O Tanoeiro da Ribeira

quarta-feira, junho 25, 2014

A última aula


O ano letivo estava a chegar ao fim. Com ele, terminava a peregrinação pelos caminhos do ser e do saber iniciada em setembro com o sumário “Eu já não sou criança” e que agora findava com o voto para a vida: “Façam o favor de ser felizes”.

Então, o professor pediu aos alunos que, em poucas palavras e sob total anonimato, avaliassem o seu percurso pessoal e o trabalho realizado durante o ano.

Respiguei alguns desses testemunhos que transcrevo.
- “Ao longo deste ano, cresci mentalmente e na maneira de ver a vida e de a viver.”
-“Sei que o mundo não gira mais à minha volta, já não sou egocêntrico. Sei que existem outras pessoas, com outras necessidades.”
-“Ajudou-me a ser uma pessoa melhor e a ver o mundo de outra maneira.”

-“Fez com que uma rapariga superficial e pouco atenta ao que acontecia aos outros se preocupasse, passasse a ser um ser humano crítico e profundo. Ganhei uma perspetiva do mundo que nunca na vida tinha alguma vez imaginado, tive noção que não era o centro do mundo.”
-“Quando alguém realmente quer, basta-nos dar liberdade ao pensamento, ouvir o outro e abrir o coração. E quando damos por nós, já crescemos interiormente”
-“Fiquei consciente que o homem mais rico do mundo não é aquele que guarda a primeira moeda que ganhou, mas aquele que conserva o primeiro amigo que fez”.
-“ Agora sinto que sou mais exigente comigo mesma.”
-“Esta disciplina ensinou-me a saber pensar, agir e estar”.
-“Eu desenvolvi muito o meu sentido de responsabilidade.”
-“Finalmente encontrei pessoas que gostam de mim tal como sou. As aulas fizeram-me crescer por dentro o que é bastante gratificante.”
-“As aulas tornaram-me mais autónoma pois fizemos trabalhos de reflexão pessoal e isso fez-me crescer como pessoa.”

-“ Ajudou-me muito a desenvolver a minha capacidade de pensamento. ”
-“Sinto-me mais “rica”, com mais experiência, mais madura e com muito para dar.”
-“Aprendi a ser mais autónomo e a ter mais responsabilidade.”
- “É verdade que em muitas ocasiões da nossa vida as escolhas erradas e as feridas nos ajudam a crescer, porém, também precisamos na nossa vida de alguém que nos guie e ampare nas quedas. Precisamos professores amigos para nos amar e ensinar.“
- “Ensinou-me que temos de seguir em frente e ultrapassar os problemas e adversidades; ensinou-me a olhar e ver para além do invisível; mostrou-me que eu não sou o único com problemas no mundo. Vou tentar transmitir aos meus irmãos mais novos e aos meus futuros filhos, os conhecimentos e o que aprendi sobre a vida.”


Quando tanto se fala da falência da escola, faz-nos bem ler estas mensagens de esperança e saber que os jovens de hoje continuam a pedir professores que gostem deles, os ensinem e ajudem a crescer…

(25/6/2014)

quarta-feira, junho 18, 2014

Casa dos Transmontanos e Alto-Durienses do Porto


 

Mais uma vez, esta “Casa Regional” foi encontro de amigos e polo difusor de cultura. No dia 31 de maio, sob a presidência do Dr. Diogo Fernandes, presidente da Assembleia Geral, foi apresentado o livro Gente da Minha Terra. O presidente da direção, Eng. José Gonçalves, saudou a numerosa assistência que enchia o auditório, com uma palavra de apreço especial para a presença do P. José Maria Cabral Ferreira que fora seu insigne professor.

Na obra apresentada, José Augusto Vieira dá vida ao povo que lhe moldou a alma, forjou o caráter e ensinou a voar. Na sua romagem às origens, o autor oferece-nos uma narrativa multifacetada, de fino recorte literário. É com rigor histórico que fala de Vila Real e Constantim nas Terras de Panóias e transcreve a carta de bons foros que, em 1096, o Conde D. Henrique, passou a vós homens de bens e bons costumes, que viestes habitar na Vila de Constantim de Panóias. O mesmo cuidado se verifica quando fala de Frutuoso Gonçalves: o sacerdote e o taumaturgo e do santuário rupestre de Panóias. Em Crianças nascidas durante a guerra, ao pintar o quadro negro da sua infância distante, sente-se as agruras de quem poeticamente confessa que me vieram à lembrança /os meus tempos de criança / (só de criança) / porque eu nunca fui menino. O realismo das cores e a riqueza de pormenores fazem-nos reviver esses tempos de fome, mercado negro, racionamento e meia sardinha.

                  Em Lugares de Constantim, o historiador cede lugar ao antropólogo. Especialmente nos ciclos do milho e do vinho, sente-se a tensão dialética de quem se quer afastar do objeto para apresentar uma descrição objetiva e a necessidade de se aproximar para ver por dentro o fenómeno humano que lhe está subjacente. Em todas as descrições, perpassa um fio de ternura que as humaniza. Na particularidade da sua experiência, a narrativa atinge um grau de universalidade que se aplica a todo o mundo rural dos meados do século passado.

                 O avolumar de vivências atinge o auge ao lembrar as madrugadas em que acompanhava o seu pároco até Valnogueiras para ajudar à missa: Quantas vezes às cinco da manhã já se misturavam as patadas do seu cavalo com as minhas ligeiras pegadas de rapazinho ensonado despertando a montanha, também ela admirada de semelhante quadro.

                 Situações e personagens ganham significado através de uma linguagem que nos fala dum povo que encontrou no engenho e na solidariedade a alegria e a força de viver. E porque, na vida das pessoas e comunidades, o presente radica no passado e frutifica no futuro, um voto está implícito em todas estas páginas. Que as sinergias de outrora ajudem os jovens a construir, no hoje incerto, um amanhã aberto à esperança.

Para a “Casa dos Transmontanos”, os nossos parabéns.

(18/6/2014)

                

quarta-feira, junho 11, 2014

O Dom da Vida


Há tempos, um jovem casal mostrou-nos uma ecografia do filho (ou filha?) com seis semanas de vida e dois centímetros de comprimento, que incluía já o gráfico do seu ritmo cardíaco.

Poderemos, ainda falar da origem da vida como um mistério quando se diz que a ciência tudo explica? De facto, ela ensina que a conceção se dá quando o espermatozoide fecunda o óvulo, dando origem ao ovo. Este começa por ser uma célula única que se divide em duas novas células e cada uma destas noutras duas e assim sucessivamente até se formar a totalidade do organismo. O ovo, como as demais células, compõe-se de citoplasma e núcleo, no interior do qual se encontram os cromossomas cujo número é constante nas células do mesmo indivíduo. As células humanas possuem quarenta e seis cromossomas, dispostos em vinte e três pares, à exceção das células sexuais que só têm vinte e três cromossomas cada. No ovo, juntam-se vinte e três de origem materna e vinte e três de origem paterna, cuja combinação origina a constituição genética individual. No interior dos cromossomas, encontram-se milhares de genes, constituídos por ácido desoxirribonucleico (DNA). Os genes são os responsáveis pelo aparecimento no indivíduo das suas caraterísticas físicas, como a cor dos olhos, dos cabelos, da pele, Rh sanguíneo e outras potencialidades afetivas e intelectuais. Estão na origem da hereditariedade específica, racial e individual. Como diz o povo: ”quem sai aos seus não degenera” e “ninguém sai aos bichos do monte”. Os milhares de genes podem combinar-se de numerosíssimas formas, o que explica a diversidade existente entre os seres humanos. Todos já ouvimos falar nos testes de ADN para identificar um indivíduo ou seus progenitores. Teoricamente, não há dois indivíduos de constituição igual na espécie humana, salvo os “gémeos verdadeiros” que proveem do mesmo ovo inicial.

Mais ainda. O homem, como diz Edgar Morin, é um ser bio-psico-social. E pensar eu que as etapas do desenvolvimento da personalidade, que inclui estruturas físicas, biológicas, afetivas, intelectuais, sociais e espirituais, já estão em gérmen naquele tão pequenino embrião humano de dois centímetros… E as perguntas surgem. A quem se deve a vida que anima as células germinais? E a programação para uma progressiva complexificação organizacional que, em interação com o meio, irá fazer daquele indivíduo uma pessoa única e original?

Para uns, foi a natureza. Para outros, o acaso. Eu, porém, faço minhas as palavras de D. António Francisco, na última Vigília Pascal: Sempre que uma vida nasce há razão para celebrarmos a surpresa e a bênção do dom do amor de Deus, que essa vida significa. E bendigo Deus que associou a mulher e o homem à sua Obra Criadora: Frutificai e multiplicai-vos (Gn,1,28).

(11/6/2014)

sexta-feira, junho 06, 2014

Saudade e gratidão


 
No dia 25 de abril, o curso dos seminários do Porto de 1951-1963 realizou, no santuário da Senhora da Saúde, a sua reunião anual.

A Eucaristia, presidida pelo P. Augusto Baptista, pároco de Perosinho e organizador do evento, foi concelebrada pelos padres António Meireles, pároco da Folhada, Damião Bastos, de Agrela, Pedro Gradim, de Leça do Balio, José Loureiro, de Custóias e Correia Fernandes, da Senhora do Porto e diretor da Voz Portucalense. Rezou-se pelos professores e, entre outros, nomearam-se os condiscípulos já falecidos: padres Saul, de Rio Meão, Torres Maia, de Fajozes, Luís Barata, da Obra do Gaiato, e doutores Peres Correia, de Arouca, Belarmino Soares, fundador do Coro Gregoriano do Porto, Ferreira de Brito, colaborador da Voz Portucalense, e Idalino Ferreira, da direção da Fundação Voz Portucalense. Provocou particular emoção a evocação do P. Carneiro Dias, pároco de Alfena, falecido na semana anterior.

Se, na Eucaristia, se lembraram os que já estão na glória, no almoço, nomearam-se os que ainda connosco peregrinam.

Estes encontros suscitam sempre uma renovada partilha de memória. Cada um abre a arca das recordações donde retira um tesouro de “coisas novas e velhas” (Mt 13,52). Velhas porque se esbatem nas lonjuras do tempo; novas porque chegam coloridas por cambiantes renovados de afetividade. A passagem dos anos vai submergindo as agruras do passado - que sempre houve - deixando que apenas aflorem à superfície da consciência os momentos maiores de felicidade. E é com esses picos que a memória pontilha o nosso bordado de recordações.

Não é o saudosismo passadista que alimenta estes reencontros de “velhos companheiros” mas uma amizade muito íntima que vem lá do fundo da alma e ajuda a cumprir a promessa feita no longínquo ano de 1958, quando, na “Academia de Despedida” do Seminário de Vilar, com letra de Elisário Sousa e música de Freitas Soares, cantaram “Saudade e gratidão, eis a nossa despedida. Saudade porque nos vamos, gratidão por toda a vida”.

Não admira, pois, que, nesta reunião, tenham sido recordados antigos professores, especialmente os que ainda estão entre nós: P. Armando Silva, P. Delfim da Mota, P. Agostinho Mota, P. Santos Silva, do Seminário de Trancoso; Cónego Sousa Marques (vice-reitor), D. Manuel Vieira Pinto (diretor espiritual) P. Valdemar Pinto, Dr. Zacarias de Oliveira e Dr. Agostinho Ribeiro, do Seminário de Vilar; D. Manuel Martins (vice-reitor), D. Serafim Ferreira e Silva, Monsenhor Ângelo Alves, Cónego Ferreira dos Santos, Cónego Castro Meireles, Dr. Aurélio Pinheiro e P. Carlos Alberto Pereira, do Seminário Maior.

Para todos, uma palavra de homenagem feita de “gratidão” e um bem-haja para o seminário que muito contribuiu para o que hoje fazemos e somos.

(4/6/2014)