O Tanoeiro da Ribeira

quarta-feira, julho 24, 2019

FEZ, ONTEM, 187 ANOS...

 
O reflexo dos salgueiros derrama-se nas águas da “levada” que, depois, cantam numa cachoeira e espreguiçam-se em verde colchão subaquático. Outrora, moviam quatro rodízios e, guiadas pelo “rego de consortes”, iam irrigar os campos que deram nome a S. Martinho. O velho moinho traz-nos à memória o poema de Junqueiro: “Pela estrada plana, toque, toque, toque…”. Junto da ponte medieval da «estrada real» que seguia para Amarante, ainda se conservam a «casa da portagem» (1796) e as alminhas de Nª Sª do Carmo. Apetece deitar na relva e sonhar com um museu, na Casa da Portagem, que valorize o rico património deste sítio histórico.

Foi neste lugar de Campo que teve lugar a «Batalha de Ponte Ferreira» (23/7/1832), o primeiro grande embate do «Cerco do Porto», com 15000 miguelistas e 8000 liberais. Bateram-se durante 12 horas, ”provocando grande número de mortos e de feridos”. E foi tão dura a refrega que, ainda hoje, o «Campo da Pica» e a “Ponte da Pica” lembram essa luta à ponta da baioneta.

 Aqui combateram liberais ilustres como Alexandre Herculano mas a grande figura foi Baltazar de Almeida Pimentel que, “com a maior presença e sangue frio, salvou todo o Batalhão de Caçadores nº 5 e parte do de Voluntários da Rainha”. Seus “conselhos foram de uma tão decidida utilidade que se ganhou a batalha; teve um cavalo morto de baixo das suas pernas”. Quem foi este militar a quem, como recompensa, D. Pedro concedeu o “Grau d’Oficial da Ordem da Torre e Espada” e o “fez seu Ajudante de Campo”?

 Na apresentação do livro “Conde de Campanhã …”, o Professor Ribeiro da Silva disse: 

“O livro responde a uma pergunta de quem olha para os baixos-relevos laterais da estátua equestre de D. Pedro IV, na Praça da Liberdade. Das personalidades que lá figuram, queremos destacar essa figura elegante, de elevada estatura, que segura o escrínio com o coração de D. Pedro IV, em gesto de o oferecer (…) Segundo os Autores, a mesma figura aparece, de novo, no outro painel ao lado de D. Pedro a entregar a bandeira. Ora tal individualidade é precisamente Baltazar de Almeida Pimentel, amigo de D. Pedro IV, que haveria também de ser o homem de confiança da Duquesa de Bragança que o encarregou de levar o coração de D. Pedro IV desde Lisboa até ao Porto e de o entregar à antiga, mui nobre, sempre leal Cidade do Porto («invicta» a partir de 14 de janeiro de 1837).

“Barão de Campanhã” (1835) e Visconde de Campanhã (1844), foi nomeado Conde de Campanhã (3/10/1862).

Sabemos que nasceu em Almeida (18/10/1791) e faleceu em Lisboa (30/5/1876). E o que o liga a Campanhã? Não há documentos.

“Se foi feito Barão de Campanhã, provavelmente, terá cometido algum feito digno de relevo dentro da vasta área de Campanhã. Quem sabe se terá sido um dos heróis da Rua do Heroísmo (29/9/1832)? Fica a hipótese do ilustre historiador.
 

(24/7/2019)

 

quinta-feira, julho 18, 2019

A ROTA CISTERCIENSE (II) - VALLBONA



Este mosteiro feminino, uns dos maiores do Mundo, teve a sua origem num eremitério fundado pelo anacoreta Ramon, o “Vallbona”. Em 1173, decidiu transformá-lo num cenóbio e incorporá-lo na linha feminina da Ordem de Cister.

Pouco a pouco o mosteiro, com doações da nobreza local e o apoio da coroa da Catalunha-Aragão, foi aumentando o seu património. No início do século XIII, recebeu a proteção da Sé Apostólica.

No século XVI, o Concílio de Trento mandou que os conventos de religiosas, em locais ermos, fossem trasladados para junto das povoações para evitar roubos e profanações. A abadessa, em vez de deslocar o mosteiro, convidou os habitantes das redondezas a viver dentro das suas muralhas, oferecendo-lhes terras e terrenos para as casas. Assim, nasceu a atual Vallbona de les Monges

Mesmo assim, por diversas vezes, as monjas tiveram que abandonar o mosteiro. Aconteceu em 1809, quando as tropas francesas saquearam a igreja paroquial. Por precaução, as religiosas voltaram para suas casas. Também o fizeram em 1835, quando foram queimados alguns mosteiros em Madrid e em Barcelona. Porém, foi durante a Guerra Civil (1936-1939) que o mosteiro sofreu os maiores ataques de toda a sua história. As monjas abandonaram o mosteiro, na noite de 23 de julho de 1936 (faz 83 anos, na próxima 3ª feira,) e, passados cinco dias, os revolucionários queimaram os retábulos, imagens, imobiliário, roupas e objetos litúrgicos que tinham recolhido no seu interior. E ainda lançaram o fogo ao cadeiral do coro gótico, aos bancos de nogueira da sala capitular, ao retábulo gótico do claustro. “De maneira absurda desapareceu entre as chamas um importante património cultural que tinha sido respeitado em todas as ocasiões anteriores.” Feridas…que ainda sangram.

A recuperação dos diversos elementos artísticos que não tinham perecido salvou algumas talhas e imagens que ainda hoje causam admiração.

Em 2 de fevereiro de 1939, regressaram as primeiras três monjas. Atualmente, são oito as que o habitam.

A visita leva-nos a contemplar o seu rico património artístico. Destaco o claustro onde convergem as principais instâncias monásticas, como a cozinha, o refeitório, e o “scriptorium”. De planta trapezoidal, o que o torna único, começou a ser construído pela galeria sul, nos finais do século XII. Também de estilo românico é o lado nascente, século XIII. A nave norte é de estilo gótico (século XIV) e a do oeste é neorromânica do século XV, o que não deixa de ser surpreendente. A joia arquitetónica, porém, é o magnífico zimbório da igreja, romano-gótico. Na estatuária, o tímpano (século XIII) do portal da igreja com a patrona do mosteiro, Santa Maria, e a imagem da “Mare de Déu del Cor” (século XIV) são as obras mais valiosas da escultura românica.

Percorrê-lo, é mergulhar na história. Sentimo-nos contemporâneos de outras eras…

(17/7/2019)

 

 

quarta-feira, julho 10, 2019

NA ROTA CISTERCIENSE (I) - POBLET



Depois de S. Domingos de Silos e da Cartuxa de Miraflores, em Castela, chegou a hora de o convidar, amigo leitor, a vir conhecer os mosteiros de Poblet e Ballbona, na Catalunha”.

A Ordem dos “Monges Brancos” foi fundada por Roberto de Molesme quando, em 1098, se deslocou a Cister para restaurar a austeridade e a simplicidade da regra de S. Bento. Após São Alberico, Estêvão Harding foi o terceiro abade de Cister, seu grande impulsionador e primeiro legislador. Porém a grande expansão da Ordem deve-se a S. Bernardo de Claraval, o “doutor melífluo”, o “homem do século XII”. Tendo chegado a Cister em 1112, fundou, em 1115, os mosteiros de Claraval e Morimond que tiveram um papel primacial na presença da Ordem na Península Ibérica. Enquanto o último foi responsável pelo movimento cisterciense em Navarra, Castela e Aragão, já o primeiro está na origem dos mosteiros de Leão, Galiza e Portugal (S. João de Tarouca, por volta de 1140 e Alcobaça, 1153).

Poblet é um dos maiores mosteiros cistercienses do Mundo e o maior da Europa habitado, atualmente com 25 monges.
Quando, em 1153, os monges começaram a construir as primeiras dependências, logo consagraram a igreja a Santa Maria. O seu património foi crescendo até chegar a ser o mais extenso da Catalunha. No século XIV, passou a ser o panteão da coroa aragonesa. Em 1835, com a “Lei da desamortização”, tornou-se propriedade do Estado. O recinto monacal, abandonado, foi saqueado e incendiado. Os túmulos dos reis que estavam na igreja foram profanados, em busca de imaginários tesouros. Os restos mortais foram recolhidos pelo pároco de Espluga de Francoli e guardados na igreja paroquial durante sete anos até serem trasladados para a catedral de Tarragona. Em 1930, foi criada uma comissão para a conservação e restauração do mosteiro e, em 1940, alguns monges, vindos de Itália, restabeleceram a comunidade monástica que voltou a dar sentido a estas pedras quase milenárias. Em 1952, os féretros reais voltaram a ser depositados no mosteiro e seus túmulos restaurados. Apesar de todos os atentados por que passou, o mosteiro manteve a sua estrutura medieval e, por, isso (e não só…) foi declarado Património da Humanidade em 1991.
O mosteiro impressiona pela grandiosidade do seu edifício e pela riqueza artística do seu património. Sendo impossível descrevê-lo, realço a elegância do claustro gótico, o templete românico onde murmura uma fonte, o dormitório com 87 metros de comprimento e 10 de largura, e, principalmente, as quatro torres/zimbórios que sintetizam os estilos fundamentais do mosteiro: românico, gótico, renascença e barroco. O interior da igreja, com os túmulos reais, de alabastro, e o retábulo maior - a primeira grande obra renascentista da Catalunha - deixa-nos sem palavras.
Poblet, mais que um espaço, é um convite à contemplação.(10/7/2019)

 

quarta-feira, julho 03, 2019

"A VERDADE SAI DA BOCA DAS CRIANÇAS"


 
Em fim de ano letivo…Homenagem a professores e alunos.

Em 30 de abril, na Universidade de Aveiro, realizou-se a final do concurso “diz4” para alunos do 3º e 4º ano, com a participação de mais de quinhentos pares, apurados em provas realizadas em agrupamentos de escolas de todo o país.

Quando perguntaram a um dos meninos da equipa que ficou em 2º lugar - a primeira do 3º ano - o que quer ser quando for grande, respondeu: “Quero ser neurocientista para saber como funciona o cérebro para ajudar a humanidade e salvar muitas pessoas”.

Esta resposta duma criança (cf. Mt 21,14-16) fez-me recordar a fábula dos “quatro brâmanes” a quem o mestre dizia: - “Meus filhos, qualquer um pode ser instruído mas a instrução de nada lhe valerá se não a usar sabiamente”.

 

Três dos brâmanes orgulhavam-se dos seus dons e troçavam do mais novito que ainda não adquirira nenhum mas sempre ouvia o mestre: - “Bom senso é quando pensamos antes de agir”.

Um dia, os três mais velhos resolveram partir em busca de novos conhecimentos e, por compaixão, convidaram o mais novo. Na despedida, o mestre relembrou-lhes: - “O homem sábio pensa sempre antes de agir”.

Partiram. Na floresta, ao ver os ossos dum leão, o primeiro, ufano, ordenou-lhes que refizessem o esqueleto. Então, o segundo ripostou: - “ O meu poder é maior. Vou dar carne ao esqueleto”. E surgiu um leão com olhos, juba, dentes, mas morto. O terceiro exclamou: -“Eu sou o maior! Vou dar vida a este leão”. O brâmane mais novo bem protestou. Como os outros não lhe ligaram, subiu para uma árvore. Então, o terceiro deu a ordem e logo o leão abrindo os olhos, soltou um rugido medonho, atacou-os e comeu-os. O mais novo comentou: -“Vocês tinham muitos dons mas faltou-vos o bom senso”.

 

O JN, em 12 de dezembro, publicou uma notícia que me fez refletir sobre o bom senso e a responsabilidade dos cientistas. Poderão esquecer-se de que o fim último de toda a atividade humana é o bem da Humanidade? Não terão de se interrogar sobre os possíveis efeitos negativos das suas descobertas? Quem lhes pede responsabilidades? Gozam dum poder absoluto? Será que, como afirmava Heidegger, “a ciência não pensa”?

 Noticiava que um “cientista chinês revelou ter ajudado a criar os primeiros dois bebés com genes modificados. A falta de consentimento de qualquer comissão de ética é uma das razões que levam à condenação massiva da alegada modificação”. A manipulação genética pode “pôr em causa o equilíbrio funcional existente no nosso ADN e criar problemas muito graves”. É crime contra a humanidade.

 

Sabemos como Einstein - cujas descobertas tornaram possível a produção da bomba atómica – se sentiu profundamente transtornado com as bombas de Hiroshima e Nagasaki…

Aonde nos levará o conhecimento sem bom senso? E a ciência sem ética?

Precisamos de cientistas que sejam também sábios… E a “Escola Primária” é o seu berço. (2/7/2019)