O Tanoeiro da Ribeira

quarta-feira, maio 08, 2019

POR ENTRE LARANJAIS...

 
Há muito desejava conhecer Sagunto, símbolo da resistência ibérica. Aconteceu em 218 a. C.. Antes de serem vencidos pelos cartagineses comandados por Aníbal, os saguntinos lançaram à fogueira todos os bens e crianças, mulheres e idosos, enquanto os homens lutavam até à última gota de sangue. Ao percorrer o seu imponente castelo (séc. IV a. C.), ainda sentimos calafrios com a memória de tal heroicidade. Para desanuviar, nada melhor que alongar o olhar sobre o verde dos laranjais que se esbate no azul do Mediterrâneo. Ao descer, merece uma visita o “Teatro Romano” (séc. I).

Por aqui passaram e lutaram gregos, cartagineses, romanos, árabes e outros povos e guerreiros como “El Cid - Campeador”. A doçura dos vales, povoados de hortas, contrasta com a dureza dos castelos no alto dos montes. Confirmei-o quando visitei Morella. A fragrância das laranjeiras eleva-se sobre uma cidade anichada entre muralhas e coroada por um inexpugnável castelo roqueiro. O livro “Morella” fala duma ”Terra de guerras. Mil batalhas”.

Para além do castelo, mereceu-me especial atenção a igreja de Santa Maria Maior. “É uma das mais belas igrejas góticas valencianas”. Na fachada principal, surpreendem-nos dois pórticos, cada qual o mais elegante. “O interior da basílica é igualmente excelso”. Destaco, pela sua originalidade, o coro sobre um arco rebaixado e as esculturas do “transcoro” que representam o Juízo Final. Nesta igreja, celebrou missa o “Papa Luna”, diante do rei de Aragão, antes de se refugiar em Peñíscola.

Nesta cidade-fortaleza, debruçada sobre o mar, vale a pena subir ao castelo dos Templários (séc. XIV) e demorar-se nas “Dependências do Papa Luna” onde o antipapa Bento XIII viveu e morreu (1423) convencido de que era o único papa verdadeiro. Entre os muitos textos que aqui redigiu, merece relevo “O Livro das Consolações da Vida Humana” de que cito: “ Se não existissem as tribulações, os homens esqueceriam o Senhor Deus e estariam contentes com as coisas terrenas”.

Em Xátiva, dizia-me, com orgulho, um camionista aposentado: “Não há outra cidade do Mundo que tenha tido dois papas”. E realmente, na frente da igreja de “Santa Maria de la Seu”, erguem-se os monumentos de Calisto III e Alexandre VI – “Os Papas Borja”. E sempre o mesmo contraste: laranjais nos arrabaldes e, nas alturas, o castelo…

Nesta viagem por paisagens amenas, surpreenderam-me os muitos sinais da guerra. Não só nos castelos… Já na pré-história, na pintura rupestre “A Guerra dos Arqueiros”, perto de Morella, há grupos humanos em luta com arcos e flechas. E, na atualidade, as feridas da “Guerra Civil 1936-39” ainda sangram nos monumentos que as perpetuam, num “olho por olho, dente por dente”.

Como se viu nas eleições do passado dia 28, é uma Espanha dividida e ainda com muitos rancores. Terra de acentuados contrastes e de exacerbadas paixões.

(8/5/2019)