O Tanoeiro da Ribeira

sábado, setembro 15, 2007

HOJE REJUVENESÇO...

No dia 13 passado, às 07.55, enviei um SMS para a minha menina e para o meu menino que labutam em terras genebrinas, que dizia:
Hoje rejuvenesço... Recomeço as minhas aulas.”
Este meu pensamento tem a sua origem nas palavras de um colega que diziam mais ou menos o seguinte: “ nós, professores, vivemos a vida em dois ciclos que se contrapõem: por um, envelhecemos; por outro, rejuvenescemos. O ciclo do ano civil torna-nos cada vez mais velhos; o ciclo do ano lectivo faz-nos nascer de novo no início de Setembro
E isto é bem verdade. Com 68 anos de idade e muitos anos de professor, sinto-me a recomeçar sempre que inicio um novo ano lectivo. Esqueço a idade. Esqueço que já leccionei a mesma matéria muitos e muitos anos. Ao começar, sinto sempre a insegurança de quem começa e a alegria de quem se abre a novos campos de experiência.
Esta mesma sensação de novidade experimentei este ano que, possivelmente, será o meu último ano de trabalho, não porque me veja velho mas porque, de acordo com a tradição do colégio, nenhum professor poderá estar ainda a dar aulas no ano em que completar 70 anos.
No dia doze, os directores de turma fizeram a recepção dos seus alunos. Dessa recepção fazia parte a apresentação dos professores da turma. E eu, com os meus colegas, lá compareci à hora combinada. Começaram os meus colegas que se apresentaram dizendo o seu nome e a disciplina que irão leccionar. Quando chegou a minha vez, disse: “ Eu gostaria de vos dizer quem sou, mas não posso porque nem eu sei quem sou. E vós sabeis quem sois? O meu nome? Mas eu tenho muitos nomes. E vós não tendes? O nome que vos chamam os vossos pais não é o que consta do vosso bilhete de identidade nem talvez aquele por que sois conhecidos pelos vossos amigos. Comigo acontece o mesmo. Como cidadão português, com nome registado na Conservatória do Registo Civil, eu sou… Como elemento da Comunidade Educativa deste Colégio, eu sou conhecido como… E agora pergunto eu: de que disciplina sou professor?” – “De Filosofia”, responderam todos. Estava feita a apresentação.
Eu próprio me surpreendi. Nunca tal fizera ao longo de todos os anos que tenho leccionado. É com situações destas que experimento a sempre renovada novidade de ser professor. Por tudo isto, dá-me gosto ser para muito dos meus antigos alunos “ o meu velho professor” mas nunca me vejo como “um professor velho”… ( Velhos são os trapos, diz a sabedoria popular). Um professor só é velho quando se deixa envelhecer, quando a sua leccionação se torna enfadonha e repetitiva. Se gostamos do que fazemos, se respeitamos as matérias que leccionamos, se amamos aqueles com quem trabalhamos, se nos apreciarmos a nós mesmos, o nosso espírito manter-se-á jovem… (eu sei que às vezes, o espírito é jovem, o corpo é que não ajuda…) É por isso que eu sempre lutei por uma sala de professores de alegre e saudável convívio onde deveria ser proibido falar mal dos alunos.
Quem sou eu? Boa pergunta. E tu que me lês, quem és tu? - Eu sou filho, eu sou pai, eu sou irmão, eu sou marido, eu sou primo, eu sou colega, eu sou amigo, eu sou genro, eu sou portuense, eu sou portista, eu sou religioso, eu sou professor, eu sou padre, eu sou cidadão, eu sou campanhense, eu sou valonguense, eu sou português, eu sou europeu, eu sou… eu sou… eu sou muitas e variadas coisas…Só não aceito ser “ex-qualquer coisa” porque o meu passado faz parte integrante do meu presente que é uma síntese que integra o meu passado e o meu futuro. Neste aspecto, sou hegeliano e considero que o meu ser/eu permanece idêntico a si mesmo embora vá assumindo determinações diferentes nas diversas situações da vida. Concordo com Ortega e Gasset e sei que”eu sou eu e a minha circunstância”. Mas que permanece em mim que afirma a identidade do meu eu face às diversas circunstâncias, que faz com que eu não ande ao sabor das circunstâncias, que não me deixa ser “uma cana agitada pelo vento”? Qual é o cerne do meu eu que se mantém inalterável em todas as circunstâncias e faz com que eu me reconheça em todos os meus actos? Qual o núcleo fundante do meu eu? Não sei qual é mas experimento que existe porque, em certas circunstâncias, recrimino o meu proceder dizendo: “parece impossível… isto nem parece de mim…” Noutros momentos, louvo-me: “ isto foi duro, mas este sou eu…não podia agir doutra maneira” E tu que me lês, qual é o núcleo fundante do teu eu? Já pensaste? A que conclusões chegaste?

- Sim?!... Já vou.

Vou interromper. A minha Anita chama-me para almoçar.
E agora brincando:
- Quem sou eu? Um espírito que come ou um corpo que pensa? Um corpo que come para pensar melhor ou um espírito que pensa para comer melhor?