HOMENAGEM ÀS GENTES DO MAR
Lembro o meu assombro quando, pela primeira vez, vi
barcos de pesca a saltar na crista das vagas. No rio da minha aldeia não havia
barcos nem ondas… Ainda me emociono ao cantar “As ondas do mar são brancas, no meio
são amarelas. Coitadinho de quem nasce para morrer no meio delas”. Esta
simpatia levou-me a visitar o Museu Marítimo de Ílhavo e a ler «Campanha do
Argus – Uma Viagem na Pesca do Bacalhau» que afirma: “Não há vida pior que
aquilo no mar! A pesca é toda difícil, mas a do bacalhau é a mais dura, é a
pior maneira de ganhar a vida”.
Hoje, quero homenagear as gentes da Afurada que
passei a conhecer quando, em jovem, aí representei o drama “Deus escreve
direito…”, escrito por um dos seus filhos, Marques da Cruz. O mesmo que, na
esteira de “Daqui Houve Nome Afurada” (2017), acaba de publicar “Afurada –
Mulheres Sofridas”. No primeiro, apresentou 32 crónicas - “Testemunhos de
Adolescentes dos anos 40 e 50”. Neste, transcreve 20 entrevistas a companheiras
de infância, respeitando o seu linguajar. É um retrato a negro, iluminado pela
boa educação, como se vislumbra logo na primeira entrevistada: “ Na sala,
tínhamos duas camas. Alguns dormiam no chão. Passava-se muita miséria. Dantes
era uma vida pobrezinha mas toda a gente tinha respeito aos outros.” (Alcina
Areias)
Para minha surpresa, são muitas as alusões à «pior
maneira de ganhar a vida»: “Quando meu pai ia para o bacalhau os mais novos
dormiam com a minha mãe” (Antonieta Rendilheira); “O meu pai chegou a andar ao
bacalhau”. (Cândida Lapa); “Casei então com o António Augusto. Era pescador
bacalhoeiro. Na segunda viagem para mim morreu. Tinha 22 meses de casada. ”
(Dorinda Granja); O meu primeiro home
era pescador, foi duas vezes ao bacalhau” (Ermelinda Crespa); “Meu marido
estava pró bacalhau.” (Generosa Carvalho); O meu home também andou ao bacalhau. (Guida Arriaga); “O meu pai andava à
pesca do bacalhau e deixou a minha mãe com três filhos.” (Lola Papeira); ” O
meu marido foi pró mar, andava na pesca do bacalhau, andou lá onze anos.”
(Maria Alcinha Ganicha); “E o meu pai era pescador bacalhoeiro” (São Manca).
Muitos jovens queriam “ir para bacalhau” em vez da
tropa: “Meu marido fez sete anos de viagens para se livrar da tropa.” (Melindra
Dará); “Meu marido, para se livrar da tropa, foi para o bacalhau. Andou seis
viagens ou sete.” (Rosa Lacota); “Havia muitos rapazes que não queriam ir para
a tropa naquele tempo, queriam ir ao bacalhau. ” (Isaldina Rabela).
Gente solidária: “Na Afurada quando morria um home no bacalhau era um luto que nem
imagina.” (Linda da Estrela do Mar)
E uma certeza
- «Vox Populi…» “Sabes que a minha sogra é prima daquele bispo que vai ser canonizado? Primas carnais ela
e D. António Barroso.” (Maria Alice).
São memórias vivas que Marques da Cruz dignifica e
perpetua. Bem haja!
(7/3/2019)
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