O Tanoeiro da Ribeira

segunda-feira, dezembro 24, 2007

PRENDA DE NATAL

Hoje é véspera de Natal de 2007. Logo à noite iremos a Amares consoar em casa dos pais da minha Eli. Iremos todos, incluindo os meus sogros. Amanhã, se Deus quiser, virão todos almoçar a nossa casa. Estamos felizes por isso, até porque vi muita felicidade nos olhos do meu João e da minha Eli.
Acaba de me telefonar o P. Fernando Milheiro, meu pároco, a perguntar se logo à noite vou estar presente no “Natal dos Sós” que se realiza, há já muitos anos, no refeitório do “Patronato de Campanhã”. Disse-lhe que, como sempre tem acontecido desde o início, lá estaria. Perguntou-me ainda se eu poderia levar um ou dois poemas para ler durante a breve cerimónia que precede a partilha da refeição (“habituou-nos mal…”). Já escolhi dois poemas: “No Presépio” de Gomes Leal e “Hino de Amor” de João de Deus.
Mas será tudo felicidade?
Ontem, o meu amigo e padrinho de casamento Freitas Soares, na Missa que cantámos na Trindade, deu-me um texto escrito por mim há muitos anos. Possivelmente, terá sido escrito em Julho de 1971. Fui participar numa semana de Pastoral em Paris a que se seguiu o Colóquio Europeu de Paróquias em Estraburgo. Como no domingo intermédio não poderia estar na paróquia, pedi-lhe para ele presidir à Celebração da Palavra e ler a homilia que eu lhe deixava escrita. Foi esse texto que ele ontem me trouxe.
Porquê uma prenda de Natal?
Para ajudar a resposta, eu vou transcrevê-lo.

"O homem perante a dor

I – Sofrimento – uma realidade e um problema

Apesar de todos os progressos das ciências e da medicina, os homens continuam a sofrer.
Apesar dos grandes esforços da humanidade, feitos ao longo dos séculos, o sofrimento ainda é hoje uma realidade que acompanha o homem, desde o berço até à sepultura. – dores físicas e morais, dores provenientes de si mesmo ou causada pelos outros. É justo que, perante tudo isto, o homem se pergunte: “donde provém o sofrimento e para que serve?” “Qual o sentido da dor, do mal e da morte que, apesar do enorme progresso hoje alcançado, continua a existir?”

II – O sofrimento à luz da Bíblia

a) No Antigo Testamento

A dor aparece logo nas primeiras páginas da Bíblia. Por causa da sua desobediência, o homem é expulso do paraíso e lançado para uma terra amaldiçoada onde a dor, as doenças, e a morte aparecem como castigo desse primeiro pecado.
Assim, a dor aparece, logo no início, relacionada com o pecado.
Em todo o Antigo Testamento, aparece esta relação entre sofrimento e pecado, e, pelo contrário, à ausência de pecado corresponderá uma ausência de sofrimento.
O problema do sofrimento perpassa o Antigo Testamento. Não aparece uma resposta satisfatória. Há quem veja no sofrimento uma satisfação pelo pecado; quem o encare como uma prova; como um aperfeiçoamento pessoal e quem lhe dê um carácter redentor.

b) A dor no Novo testamento

A catequese cristã e os próprios Evangelhos apresentam o sofrimento e morte de Cristo como elementos essenciais. E, de facto, até Jesus, conquanto tivesse curado muitos doentes, não se furtou ao sofrimento. Pelo contrário, a missão de Jesus, como Messias, há-de consistir principalmente em sofrer e morrer em conformidade com a vontade do Pai.
Jesus aceita essa vontade e prediz que o sofrimento há-de acompanhar os que entrarem no seu Reino.
Cristo não procura mas também não exclui o sofrimento, antes o aceita voluntariamente e chega ao ponto de proclamar “felizes os que choram”.

III – O Cristão perante a dor

A exemplo do Mestre, uma única atitude pode ser tomada pelo cristão perante o sofrimento: aceitá-lo voluntariamente. O sofrimento é, pois, parte essencial da vida cristã:
- o sofrimento configura-nos com Cristo. “ Sofrendo por nós, não só nos deu o exemplo para seguirmos os Seus passos, mas também abriu um novo caminho, em que a vida e a morte são santificadas e recebem um novo sentido” G.S. 22
- o sofrimento deve ser enfrentado com alegria. S. Paulo não se envergonha dos seus sofrimentos, antes se alegra com eles. Os Apóstolos saíram cheios de alegria do Sinédrio por terem sido dignos de padecer vexames pelo nome de Jesus (Act. 5,41)
- O sofrimento prepara-nos para o Reino de Deus. Escreve S. Paulo “Nós mesmos nos gloriamos de vós nas Igrejas de Deus, pela vossa constância e fé, no meio das perseguições e tribulações que suportais. É isto uma prova do justo juízo de Deus, para que sejais dignos do Reino de Deus, pelo qual padeceis” (2 Tes.1,4-5)






Quem conhece o sofrimento por que temos passado, nos últimos dois anos, compreende o título deste meu texto.
Alguém escreveu que “o acaso é o pseudónimo que Deus usa quando não quer assinar as suas obras”E as interrogações surgem. Foi tudo por acaso? Por que é que o Freitas Soares reteve este texto, perdido no meio dos livros? Por que é que essa homilia haveria de tratar o tema do sofrimento? Por que é que só agora descobriu esse texto?
Não será Deus a querer que eu concretize na vida aquilo que pregava com as palavras?
Nunca imaginei quão difícil é pôr em prática aquilo que se prega. Como o Evangelho é exigente …
Prenda de Natal? O sentido redentor do sofrimento. Que Deus nos ajude, especialmente ao meu filho José e à minha Anita. Que lhes dê, nos dê a todos, familiares e amigos, muita força para continuarmos a encontrar um sentido para a vida.
E esta será a melhor prenda de Natal que eu poderia desejar.

sábado, dezembro 15, 2007

EM FÁTIMA – UMA OUTRA VIVÊNCIA


“ Melquisedeque (…) sacerdote do Deus Altíssimo (…) abençoou Abrão, dizendo: Bendito seja Abrão pelo Deus Altíssimo que criou o céu e a terra! (…) E Abrão deu-lhe o dízimo de tudo”.Génesis, 14,18

Esta cena bíblica apresenta-nos o encontro do Deus da Criação com o Deus da Revelação. Melquisedeque passa o testemunho a Abraão. O Deus da Aliança é, ao mesmo tempo, o Deus da Criação e o Deus da Revelação, o Deus da Natureza e o Deus da Palavra, o Deus da Razão e o Deus da Fé. A Fé não é uma anulação mas um suplemento da razão. Por isso, Galileu afirma que não pode haver contradições entre as verdades científicas e os dogmas da fé pois provêm da mesma fonte. E já S. Boaventura mostrava como a mente humana, partindo da observação das coisas sensíveis, pode subir até ao seu Criador. Se a Natureza manifesta Deus, só a Palavra O revela. Se pela razão se pode chegar ao Deus-Criador, só pela Fé poderemos conhecer o Deus-Amor.

Como é bom, ao acordar de manhã, podermos dar os bons-dias ao Pai, rezando como S. Francisco de Assis:
Louvado sejas, meu Senhor, com todas as tuas criaturas, especialmente o meu senhor e irmão Sol,
o qual faz o dia epor ele nos alumia
E ele é belo e radiante, com grande esplendor:
de ti, Altíssimo, nos dá ele a imagem
”.
Todos nós conhecemos lugares cuja beleza nos encanta e aproxima de Deus. São verdadeiras manifestações do sagrado (hierofanias).
Como esses locais tocam a alma portuguesa! Recordo um pensamento do poeta galego Castelão que dizia: se um galego e um português estiverem a rezar e ouvirem um rouxinol a cantar interrompem a sua oração e louvam a Deus pela beleza daquele cantar; um castelhano, pelo contrário, mandará calar o rouxinol porque quer rezar. Lembra-nos o lirismo das cantigas de amigo:“ Ai flores, ai flores do verde pino…”
Não foi sem razão que o povo soube erguer os seus santuários em locais paradisíacos onde o silêncio apela à contemplação e à transcendência. Só para citar alguns: Assunção em Santo Tirso, La Salette em Oliveira de Azeméis, S. Domingos em Castelo de Paiva, Castelinho no Marco de Canaveses, Senhora da Serra em Baião, São Félix na Póvoa de Varzim, Santa Justa em Valongo, Senhora da Mó em Arouca, Santa Quitéria em Felgueiras, Monte da Virgem em Gaia. Para já não falar em Santa Luzia - Viana do Castelo, Sameiro - Braga, Penha - Guimarães, Senhora dos Remédios - Lamego, Senhora da Graça - Mondim de Basto e nas muitas capelinhas que sacralizam os cumes dos nossos montes e que o povo tão bem sabe cantar:
“ Olha a bela capelinha,
Lá no alto onde ela mora,
Vamos todos à tardinha (bis)
Rezar a Nossa Senhora.”


E que tem isto a ver com Fátima? Poder-se-á perguntar.
Em Fátima, para além do Santuário, há um outro local em que sabe bem rezar. A natureza convida-nos à oração. Estou a falar da “Via Sacra ”. Trata-se de um caminho, levemente ascendente, que se inicia junto da “Rotunda Sul” e, depois de passar nos Valinhos (onde se deu a aparição de Agosto), nos leva até ao Calvário Húngaro, próximo da “Loca do Cabeço”(local das aparições do Anjo). É uma antiga vereda, hoje caminho reservado a peões, que passa por entre azinheiras e oliveiras que parecem curvar-se quando subimos em oração. Não há construções nem lojas de objectos religiosos, nem vendedores ambulantes. O terreno marginal mantém-se como seria no tempo dos “Pastorinhos”. O silêncio é total, apenas quebrado, de quando em vez, pelo chilrear de um pássaro ou pela oração de um dos vários grupos que percorrem os ”Passos do Senhor”. A Paróquia da Senhora do Calvário do Porto, há mais de quarenta anos, faz dessa Via-Sacra o momento fulcral da sua peregrinação.

Depois de percorrer as quinze estações da Via-Sacra (a décima quinta representa a Ressurreição de Jesus), com uma paragem frente à imagem da Virgem , nos Valinhos, como é bom subir ao terraço da capela e contemplar aquele horizonte povoado de azinheiras e oliveiras! O silêncio é total. Depois de respirar o ar fresco da serra, deixemo-nos imbuir do misticismo do lugar. Se olharmos na direcção do norte, veremos, lá em baixo, o Santuário da Cova da Iria e uma oração à Virgem brotará espontânea do nosso coração. Sentimos próximo o Deus da Aliança. Em nós actualiza-se o encontro de Abraão e Melquisedeque. A nossa alma eleva-se e apetece-nos cantar com o salmista:
“ Dos céus, louvai o Senhor,
Louvai-O nas alturas do firmamento
Louvai-O, sol e lua;
Louvai-O, astros brilhantes.
Montanhas e colinas,
Árvores de fruto e cedros
Louvem todos o nome do Senhor
Porque só o seu nome é excelso
Sua majestade transcende a terra e o céu.”

quinta-feira, dezembro 06, 2007

O PORTO- PATRIMÓNIO MUNDIAL II



Na passada terça-feira, dia 4 de Dezembro, os amigos do Porto, aproveitando uma iniciativa dos “Cidadãos do Porto”, celebraram o 11º ano da consagração do Porto como Património Mundial da Humanidade. Porque "eu imPORTO-me", escrevi já um pequeno texto sobre esse assunto. Agora decidi acrescentar alguma informação sobre esta cidade onde vivo e que adoptei como sendo a “minha cidade”

A DIVISA DO PORTO
" Cidade Invicta" ou simplesmente " Invicta". Esta designação foi-lhe atribuída por decreto de D. Maria II, sendo ministro Almeida Garrett, como preito de homenagem ao seu heroísmo durante as Lutas Liberais. A divisa completa é: " Antiga, mui nobre e sempre leal e invicta Cidade do Porto". A honra de " leal cidade" já lhe era reconhecida no séc. XV pela patriótica fidelidade das suas gentes pela causa do Mestre de Avis, que, em testemunho da sua gratidão, escolheu a sua Sé Catredal para celebrar o seu casamento com D. Filipa de Lencastre. Em " Os Lusíadas", claramente se afirma: " Lá, na leal Cidade..."

AS ARMAS DA CIDADE

Foi em 1517 que o brazão da cidade começou a integrar a imagem de Nossa Senhora de Vandoma, com o Menino Jesus ao colo sobre um fundo azul e entre duas torres, as antigas torres românicas da Sé. Esta imagem coroava o Arco de Vandoma da velha cerca do Porto, chamada “muralha suévica”. Agora encontra-se num altar do lado esquerdo (lado do evangelho) no tansepto da Sé Catedral .

O PORTO NA LITERATURA

Almeida Garrett - " Se na nossa cidade há muito quem troque o b por v, há pouco quem troque a liberdade pela escravidão."
Alexandre Herculano. " O Porto é a terra das minhas saudades. (...) O seu aspecto é severo e altivo, como mordomo de casa abastada.(...) Não façais caso de certo modo áspero e rude que lhe haveis de notar; trazei-o à prova e achar-lhe-eis um coração bom, generoso e leal"
Camilo Castelo Branco : " Velha burguesa, mãe de Portugal que ela criou, vestiu de ferro, e fez nação, robusta e destemida, entre os seus braços e sobre a amurada das suas naves."
Ramalho Ortigão : “ O portuense não gosta de Lisboa. Não gosta da polícia. Não gosta da autoridade. Da autoridade vinga-se, desprezando-a. Da Polícia vinga-se, resistindo-lhe. De Lisboa vinga-se, recebendo os lisboetas com a mais amável hospitalidade.
Miguel Torga: " O Porto lembra-me uma séria e pacata citânia lusitana, murada da sua altivez de cavadores. - Se de resto Garrett pôde nascer do calor do seu coração, se António Nobre pôde morar em paz dentro das suas portas, e se mesmo numa das suas cadeias pôde ser escrito o Amor de Perdição, que demónio é preciso mais para honrar os pergaminhos de alguém?"
Jaime Cortesão: " Graças ao Porto, o povo teve coluna vertebral"
José Gomes Ferreira : "Cidade de luz de granito/ Tristeza de luz viril/com punhos de grito"

Eça de Queiroz: “Lisboa inveja ao Porto a sua riqueza, o seu comércio, as suas belas ruas novas, o conforto das suas casas, a solidez das suas fortunas, a seriedade do seu bem estar. O Porto inveja a Lisboa a Corte, o Rei, as Câmaras, S. Carlos e o Martinho. Detestam-se."
Jorge de Sena: " Para a minha alma eu queria uma torre como esta/ assim alta,/ assim de névoa acompanhando o rio. "
Vitorino Nemésio: “Uma ida ao Porto é sempre uma lição de portuguesismo, tanto mais rica quanto mais raramente lá se vai. É indispensável – claro – um mínimo de contacto reiterado com esse lar da nação para nele vermos algumas das significações latentes que enriquecem a nossa consciência
João Chagas : O Porto não é em rigor uma cidade: é uma família. Quando algum mal o acomete, todos sentem com a mesma intensidade; quando desejam alguma coisa, todos a desejam ao mesmo tempo. Os portuenses são tão ciosos da integridade da sua cidade, como os portugueses em geral da integridade da nação.”
Agustina Bessa-Luís: “ Toda a cidade, com as agulhas dos seus templos, as torres cinzentas, os pátios e os muros em que se cavam escadas, varandas com os seus restos de tapetes de quarto dependurados e o estripado dos seus inetriores ao sol fresco, tem toda ela uma forma, uma alma de muralha.”
Sophia de Mello Breyner: “ O Porto é o lugar onde para mim começam as maravilhas e todas as angústias
Vasco de Graça Moura. “ E quanto ao riso, o Porto gosta de rir e de rir com uma certa insolência: ri mais desbragadamente, mais primariamente, mais saudavelmente e com mais gosto do que Lisboa.”
José Saramago . “ Afinal, o Porto, para verdadeiramente honrar o nome que tem, é, primeiro que tudo,este largo regaço aberto para o rio, mas que só do rio se vê, ou então, por estreitas bocas fechadas por muretes, pode o viajante debruçar-se para o ar livre e ter a ilusão de que todo o Porto é a Ribeira


OS ARTISTAS DO PORTO

" Manuel de Oliveira é universal a partir do Porto - como a seu modo, Agustina, que lhe empresta palavras. Júlio Resende e Álvaro Sisa, entre tantos, nascidos nesta cidade e seu termo,ou por ela conquistados, também. Na linha de Garrett, Camilo, Raul Brandão, eu sei lá!
Torga conheceu-lhe e reconheceu-lhe a grandeza, Aquilino idem, foi nas suas praias que nasceu o vento que direito corre nos poemas de Sophia, Eugénio, ah! Eugénio de Andrade cantou o Porto como ninguém, em verso e prosa, mesmo entre imprecações, cantou, com definitiva beleza, a sua luz mais imponderável, os sítios, as árvores, as crianças, as pedras, o tempo: " Há, no Porto, à beira do outono, manhãs duma perfeição total".
Uma cidade com carácter e de carácter - eis o que além de tudo o mais define o Porto, por si e como síntese/legenda do Norte. Isso e o seu povo livre, generoso, cordial. Como se vê nas páginas gloriosas da História ou nos pequenos actos do dia-a-dia...Bairrista no melhor sentido - o Porto é uma Nação! - provinciana no melhor sentido, capaz de grandes causas e grandes lutas: o Porto, de que " houve nome Portugal". (...) Até agora o Porto era património "nosso", dos "tripeiros", dos nortenhos, dos portugueses, de todos que o trazem no coração. A partir de agora, continuando "nosso", passa a ser, com inteira justiça, Património Mundial. Ganha o Mundo e todos ficamos Felizes." José Carlos de Vascocelos


O PORTO NA HISTÓRIA

* O Couto do Porto
A pequena povoação, com origem pré-histórica ( na Rua de D. Hugo foram encontrados vestígios que remontam à Idade do Bronze), localizada no morro da Penaventosa, foi doada por D. Teresa ao Bispo D. Hugo em 1120. Estava rodeada por uma estreita cerca de muralhas ( às vezes chamada de suévica) com quatro portas de acesso: a Porta de Nossa Senhora de Vandoma, com a imagem de N. Senhora de Vandoma que hoje se encontra na Sé, demolida em 1835; a Porta de S. Sebastião, demolida em 1821; a Porta de Santana, demolida em 1819 ( ainda restam alguns vestígios do seu arco) e a Porta das Verdades.
A população do Porto desta época era sobretudo formada pelo povo, pois que à nobreza apenas se consentia residência temporària e o clero limitava-se ao Bispo e ao Cabido ( Cónegos da Sé)

* O Bispo do Porto e a conquista de Lisboa Era o dia 16 de Junho de 1147. Cerca de 200 navios de alto bordo, vindos do norte da Europa, transportando uma expedição de cruzados para a Terra Santa, atravessou a foz do Rio Douro. Um forte temporal por altura do Cabo Finisterra, obrigou-os a entrar no Douro para se refazer e prosseguir viagem. O Bispo do Porto, D. Pedro de Pitões ( antigo abade do Mosteiro de Pitões das Júnias no Barroso?), acompanhado pelo seu clero, logo desceu o morro da Sé e foi receber os guerreiros que chegavam. Depois de os saudar, imediatamente os informou que, nesse mesmo dia, havia recebido um carta do seu rei, D. Afonso Henriques que dizia " Afonso, rei de Portugal a Pedro, Bispo do Porto - Saúde. Se por acaso os navios dos Francos passarem pelo Porto, recebei-os com presteza e amizade e conforme o entendimento que com eles fizerdes para que fiquem comigo, vós e todos aqueles que o quiserem, como penhor do compromisso tomado, vinde juntar-vos comigo, junto dos muros de Lisboa. Adeus"
No dia seguinte, reunidos os guerreiros no adro da Sé, Pedro de Pitões fez um sermão e tal foi a veemência e o calor das suas palavras que, depois de difíceis negociações, a proposta do Bispo foi aceite e, passados dez dias, lá partiu a armada em direcção a Lisboa, levando consigo o Bispo, como fiador da proposta apresentada por D. Afonso Henriques e aceite pelos cruzados. Ao chegarem a Lisboa, houve risco de graves desentendimentos entre os guerreiros estrangeiros e portucalenses, mantendo-se o bispo inquebrantavelmente fiel à sua palavra, como diz o Cruzado Osberno " Só o bispo do Porto permaneceu sempre connosco, como penhor, até à rendição de Lisboa".

* A Muralha Fernandina. Com o desenvolvimento do comércio marítimo, a população do velho Burgo começou a estender-se para fora da velha muralha em direcção ao Rio Douro e ocupando a margem direita do Rio da Vila. Foi no Reinado de D. Afonso IV, depois de uma batalha com Galegos e Castelhanos, em 1336, que se iniciou a construção da nova muralha que ficou concluída ao fim de 40 anos, já no reinado de D. Fernando. Daí o seu nome: " Muralha Fernandina". O muro apresentava uma altura média de três braças, com uma braça de espessura, com cerca de 3.400 metros de perímetro, com cinco portas,defendidas por torres, sete postigos e vinte cubelos.

* O Porto e o Mestre de Avis.
O Porto era já então uma terra de possantes recursos, pela firmeza de vontade e dureza dos homens nela nascidos. Foi o que se viu na Crise de 1383-1385.
Pouco depois da aclamação " do Regedor e Defensor do Reino, D. João", em Dezembro de 1383, o cavaleiro Rui Pereira, emissário de D. João, perguntava às gentes do Porto se poderia contar com eles na luta contra Castela. Um tal Domingues Peres das Eiras, em nome da cidade assim se exprimiu, segundo o testemunho de Fernão Lopes: " Eu digo por mim e por todo este povo que aqui está que nós somos prestes com boa vontade de servir o Mestre com os nossos corpos e haveres, ouro e prata- para nunca sermos em poder dos Castelhãos. E digo mais. Digo que não há nesta cidade quem tenha pensamento contrairo disto, porque se o tiver não o poderá ter por muito tempo. E para isto, as naus e as barcas e galés com todas as coisas que nelas fizerem mister oferecemos ao Mestre de muito boa vontade."
As afirmações do desassombrado burguês foram logo postas em prática, aparelhando navios e obtendo, a bem ou a mal, a submissão de alguns castelos ( Gaia, Vila da Feira, Neiva, Faria, Vermoim...
Para retribuir tão grande apoio, o Mestre, logo que aclamado nas Cortes de Coimbra, vei ao Porto onde foi recebido em apoteose, como diz Fernão Lopes: " As ruas, volvidas as estradas de ramos e flores com defumadores de cheiros, o rio apinhado de naus e batéis apendoados, o rei a pé, por entre tanta gente que parecia que o queriam afogar sob uma chuva de rosas que as das donzelas lhes desfolhavam das janelas"

* O Porto - o Infante e a Frota de Ceuta.
D. João I, em 1414, incumbiu o seu filho, o Infante D. Henrique, natural do Porto, de aí preparar uma frota que se juntasse à do Tejo para a expedição a Ceuta. Durante meses, a cidade acusou desusado bulício. Em Junho de 1415, os trabalhos estavam concluídos e " era fremosa cousa de ver o corrigimento daquela frota, porque todalas naaos e galees e outros navios eram nobremente apendoados com balssões e pemdoôns pequenos das cores, motos e devisa do Iffante"
A frota compunha-se de uns setenta navios " afora outra muita fustalha".
Porque era necessário levar muitos mantimentos para a longa viagem de todos aqueles marinheiros/guerreiros, as gentes do Porto fizeram embarcar toda a carne que havia disponível na Cidade, reservando para si apenas o que restava dos animais: as tripas.Deste facto, terá surgido a alcunha de " Tripeiros" que designa e muito honra as gentes do Porto.

* O Porto e o Motim das Maçarocas ( 1629) - no tempo dos Filipes
Segundo a tradição visou impedir o lançamento de um imposto sobre as maçarocas ou rocas que, para muitas mulheres constituiria o seu magro ganha pão.
A investigação do caso permitiu concluir que :
- não fora somente o Povo mas " gente da cidade, graves e vestidos de seda" que se concentrara na noite do levantamento:
- o Povo combinara atribuir a responsabilidade do motim a anónimos populares e "maganos".
Merece relevo a solidariedade manifestada pelos moradores que permitiu manter no anonimato os principais cabecilhas"
Francisco Ribeiro da Silva, O Porto e o seu termo (1580-1640)-II Vol

* A Segunda Invasão Francesa e o Desastre da Ponte das Barcas
Na madrugada do dia 29 de Março de 1809, vencida as defesas da Prelada e Monte Pedral, as tropas napoleónicas do marechal Soult entraram de roldão na cidade. A sua população, em pânico, precipitou-se para a Ribeira e lançou-se para a frágil e oscilante Ponte das Barcas com a esperança de fugir para Gaia, na outra margem. A dado momento, a ponte rompeu-se ( ou foi cortada) do lado de Gaia e os fugitivos afundavam-se nas águas profundas do Douro, apesar dos seus gritos de socorro que ninguém ouvia no meio daquela confusão geral. Nunca se soube ao certo o número dos mortos mas calcula-se que foram mais de 6.000. Este desatre marcou profundamente a memória colectiva das gentes do Porto que, ainda hoje, 189 anos passados, continua a acender velas nas alminhas comemorativas, por alma dos que morreram nesse desastre.

* O Porto e o Liberalismo - Revolução de 1820" Em Portugal havia um descontentamento profundo. A miséria geral, a ruína dos comerciantes, a impaciência dos militares que viam os melhores comandos nas mãos dos oficiais ingleses; a ideologia de pequenos grupos de formação universitária, impregnados de teorias liberais, foram os quatro factores decisivos que levaram à preparação de uma revolta militar que, em 24 de Agosto de 1820, eclodiu no Porto" José Hermano Saraiva, Breve História de Portugal - adaptado
O movimento dos portugueses que estavam decididos a correr qualquer risco foi para a frente. Esta revolução, que teve início no Porto em 24 de Agosto de 1820, triunfou, não encontrando qualquer resistência. Antes foi " festejada como a restauração da pública felicidade"
Quem chefiou a Revolução de 1820 foram os liberais (pessoas adeptas dos ideais da Revolução Francesa:Liberdade, Igualdade , Fraternidade) - entre eles destacaram-se Fernandes Tomás e Ferreira Borges.

* O Cerco do Porto-genuína expressão do temperamento do homem portucalense.
Entretanto, D. Pedro regressou à Europa para defender os direitos de sua filha; dirigiu-se à França e à Inglaterra e organizou uma expedição militar que veio a desembarcar na zona de Mindelo/ Pampelido, dirigindo-se para a cidade do Porto.

EM HONRA = DE SUA MAGESTADE IMPERIAL DOM PEDRO
DUQUE DE BRAGANÇA = PRIMEIRO IMPERADOR DO BRAZIL
E = QUARTO REI D'ESTE NOME EM PORTUGAL = COMMANDAN-
TE EM CHEFE DO EXÉRCITO LIBERTADOR = AQUI DESEMBAR-
CADO = EM OITO DE JULHO DE MIL OITOCENTOS E TRINTA
E DOUS = PARA RESTITUIR O THRONO = A SUA AUGUSTA
FILHA = A RAINHA REINANTE DONA MARIA
SEGUNDA = E A LIBERDADE AOS POR
TUGUEZES = SE ERIGIO ESTE
PADRÃO = PARA PERPETUA
MEMÓRIA
( Transcrição da lápide existente no monumento na Praia da Memória/ Pampelido)
Ia começar uma terrível Guerra Civil.
As forças de D. Miguel montaram acampamentos nos arredores e impediram as saídas da cidade - foi o Cerco do Porto.
As gentes do Porto resistiram ao lado dos soldados e apoiaram a sua luta com muitos sacrifícios : aos bombardeamentos miguelistas juntaram-se a fome, o frio e a cólera.
A cidade era constantemente bombardeada pelas baterias miguelistas da Serra do Pilar em Gaia. E isto durante doze meses de heróica resistência. Os incêndios eram consecutivos. Mas o povo não desistia do seu apoio às tropas: para as missões mais arriscadas apareciam sempre voluntários; as mulheres do povo iam, de manhã, levar às linhas de combate o caldo ao homem como se ele andasse no trabalho
Várias tentativas foram feitas pelos liberais para romper o Cerco. Os liberais e a população a tudo resistiram. Finalmente, o cerco terminou e o Porto pôde com D. Pedro festejar a vitória dos ideais de liberdade, igualdade e fraternidade. Como penhor da sua homenagem e do seu reconhecimento ao Povo do Porto, D. Pedro IV legou à cidade o seu coração que se encontra guardado na Igreja da Lapa.

* O Porto e o ideal republicano.
O descontentamento popular em relação à Monarquia fez estalar manifestações de revolta. É no Porto,. em 31 de Janeiro de 1891, que rebenta a primeira revolta republicana que foi violentamente reprimida. Os mortos foram sepultados no cemitério do Prado do Repouso onde hoje se levanta um monumento com a legenda:" Paz ao vencidos". Vencidos os homens mas não o seu ideal. As semente fora lançada...



* O Porto e a Ditadura do Estado Novo
D. António Ferreira Gomes, Bispo do Porto, foi a voz da Igreja que mais alto se levantou contra a ditadura salazarista, aquando das eleições com Humberto Delgado. A sua atitude de coragem ( era seu lema: de joelhos diante de Deus; de pé diante dos homens") valeu-lhe um longo exílio por terras europeias,(não podendo mesmo vir ao funeral de sua mãe que, entretanto, falecera) regressando a Portugal apenas após a morte de Salazar.

PORTO - PATRIMÓNIO MUNDIAL
O centro histórico desta velha urbe, o Porto Medieval e Burguês, ainda reconhecível na velha Casa dos Redemoinhos, nas Muralhas Fernandinas ou na Ribeira, foi admitido à categoria de Património da Humanidade, na reunião do Comité de Peritos do Património Mundial da UNESCO ( Organização das Naçoes Unidas para a Educação, Ciência e Cultura), constituída por representantes de 22 países, realizada na Cidade do México, em 4 de Dezembro de 1996.

O PORTO FALA DE SI
Nasci no velho morro da Pena Ventosa, mas a minha vida esteve sempre ligada ao rio Douro, que me conduziu ao mar.
No tempo dos romanos era conhecido por "portucale" e "daqui houve nome Portugal".
Por aqui passaram Suevos, Visigodos e Árabes. Conquistada em 716, fui definitivamente reconquistada por Vímara Peres em 868. Em 1120, fui doada ao Bispo D. Hugo; os meus habitantes, ciosos dos seus direitos, lutaram com bispos e nobres para os defenderem:" ter bispo encerrado no paço e os fidalgos bem longe dos muros da cidade, eis o ideal dos cidadãos do Porto".
Apoiei a causa do Mestre de Avis a cujo casamento com a bela inglesa assisti na Sé.
Aqui nasceu o Infante D. Henrique com quem participei na conquista de Ceuta. Generosos, os meus habitantes embarcaram a carne e comeram as tripas- daí lhes veio o saboroso nome de "tripeiros" que muito os honra.
Aqui se refugiou D. António, Prior do Crato.Sob o jugo filipino, perdi muitos barcos que faziam parte da "Armada Invencível"; revoltei-me contra os abusos do poder, como se viu no " motim das maçarocas"contra os espanhóis e no motim dos taberneiros contra o Marquês de Pombal.
Sofri o ataque francês e vi os meus habitantes morrerem afogados no célebre " desastre da Ponta das Barcas".
Em 24 de Agosto de 1820, vivi com entusiasmo a esperança de liberdade e igualdade; sofri as angústias do Cerco que as forças da tradição impuseram aos meus habitantes. O sonhador Rei Soldado legou-me o seu coração e recebi o título de " LEAL E INVICTA". Em 1891, assisti com temor às cargas da polícia sobre os republicanos que protestavam contra o "Ultimato Inglês".
Muitos dos meus filhos deram a sua liberdade para defenderem a LIBERDADE.
Orgulho-me do que de mim disse Garret:" Se na nossa cidade há muito quem troque o b pelo v, há muito poucos que trocam a liberdade pela servidão" .
Sou a cidade do granito, duro como a têmpera dos meus habitantes e que se fez arte nos múltiplos monumentos que me embelezam. Sou, também, a Cidade do Barroco que molda o granito naquela que é o meu "ex-libris"- a Torre dos Clérigos.
Revejo-me na minha Sé Catedral. Como Portugal, nasceu no século XII. Com ele, começou a levantar-se este monumento que, apesar das grandes alterações sofridas ao longo dos tempos, mantém ainda o seu aspecto de fortaleza medieval. Da sua raíz românica, na fachada ocidental, restam as duas torres até à altura da segunda cinta de esferas. Salvou-se, também, a linda e ampla rosácea. Curiosa é a escultura, na torre norte, que representa um barco comercial dos mares do Norte, a coca, quase desconhecido entre nós. Revela a importância do comércio marítimo para a vida da cidade e quem sabe, uma passagem dos cruzados.
As três naves testemunham o romano-gótico, com os seus arcos redondos e levemente ogivais. Digno de registo é, também, o primitivo claustro com arcos quase redondos e trabalhados com motivos geométricos, como nas torres da fachada. Digno de realce é o seu belo claustro gótico. Testemunho da arte barroca é a sua notável capela-mor. O altar de prata batida é uma das maravilhas da igreja e que, diz-se, durante as invasões francesas terá resistido ao saque francês devido à astúcia do sacristão que cobriu o altar com uma camada de gesso, enganando os franceses (ou foi a capacidade negociadora do Bispo frente ao General Soult?).
Orgulho-me da minha “Casa da Câmara”, símbolo do poder municipal e burguês: vivi e cresci numa dialéctica de confronto: territorialmente, foi a oposição entre os montes e os vales; socialmente, foi o conflito entre o Bispo e a Burguesia.
Como símbolo do poder eclesiástico, lá está a velha Sé fortificada. Como afirmação do poder civil/burguês/municipal, os “vizinhos” do Porto, no século XV, ergueram esta casa-torre, com 22 metros de altura, onde se reuniu a Câmara do Porto até 1539. A torre, vinda lá do fundo da rua de S. Sebastião, levanta-se desafiadora bem próxima do flanco-poente da Sé, afrontando a sua imponência. Felicito-me por ter por filho um arquitecto como Fernando Távora que foi capaz de reconstruir esta torre que, durante séculos, foi apenas ruínas.
Revejo-me ainda nas duas maiores obras de arquitectura construídas nos últimos tempos: a “Casa da Música” e o “Estádio do Dragão”. E orgulho-me dos êxitos internacionais alcançados pelo meu clube mais representativo, o Futebol Clube do Porto.
E termino convidando os meus admiradores a beberem um cálice de “Porto” e a passearem no meu “Metro”que me vestiu com os ares da modernidade.


EM SÍNTESE
É esta a nossa cidade, orgulhosa do seu passado, forte no seu presente e confiante no seu futuro, reconhecida como património da Humanidade, que, para além de Cidade Invicta, se honra de ser: Cidade da Virgem, Cidade do Trabalho, Cidade da Liberdade, Cidade de Nazoni.

quarta-feira, dezembro 05, 2007

PORTO – PATRIMÓNIO DA HUMANIDADE


Foi no dia 4 de Dezembro de 1996 que a UNESCO aprovou a candidatura do Porto a Património Mundial da Humanidade.
Nesse dia, a nossa cidade pôde acrescentar o título: “Cidade Património da Humanidade” aos muitos de que já se orgulhava: “Cidade da Virgem”; “Cidade Invicta”; “Cidade da Liberdade”; “Cidade do Trabalho”. Aquela que começou por ser a cidade do bispo é agora um património aberto a toda a humanidade.
Ao ler o “Livro de Ouro” publicado pelo “O Comércio do Porto” a propósito desse evento, apercebo-me de que a maioria dos monumentos nele apresentados é obra da Igreja o que prova a importância desta na construção da identidade do Porto. Apenas alguns: Sé Catedral, Igreja dos Clérigos, Igreja de Santo Ildefonso, Colégio e Igreja de S. Lourenço, Igreja de S. Francisco, Igreja de Santa Clara, Paço Episcopal, Igreja e Hospital do Terço, Capela dos Alfaiates, Igreja Terceira dos Franciscanos, Igreja de S. Nicolau, Capela da Senhora do Ó, Capela da Lada, Palácio e Igreja de S. João Novo, Igreja da Misericórdia, Igreja dos Congregados, Igreja da Trindade, Capela de Nossa Senhora da Silva, Igreja dos Carmelitas, Igreja do Carmo, Igreja de S. José das Taipas, Igreja e Convento de S. Bento da Vitória, Igreja de Nossa Senhora da Vitória, Igreja de S. Pedro de Miragaia e, já em Gaia, Mosteiro da Serra do Pilar. Mas, mais que os monumentos, o que mais fascina é que o Porto Histórico, no seu todo, é uma obra de arte colectiva, é um monumento uno e único. Razão tinha o grande teólogo galego, Andrès Torres Queiruga, que ao contemplar o Porto afirmava: “ Não conheço cidade mais bonita que o Porto”.
Vista de Gaia, a Cidade surpreende-nos pela sua delicada harmonia na diversidade das suas formas e volumes, na pluralidade das suas torres e clarabóias, na variedade das suas cores. É “ cascata sanjoanina” como diz Carlos Tê, onde os grandes edifícios religiosos que dominam as alturas da Sé se combinam com o casario multifacetado que desce até á Ribeira.
Há, porém, um momento do dia em que o Porto se torna mágico. É quando o sol se põe no Oceano e as sombras avançam sobre a cidade. À medida que a noite cresce, as luzes das casas vão-se acendendo lenta e progressivamente: uma aqui, outra ali, ora no morro da Sé ora junto ao rio. É um bailado de luz e sombras que se projecta nas águas negras do Douro.
Este ano, um grupo de portuenses denominado “Cidadãos do Porto” decidiu comemorar a data, sob a divisa “eu imPORTO-me”.
Concentrámo-nos no cimo do “Morro da Pena Ventosa”, junto da velha Sé, no local onde em 1147, o Bispo do Porto, D. Pedro Pitões, convenceu os Cruzados Nórdicos a irem ajudar D. Afonso Henriques a conquistar Lisboa aos Mouros.
Depois, descemos em direcção à Ribeira, pelas ruas das Aldas, Penaventosa, Santana. Ao passar junto do que resta do velho arco que deu nome ao romance de Almeida Garrett. “ O Arco de Santana”, parámos para contemplar a linda imagem de Santa Ana, incrustada no suporte do arco e admirarmos as velas que a devoção mantém acesas.
A partir daí, entramos no Porto Burguês pelas ruas da Bainharia e dos Mercadores. À medida que descemos aquelas ruas sinuosas e alcantiladas, vamo-nos impregnando de séculos de história e sentimos que, a cada passo que damos, são séculos que se somem sob nossos pés.

Na Praça do Infante, junto ao Palácio da Bolsa, congregaram-se os diferentes grupos que se tinham juntado em diversos pontos, sempre acompanhados por artistas da cidade. Às 20 horas, num palco improvisado na escadaria do Palácio, Rui Abrunhosa cantou a “Balada de Gisberta” que dedicou a todos os que são marginalizados e esquecidos. Depois da participação das “ Vozes da Rádio”, de Ana Deus e os Gambozinos, e do Conjunto de António Mafra, a festa atingiu o seu auge quando Rui Veloso cantou o seu “Porto Sentido” acompanhado pela assembleia que marcava o ritmo da música com as lanternas acesas.
Às 22 horas, já dentro do Palácio da Bolsa, Pedro Burmester executou parte duma partitura de Jonh Cage. Foram quatro minutos e trinta e três segundos de um profundo e significativo silêncio partilhado por toda assistência que enchia completamente o Salão Árabe. Foi uma forma de Pedro Burmester participar nestas comemorações sem quebrar a sua promessa de não mais tocar no Porto enquanto Rui Rio for Presidente da Câmara. Assim, contornou a questão: interpretou sem tocar. Com efeito, nesta partitura não há música, há apenas silêncio porque, como diz o seu autor “tudo o que fazemos é música” e pode haver muita musicalidade numa partitura sem música. E foi impressionante a dignidade com que Pedro Burmester fez a sua interpretação, a forma como saudou a assistência no princípio e no fim, a postura que manteve durante a actuação, folheando por três vezes os papéis da partitura porque, como disse no início, tratava-se duma peça com três andamentos. De seguida, falou Álvaro Gómez-Ferrer Bayo, consultor da UNESCO que avaliou a candidatura do Porto e propôs a inclusão do centro Histórico na Lista do Património Mundial. Que bom foi ouvir este arquitecto espanhol falar dos afectos, das cores e dos cheiros do Porto e ouvi-lo dizer que a história, a arquitectura, o urbanismo a geografia (que o rio Douro muito enriquece) e as gentes se congregaram para fazer do Porto um sítio único no Mundo.