimos crianças fazer uns riscos e dizer: “Esta é a mãe, esta é a avó”.

Também os “jogos do faz-de-conta” são imitações em diferido. A criança reproduz um gesto que viu a mãe fazer e diz: - “Sou a mãe”. Ainda há dias, a Clara sentou-se na soleira da porta onde costuma estar uma sua vizinha e disse toda empertigada: -“Eu sou a Rosa!”

Além disso, começa a atribuir valor simbólico aos sons que foi interiorizando. Quando diz «papá», já sabe a quem se refere. Para além do som, existe significação. Isto é linguagem

Este é o tempo de rezar com ela algumas orações como a Ave-Maria, o Glória, ao Anjo da Guarda; de lhe explicar as festas religiosas como o Natal, a Páscoa, e os símbolos cristãos da casa. Mas devemos ter cuidado com as palavras para não suceder o que me aconteceu quando disse ao Francisco, então com 4 anos, que o Tio Zé tinha ido para o Céu: - “Foi de avião ou de foguetão?”

Faz-lhe muito bem ir visitar uma igreja vazia. Ao ver a postura do adulto, vai introjetando a ideia do Sagrado. Os pais/avós aproveitem os dias especiais para levá-la à Missa. Pouco a pouco, vai-se habituando a ver, no visível, o invisível e, através dos sinais, chega ao Mistério. Esta é a “Pedagogia da Fé”.

Pelos 6 anos, surge o estádio das “operações concretas”. O pensamento torna-se reversível mas permanece sob o domínio do real e do concreto. Lembro a perturbação daquela criança a quem, na catequese, disseram que Jesus nos dá a Vida Eterna. -“E se eu não gostar da vida eterna?” Jesus oferece-nos o Paraíso (cf. Lc 23,43).  É mais concreto…

Por volta dos 11 anos, atinge o estádio das “operações formais”. Só então entra nos domínios do abstrato e do “possível”. Adquire a noção de tempo e espaço abstratos. Não admira pois que a Clara me tenha perguntado se eu conhecera os pais de Jesus. O pai dela, com a sua idade, sempre me perguntava se eu tinha conhecido os Romanos.

Segundo Piaget, os estádios podem ser antecipados mas nunca suprimidos. Os pais e os catequistas não os podem ignorar.

Termino com a interrogação que, em Fátima, nos deixou o arcebispo de Manila: “Será que os pais (e os avós) assumem com seriedade a responsabilidade de educar os seus filhos na Fé?” (JN, 14/5/2019)

(29/5/2019)

quarta-feira, maio 22, 2019

AVÔ, CONHECIAS OS PAIS DE JESUS?



Parafraseando José Régio, apetece-me escrever: Tenho ao fundo do corredor, que logo entrando os olhos me dão nele, um presépio de madeira arrancado a um ramo de oliveira.

Há dias, a Clara, de 4 anos, ao vê-lo, perguntou: - “Avô, conhecias os pais de Jesus? Eram teus amigos?”. E, sem esperar resposta, logo acrescentou:- “Já morreram? E agora quem olha pelo Menino Jesus?”

Muitos ainda nos lembramos de ver, em dia de festa, um pai com um menino de gravata e chapéu, e a mãe com a filha de saia e blusa. Agora, sabe-se que a criança não é um adulto em ponto pequeno. A epistemologia genética ensina-nos que o nosso desenvolvimento cognitivo passa por vários estádios, em busca de maior maleabilidade e equilíbrio.

Até aos dois anos (estádio sensório-motor), a criança relaciona-se com o que a rodeia através dos sentidos e movimentos. Inicialmente, o seu corpo forma um todo indiferenciado com o meio envolvente. Quando sente que pode mexer os pés e as mãos, começa a brincar com eles e a chupar os dedos. É a ideia do «corpo» que vai surgindo. No início, os objetos só existem enquanto os vê. Quando descobre que a chupeta continua a existir, mesmo desaparecida, olha à sua procura e chora até a conseguir. É a noção de «objeto permanente» que se forma. Já todos ouvimos mães a queixarem-se porque o seu bebé lhe deitou uma jarra de flores ao chão. Porquê? A cor das flores sempre o atraiu. Só que, até então, ele parecia chamá-las com a mãozita. Era uma espécie de “causalidade mágica”. O que ela queria mesmo era chegar-lhes. Agora, descobriu que, puxando o “naperon” onde estava a jarra,  podia arrastar as flores. Começa a estabelecer uma relação de causa-efeito entre os objetos. É a ideia de «causalidade” no seu início. Que maravilha!

A aprendizagem vai se fazendo por sensações e pelo movimento: leva tudo à boca, agita e esmaga os brinquedos… E também por imitação. A Luz, de oito meses, imita-nos e bate palmas…A Eva, sua irmã gémea, levanta a cabecita e gatinha em busca do desconhecido…Quando, há dias, dei com elas a amarfanhar a VP, certamente não estariam a contestar o texto do avô, mas num processo de aprendizagem.

 O “sorriso social”, por volta dos três meses, é uma reação ao sorriso dos adultos. Quem não viu já um bebé a imitar, no berço, os gestos das pessoas que conversam à sua volta? A própria lalação não é mais do que “o balbucio lúdico infantil caraterizado pela repetição indefinida de ruídos e fenómenos diversos que percebe na sua vizinhança”.

Como é bom que os adultos sorriam, cantem e falem com elas!

Nesta fase, é importante que os bebés se habituem a ver símbolos religiosos e a ouvir rezar. A criança, por imitação, vai interiorizando sons e comportamentos.

“Atestamos a importância do despertar do sentido religioso nos corações das novas gerações.” - Declaração de Abu Dhabi

(22/5/2019)

 

quarta-feira, maio 15, 2019

COMO UMA MACIEIRA...



Vinha feliz o amigo António Duarte. Acabava de participar na venda da casa da sua vizinha, órfã e incapacitada, internada num Instituto para Deficientes.

O mesmo espírito compassivo que o levou a proteger esta menina que um acidente vitimou aos dois anos, também o levou ao Calvário. Nas suas visitas, experienciou o que o Doutor Walter Osswald escreveu sobre esta Obra, “radical, no sentido de ir buscar força às raízes da compaixão e do amor. Diferente na doutrina e na prática”. Foi, pois, com indignação que assistiu ao seu aniquilamento pela prepotência dos funcionários dum Estado que impõe, como único, o seu modelo de assistência social. É a negação da democracia que está na sua origem.

Ofereceu-me o livro «Padre Baptista – O Calvário». Abri-o e logo me solidarizei com o seu coordenador: “Centenas de doentes terminais, atingidos pelos males mais terríveis e por vezes até repelentes tiveram, graças à devoção sem limites do padre Baptista, um lugar para viver e até para morrer com dignidade”.

Na “Apresentação”, o P. Júlio Pereira, que conheci menino da catequese, clarifica: “Este «O Calvário», reflexo de uma Obra humana de sabor divino, quer ser motivo para que todo o homem acredite e se empenhe pela vida”

O Professor Walter Osswald, - ”figura incontornável da história do País” - começa assim o seu “Prefácio”: ”Tenho a honra imerecida e a alegria de apresentar uma seleção dos escritos do Padre Baptista”. E termina: “Mas gostaríamos de reler com ele o que escreveu em «A macieira», a tal que caiu devido ao peso dos frutos que prodigamente a outros ofereceu. Possamos nós dizer, como o Padre Baptista reza: «Gostaria de tombar um dia como ela».

No “Posfácio”, Henrique Manuel Pereira retoma o tema: “Ou, quem sabe, a melhor nota sobre Padre Baptista se ache em certa macieira que um dia tombou ao peso dos frutos. Falando daquela árvore, por certo sem disso ter consciência, a si se retratava”.

Ao ler o texto do P. Baptista «Veio por seu pé”, creio ter encontrado o motivo de desconforto que causava à ideologia instalada: “O tempo fez leis, criou normas, exigiu papéis. A Obra da Rua, na sua simplicidade, é a negação de tudo isso. Basta-lhe o pobre em seu viver amargurado. Tudo aquilo é muitas vezes capa risonha e guarida da mentira”. Quando não se aguenta uma voz, o mais fácil é calá-la. Isto é vulgar nas ditaduras, mas fica muito mal em democracia.…

Amigo leitor, é gratificante ler estes textos do P, Baptista onde, na dor, superabunda o amor.

Presenteemos os amigos com este livro cuja venda se “destina integralmente à Casa do Gaiato”.

Não deixemos cair no esquecimento a maldade que vitimou os doentes do Calvário e a Obra mais dolorosamente humana do «Pai Américo».

Por onde anda a voz profética da Igreja?

“Tranquilizai-vos, sou eu. Não tenhais medo” (Mat,14,27)

(15/5/2019)

 

quarta-feira, maio 08, 2019

POR ENTRE LARANJAIS...

 
Há muito desejava conhecer Sagunto, símbolo da resistência ibérica. Aconteceu em 218 a. C.. Antes de serem vencidos pelos cartagineses comandados por Aníbal, os saguntinos lançaram à fogueira todos os bens e crianças, mulheres e idosos, enquanto os homens lutavam até à última gota de sangue. Ao percorrer o seu imponente castelo (séc. IV a. C.), ainda sentimos calafrios com a memória de tal heroicidade. Para desanuviar, nada melhor que alongar o olhar sobre o verde dos laranjais que se esbate no azul do Mediterrâneo. Ao descer, merece uma visita o “Teatro Romano” (séc. I).

Por aqui passaram e lutaram gregos, cartagineses, romanos, árabes e outros povos e guerreiros como “El Cid - Campeador”. A doçura dos vales, povoados de hortas, contrasta com a dureza dos castelos no alto dos montes. Confirmei-o quando visitei Morella. A fragrância das laranjeiras eleva-se sobre uma cidade anichada entre muralhas e coroada por um inexpugnável castelo roqueiro. O livro “Morella” fala duma ”Terra de guerras. Mil batalhas”.

Para além do castelo, mereceu-me especial atenção a igreja de Santa Maria Maior. “É uma das mais belas igrejas góticas valencianas”. Na fachada principal, surpreendem-nos dois pórticos, cada qual o mais elegante. “O interior da basílica é igualmente excelso”. Destaco, pela sua originalidade, o coro sobre um arco rebaixado e as esculturas do “transcoro” que representam o Juízo Final. Nesta igreja, celebrou missa o “Papa Luna”, diante do rei de Aragão, antes de se refugiar em Peñíscola.

Nesta cidade-fortaleza, debruçada sobre o mar, vale a pena subir ao castelo dos Templários (séc. XIV) e demorar-se nas “Dependências do Papa Luna” onde o antipapa Bento XIII viveu e morreu (1423) convencido de que era o único papa verdadeiro. Entre os muitos textos que aqui redigiu, merece relevo “O Livro das Consolações da Vida Humana” de que cito: “ Se não existissem as tribulações, os homens esqueceriam o Senhor Deus e estariam contentes com as coisas terrenas”.

Em Xátiva, dizia-me, com orgulho, um camionista aposentado: “Não há outra cidade do Mundo que tenha tido dois papas”. E realmente, na frente da igreja de “Santa Maria de la Seu”, erguem-se os monumentos de Calisto III e Alexandre VI – “Os Papas Borja”. E sempre o mesmo contraste: laranjais nos arrabaldes e, nas alturas, o castelo…

Nesta viagem por paisagens amenas, surpreenderam-me os muitos sinais da guerra. Não só nos castelos… Já na pré-história, na pintura rupestre “A Guerra dos Arqueiros”, perto de Morella, há grupos humanos em luta com arcos e flechas. E, na atualidade, as feridas da “Guerra Civil 1936-39” ainda sangram nos monumentos que as perpetuam, num “olho por olho, dente por dente”.

Como se viu nas eleições do passado dia 28, é uma Espanha dividida e ainda com muitos rancores. Terra de acentuados contrastes e de exacerbadas paixões.

(8/5/2019)

 

API - ONDE OS ANOS NÃO PESAM...



No próximo dia 7, esta veneranda instituição - que ostenta o nome do seu fundador e atualiza o seu carisma – completa 116 anos de vida.

Como é bom sentir o vigor duma Obra mais que centenária que tem, na sua origem, o venerável “Bispo dos Pobres” cuja inteligência e bondade ainda hoje perduram nas muitas instituições que criou.

Experienciámo-lo, nós e todos os que aceitaram o convite para, em 29 de janeiro de 2017, participar na romagem ao monumento a D. António Barroso, no Largo 1º de Dezembro, que culminou com a visita à “Associação de Proteção à Infância Bispo D. António Barroso ” (API). Fomos recebidos pela Direção, presidida pelo Dr. Maurício Pinto, que, fraternalmente, nos obsequiou com um lanche servido por algumas das 28 meninas que aí são acolhidas.

Este sentimento foi reforçado com a inauguração duma casa para as meninas que, tendo completado 18 anos, não podem permanecer na casa-mãe mas continuam a precisar do seu apoio: umas frequentam o Ensino Superior, outras já estão no mercado do trabalho.

Foi, pois, com agrado, que tomei conhecimento do seu “Plano de Atividades e Orçamento – 2019” de que, agora, me faço eco.

No início, uma nota histórica informa: “É uma instituição de Solidariedade Social – IPSS – sem fins lucrativos, fundada em 7 de maio de 1903, pelo então Bispo do Porto, D. António Barroso.”

Na rubrica «Política Orientada para as Crianças e Jovens» diz: “Na nossa estratégia, a criança e jovem em acolhimento é o cerne da atividade, assim a intervenção é focalizada na pessoa e no seu ambiente, quer interno quer externo, nas necessidades, nas expetativas e nos seus conflitos, próprios do crescimento”.

Para logo esclarecer: “ Pretende que as crianças/jovens consigam desenvolver competências de comunicação, interajuda, autoestima e autocrítica. Sabemos que aprender é atuar, isto é, adquirir instrumentos para intervir na própria realidade, é aprender a relacionar-se.”

No dia 8 de março, com outros amigos da Instituição, visitei as suas instalações e verifiquei como todos se esforçam por “proporcionar um ambiente acolhedor, confortável e motivador para as menores”. No sorriso com que nos acolhiam, vi como elas se sentem em sua casa.

Resta-me felicitar a Direção pelo seu trabalho que, em tempos e circunstâncias bem diferentes, mantém viva a matriz original impressa pelo seu fundador: a pessoa em primeiro lugar. São diferentes os paradigmas. Ontem, eram as crianças em abandono; hoje, na maioria dos casos, são adolescentes em “situação de risco”. Quando, antes, se guiavam vergônteas que despontavam, agora, procura-se reorientar réstias de luz para iluminar horizontes de um novo futuro.

Nascida da Caridade do Bispo que lhe dá o nome, a API vive animada pela Esperança na perfectibilidade humana. Um bem-haja para quantos fazem dela uma instituição de excelência.

(1/5/2019)