O Tanoeiro da Ribeira

quarta-feira, setembro 27, 2017

PACTO SEM COMPROMISSO


PACTO SEM COMPROMISSO
 




Monumento comemorativo do Acordo de Belfast em Derry

A celebração dum acordo costuma terminar com um aperto de mão que sela o compromisso de o cumprir. Não assim no monumento de Londonderry comemorativo do “Acordo de Belfast” de 1998 - entre o governo britânico e irlandês- que pôs fim ao conflito que devastou a Irlanda, durante quarenta anos. Nele, dois homens, hirtos e de rosto fechado, estendem os braços sobre o fosso que os separa mas as mãos não se tocam nem se cumprimentam… É um acordo sem compromisso. As bombas calaram-se mas o conflito, que vem de longe, está lá…

Começou no século XII quando Henrique II de Inglaterra impôs à Irlanda o domínio inglês. Recrudesceu no século XVI quando a rainha Isabel I confiscou as terras irlandesas e entregou-as a colonos protestantes idos da Grã-Bretanha, reduzido à servidão os irlandeses, católicos, cristianizados por S. Patrício e S. Columbano. E a luta que era entre colonizados (Irlandeses) e colonizadores (Ingleses) ganhou a roupagem duma guerra de religião entre católicos e protestantes. Após a “peste da batata” no século XIX, que levou à morte ou à emigração cerca de 4 000 irlandeses, os protestantes tornaram-se maioria em seis condados do Ulster.

O conflito ganhou novos contornos quando, em 1948, a Inglaterra reconheceu a independência da República da Irlanda mas manteve o seu domínio nos condados onde tinha maioria de votos, criando a Irlanda do Norte. Os irlandeses revoltaram-se, iniciando um conflito violento que matou 3 000 pessoas. A paz regressou em 1998, mas o fosso permanece. Ainda hoje católicos e protestantes vivem em bairros diferentes, em alguns casos como vi em Belfast, separados por muros com portões que se fecham nos momentos mais conturbados, e as crianças brincam e estudam em escolas e parques separados. Estas feridas são visíveis no “Memorial do Domingo Sangrento” onde a mão - símbolo do Ulster agrilhoada por arame farpado - que sustenta a pomba da paz se apoia num bloco fendido. As feridas continuam abertas e prontas a sangrar…
Memorial do Domingo Sangrento

Nem imagino o que acontecerá se acabar a “fronteira invisível” que tem vigorado e se impuser uma “fronteira física” entre as duas Irlandas…Essa a grande preocupação do Reino Unido nas negociações do Brexit.
 
 
 
 

quinta-feira, setembro 21, 2017

 
PAPA DO SORRISO
 
O sorriso que iluminava o rosto de D. António Francisco durante a peregrinação diocesana a Fátima trouxe-me à mente a coletânea “Os Papas e Fátima”, de que destaco “João Paulo I – O encontro com a irmã Lúcia”- que fala de quem “ficou conhecido como o Papa do Sorriso”.

Nasceu no norte de Itália. Durante a Guerra, com o pai emigrado na Suíça, chegou a passar fome. Ordenado presbítero em 1935, “ tinha problemas de saúde e achava que não tinha uma voz forte para desempenhar a missão episcopal”. Foi nomeado bispo de Veneto e, depois, patriarca de Veneza. Distinguiu-se “pela simplicidade com que andava nas ruas, o que lhe permitia o contacto próximo com as pessoas”.

Eleito papa, escolheu um nome composto para homenagear os seus dois antecessores, reconhecendo, embora, que não tinha a sabedoria de coração de um nem a preparação e a cultura do outro. “No momento em que foi apresentado na varanda de S. Pedro, pretendeu falar à multidão. Mas o protocolo não lho permitiu”. Aboliu o plural majestático (nós) nos seus discursos, falando sempre na primeira pessoa do singular (eu), e recusou ser coroado com a tiara papal.

Num Angelus, disse: “Sabemos que Deus tem os olhos sempre abertos para nos ver, mesmo quando parece que é noite. Ele é papá, mais ainda, é mãe!”

A ternura envolve-o na grande devoção a Nossa Senhora, como explicitou no início do seu pontificado: “Iniciamos o serviço apostólico, invocando como estrela esplendorosa da nossa caminhada a Mãe Deus, Maria, que a Liturgia venera de modo especial neste mês de Setembro. A Virgem Santíssima, que guiou com delicada ternura a nossa vida de criança, de seminarista, de sacerdote e de bispo continue a iluminar e a dirigir os nossos passos, para que, feito voz de Pedro, com os olhos e a mente fixos no seu Filho, Jesus, proclamemos no mundo, com jubilosa firmeza, a nossa profissão de fé. «Tu és o Cristo, o Filho de Deus vivo» (Mt. 16,16). Amen”.

Foi este amor a Maria que, quando cardeal, o trouxera a Fátima, de modo muito discreto, merecendo “apenas, uma breve referência na Voz de Fátima”. Nessa altura, deslocou-se ao Carmelo de Coimbra onde falou com a Irmã Lúcia.

A sua debilidade física aguentou o ministério episcopal mas sucumbiu face às exigências do múnus pontifício.

Também o coração de D. António Francisco, o nosso bispo, soçobrou sob o peso dos “cuidados pastorais”. Dou graças a Deus pela sua dádiva à Igreja do Porto e pelo sorriso que a todos acolhia, com uma ternura muito especial para as crianças e os mais frágeis.

“Um homem bom. “ (JN, 12/9/2017)

“Que ele, junto do Pai, interceda por nós”, assim pediu D. António Taipa na Sé Catedral. E nós também …

“Por onde passava cativava a população pela sua afabilidade”.

( 20/9/2017)

 

quarta-feira, setembro 13, 2017


 CHEIO -CHEO-LLENO


Praia das Catedrais - junto a Ribadeo
 
Neste verão, nas “Rias Altas” da Galiza”, parei para meter gasolina. A funcionária que me atendeu perguntou: - Lleno?  Ao que retorqui: - Como se diz em galego? - Cheo, respondeu. - Muito parecido com o português “cheio”, acrescentei. Quando lhe disse que era do Porto, os olhos sorriram: - Já estive lá e gostei muito do rio e da ponte!

 
Num pequeno bar do Parque Natural “Fragas do Eume”, a menina que nos serviu, ao aperceber-se donde éramos, confessou: - Já lá fui. Fiquei na rua José Falcão para ir à Livraria Lelo. Quero lá voltar.
Parque Natural das Fragas Eume - junto a Pontedeume

E, coisa maravilhosa, lá bem no fundo de “uma das florestas atlânticas ribeirinhas melhor conservadas da Europa”, senti-me em casa. Como o turismo aproxima os povos!

A esse propósito, faço-me eco do artigo “Turismo Sustentável” publicado na Voz do Trabalho, Julho/Agosto 2017.

 Começa por afirmar que a declaração da ONU sobre “2017 - Ano Internacional do Turismo”, assenta em três pilares fundamentais: económico, social e ambiental.” Procura implementar um “desenvolvimento harmónico, através da promoção de uma melhor compreensão entre os povos de todo o mundo, bem como conduzindo à consciencialização sobre a diversidade e riqueza patrimonial das diversas civilizações.”

E sublinha “quatro aspetos me parecem cruciais para a conceção de um turismo sustentável: uma nova conceção económica, mais solidária; a valorização e promoção social e cultural de cada comunidade de acolhimento; um autêntico diálogo humano, mais fraterno; e o respeito pelo meio ambiente, associado ao incremento de um turismo ecológico.”

 Termina com um apelo: “O que temos de mais genuíno é sempre o que melhor podemos oferecer, seja do ponto de vista social, cultural ou ambiental. Que também entre nós o turismo seja realmente sustentável e promotor de um autêntico desenvolvimento humano”.

Mais importante que o nosso património - sem dúvida, valioso – é, na diversidade das tradições, a nossa identidade como povo. A simpatia não implica alienação! Bem pelo contrário…Respeitemo-nos e respeitemos quem nos visita. O lucro e a tão propalada criatividade não justificam tudo…

Como escreveu Seixas da Costa (JN,1/9/2017): “Há que tentar evitar o gato por lebre que por aí anda. Deixar sem denúncia oficial que nada há de típico no pastel de bacalhau com queijo da serra é a porta aberta a que, um destes dias, possa surgir alguém a vender que bom, bom é o pudim abade de Priscos lardeado com tripas à moda do Porto…” Haja seriedade!

Claro… Como sempre, não há rosas sem espinhos: pressão imobiliária, casas e alugueres caros, trânsito caótico, ruas apinhadas, restaurantes e cafés superlotados…

Saibamos aproveitar benefícios e atenuar malefícios… Como diz a máxima popular, não se pode ter “sol na eira e chuva no nabal”…

(13/9/2017)

 

quarta-feira, setembro 06, 2017


ECOS DUMA ENTREVISTA


Por estes dias, Campanhã veste-se de gala para celebrar a sua padroeira. Festa antiga que faz regressar à sua velha igreja os Campanhenses que a vida levou para longe. Os mais idosos lembram a infância quando seus pais os levavam à Missa da Festa e voltavam com uma melancia debaixo do braço… Festa grande do Porto rural marcava o ciclo dos trabalhos agrícolas em fins de verão. Dizia-se: “Com a Senhora de Campanhã acabam as sestas e as merendas”. Campanhã era, então, terra de grandes quintas. Basta nomear as do Freixo, Revolta, Vilar Allen, China, Bonjóia, Lameira, Vila Meã, Bela Vista, Mitra. Terra de grande produção cerealífera e com muitos moinhos nos rios Rinto e Torto, como, este ano, bem realçou a rusga representativa de Campanhã, organizada pela Associação Cultural e Desportiva do Bairro do Falcão, vencedora do concurso das rusgas sanjoaninas do Porto: ”Destacou o papel da freguesia como principal produtora de farinha para o pão na cidade do Porto, evocou os seus moleiros e agricultores, num desfile que envolveu 230 elementos e onde não faltou um moinho e até um forno de pão.”

Hoje, continua a ser habitada por gente de bem mas que, na sua maioria, veio de fora da freguesia: do centro da cidade e do interior do país. Os bairros ocuparam os espaços agrícolas: Falcão, Alto da Bela, Cerco do Porto, S. Roque da Lameira, Machado Vaz, Lagarteiro, S. João de Deus, Pio XII, Contumil, entre outros. Apesar das novas geografias, mantém muito do seu cariz rural.

Sinal destes novos tempos é a entrevista que o pároco atual, cónego Fernando Milheiro, deu ao “Etc E Tal Jornal”, jornal digital com muitos milhares de leitores, publicada no dia 1 de junho deste ano. Limito-me a destacar algumas das suas ideias.
     Começa por se apresentar como alguém que assume uma história familiar e pessoal de compromisso na sociedade e na Igreja. Lembra o tempo em que serviu os seminários e afirma que o Seminário Maior é o seminário propriamente dito. Os outros têm por finalidade testar qualidades humanas tais como a capacidade de convivência, de verdade, de trabalho, de dedicação e serviço e de inteligência. Quem se revelar egoísta, a pensar apenas no seu triunfo, é aconselhado a seguir outros caminhos. A propósito da comunicação social, ele que foi diretor da Voz Portucalense, afirma que a Igreja só deseja que os órgãos de comunicação estejam ao serviço da verdade. Como pároco de Campanhã, lamenta que, para a política camarária, o Porto “vá da Batalha até à Foz”. O nordeste da cidade tem sido esquecido. E sorri ao vislumbrar sinais de mudança… Que se concretizem, deseja…

Vale a pena ouvir na íntegra esta entrevista “sem papas na língua”. Para isso, basta ir a www.etcetaljornal.pt, abrir em “Rubricas”, clicar e procurar em “Convidado”.

(6/9/2017)